Acórdão nº 000294/16.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A. - AUTO-ESTRADAS (...), S.A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel promanada no âmbito da Ação Administrativa intentada por V.

, também com os sinais dos autos, que, em 22.03.2020, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, a pagar à autora a quantia de € 4, 440,15, acrescido de juros de mora desde a citação, e, solidariamente, a Interveniente Principal A. SUCURSAL EM PORTUGAL, a suportar a quantia que exceda o montante da franquia.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I.

A resposta ao ponto 23 dos factos provados peca por manifestamente escassa, faltando-lhe, salvo o devido respeito, o rigor que seria exigível em função da prova produzida (cfr. depoimentos de A. e A. transcritos no corpo deste recurso), tanto no que concerne à extensão de verificação inspecionada, como no que se refere ao resultado dessa inspeção (que inexiste, de resto); II.

Por isso, tendo presente aquela prova, a resposta ao mencionado ponto 23 da matéria de facto provada deve ser alterada, sugerindo-se a seguinte redação: - provado que quatro dias após o acidente funcionários da ré verificaram o estado das vedações 500 metros para cada lado do local do acidente e em ambos os sentidos de trânsito e concluíram que essas vedações, na referida extensão, encontravam-se em boas condições de segurança e conservação, não havendo indícios de um animal ter entrado por ali; Segue-se que III.

Entende a R. que a sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que esta R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23 (este último com a redação proposta na conclusão anterior); IV.

Efetivamente, e salvo o devido respeito, em vez o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação especial relevante (p. ex. do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, na redação aplicável, que curiosamente a sentença nem sequer cita); V.

Na verdade, quando se chama à colação para servir de fundamentação ideias como não ter alegadamente a R. demonstrado “(...) que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, tendo procedido à instalação de todos os mecanismos razoáveis (?!!!) que permitam evitar situações como a dos autos” isso é o mesmo que dizer nada, atendendo a que, quer uma (a vedação - vide designadamente a alínea a) do n° 4 da Base XXIX), quer a outra (a periodicidade dos patrulhamentos - cfr. alínea f) do n° 4 e n° 5 da Base LV), têm previsão legal no citado diploma legal que, logo no artigo 1°, indica, para que não restem dúvidas, que são as Bases (legislação especial) publicadas em anexo (entre as quais, aquelas acabadas de citar) que regem designadamente a forma de exploração e manutenção da autoestrada; VI.

Não é, por isso, ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto- Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, com as alterações (à data do sinistro) introduzidas pelo Decreto-Lei n° 44-E/2010, de 5 de maio; VII.

Aliás, e pela sua manifesta impressividade, cabe ainda assinalar/recordar a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redação do DL n° 109/2015, de 18 de junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu n° 2, mostra-nos até que p. ex. a periodicidade dos patrulhamentos passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4 em 4 horas em vez de 3 em 3 horas e sem obrigatoriedade de patrulhamento durante o turno noturno entre as 23 h e as 7 h) e sem que se tenha deixado cair (leia-se: retirado do texto legal) o advérbio de modo - permanentemente - de que frequentemente se lança mão; VIII.

Pelo que, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa autoestrada concessionada a esta R., nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respetivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento lhe cabe, entende a R. que esta alteração à mencionada Base LXXIII é claramente interpretativa e, portanto, aplicável aos sinistros anteriores à entrada em vigor da Lei n° 24/2007, de 18 de julho (ou, no mínimo, deverá ser vista como um importante - decisivo mesmo - subsídio para uma tal avaliação/interpretação necessariamente mais correta e mais conforme à lei); IX.

Acontece, porém, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”) poderia a R. legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado.

Dito isto, X.

É certo que com o advento da Lei n° 24/2007, de 18 de julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora - insista-se - sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XI.

Porém, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos n°s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei n° 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de incumprimento (ou de culpa, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil; XII.

Efetivamente, e quanto à putativa presunção de culpa (ou de incumprimento) nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho (com as alterações subsequentes), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como decorre, aliás, do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1); XIII.

Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade (ainda que não o diga de forma expressa), considerou a sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; XIV.

O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor (cfr. p. ex. pontos 18 e 23 dos factos provados, este último na redação proposta) e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro (vide pontos 21 e 22 dos factos provados); XV.

Na verdade, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar e que se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações (contiguidade, arredores, etc.) do local do acidente - e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente; XVI.

De outro modo - i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar (mesmo que de forma pouco esclarecida) a sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, sem culpa, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada (cfr. também e a este propósito o ac. da RC de 10.01.2006, www.dgsi.pt e ainda Carneiro da Frada, “Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in R. O. A., ano 65, setembro de 205, págs. 407 - 433, mas também do mesmo autor, agora com a colaboração de Diogo A. Costa Gonçalves, o mais recente “Diligência e prova de cumprimento das obrigações da concessionária em acidentes de viação ocorridos em autoestradas”, págs. 155 - 202, integrado na publicação do Instituto Jurídico da F. D. U. C. intitulada “Responsabilidade Civil. Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil”); XVII.

De sorte que é visível, salvo o respeito devido, que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, na medida em que parte claramente do...

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