Acórdão nº 56/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 56/2021

Processo n.º 435/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho proferido por aquele tribunal no dia 27 de fevereiro de 2020, por entender ter aí sido «reconhecida a inconstitucionalidade do art. 26º-A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, na redação da Lei nº 27/2019, de 28-03-2019, e recusada a sua aplicação, apreciando a reclamação apresentada ainda que o A. não tenha feito o depósito da quantia reclamada pelo R. A. a título de custas de parte.» Mais refere o Ministério Público que «[a] Mmª Juíza fundamenta tal decisão no facto do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ficarem manifestamente coartados com a norma em questão» e que, «[p]or elucidativo, cita o Acórdão do Tribunal Constitucional 73/2019, de 21/02/2019 onde se refere que “importa sublinhar que a específica imposição de condições à possibilidade de reclamação de questões atinentes a custas judiciais, como é o caso das custas de parte, afeta, sem dúvida, o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”».

2. A decisão recorrida tem, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«Saber se é devido pelo A. o depósito da quantia reclamada pelo R. A. a título de custas de parte:

A questão colocada prende-se com o disposto no art. 26º-A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais, entendendo o A. que a norma é inconstitucional ao impor o prévio depósito da quantia reclamada a título de custas de parte, de modo a que possa ser apreciada a reclamação apresentada.

Até à atual redação da norma em causa, o Tribunal Constitucional foi entendendo que tal exigência era de facto inconstitucional por vício orgânico-formal, já que era matéria da reserva da competência legislativa da Assembleia da República e tinha sido imposta por simples Portaria.

Este vício não se verifica já na atual redação do art. 26º A, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais.

Ainda assim, entende o Tribunal que a norma em causa é, ainda, manifestamente inconstitucional.

Tal imposição impede na prática que a parte devedora de custas de parte discuta o montante em dívida, reconhecendo a signatária que é manifestamente frequente a apresentação de notas de custas de parte que não têm qualquer correspondência com a realidade normativa (com valores verdadeiramente absurdos), pelo que a exigência do depósito da quantia reclamada significaria impedir a parte de discutir o seu montante, por manifesta impossibilidade económica.

Note-se que estamos perante quantias que são devidas à parte contrária - e não ao Estado - e, como tal, perante um litígio entre particulares, a exigência daquele depósito para que seja apreciada a reclamação uma verdadeira violação do princípio da igualdade, já que assume, ainda que provisoriamente e sem qualquer prova indiciária, que a nota apresentada se encontra corretamente elaborada.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional 73/2019, de 21/02/2019 "importa sublinhar que a específica imposição de condições à possibilidade de reclamação de questões atinentes a custas judiciais, como é o caso das custas de palie, afeta, sem dúvida, o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva".

É este acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva que fica manifestamente coartado com a norma em questão.

Reconhecendo assim a inconstitucionalidade do referido art. 26º A, n-2, do Regulamento das Custas Processuais, recuso a sua aplicação, apreciando a reclamação apresentada ainda que o A. não tenha feito o depósito da quantia reclamada pelo R. A. a título de custas de parte.

Notifique, incluindo ao Mº Pº.

Reclamação do A. de 09/01/2020 às notas de custas de parte do R. A. (de 18/12/2019), B. (30/12/2019) e C. (06/01/2020):

O R. A. peticiona a quantia de 3.340,25 euros de custas de parte.

A B. peticiona custas de parte de 2.907,00 euros.

A C. peticiona custas de parte de 4.355,00 euros.

As custas de parte estão notoriamente mal calculadas, como resulta do despacho de 13/02/2020, justificando à saciedade a razão pela qual a exigência do depósito prévio do valor das custas de parte reclamadas viola o direito de acesso à justiça!

Ignoram todas as notas de custas de parte o disposto no art. 32º, nº 2, da Portaria 419/A/2009, de 17/04, somando todas as partes as mesmas taxas de justiça para cálculo dos honorários, quantias essas que, assim, são consideradas várias vezes em manifesto desvio ao princípio normativo em questão.

Assim, nos termos já definidos na decisão de 12/02/2020, considerando a decisão proferida em 1ª instância, o R. A. tem direito a reclamar o pagamento de taxa de justiça de 357,00 euros (1/2 das que foram por si pagas com a R, D., pois a restante 1/2 é devida àquela R.).

Após a decisão de 1ª instância, e porque apenas recorreu o R. A. e não também a R. D., aquele tem direito à restituição das taxas de justiça pagas de 357,00 euros.

A R. e a interveniente têm direito a reclamar a restituição das taxas de justiça que pagaram, ou seja, respetivamente:

- pela R. B.: 714,00 euros+357,00 euros +357,00 euros+25,50 euros = 1.453,50 euros;

- pela chamada C.: 714,00 euros + 357,00 euros + 357,00 euros = 1.428,00 euros.

Quanto a honorários:

Considerando a decisão de 1 a instância e o valor das taxas de justiça pagas por todas as partes nessa fase do processo, como se refere na decisão anterior), é devida ao R. A. a quantia de 272,00 euros (pois que a restante de 272,00 euros é devida à R. D.) e a cada uma das demais partes (B. e C.) a quantia de 554,00 euros.

Considerando a fase de recurso e as taxas pagas:

- pelo A. de 357,00 euros + 102,00 euros + 25,50 euros;

- pelo R. A. de 357,00 euros;

- pela R. B. de 357,00 euros + 357,00 euros + 25,50 euros;

- pela chamada C. de 357,00 euros,

temos 1.938,00 euros.

Assim, o valor a considerar para efeitos de honorários é de 50% desse valor, ou seja, 969,00 euros, sendo 1/3 deste valor para o R. A., 1/3 para a B. e 1/3 para a C. (323,00 euros para cada parte).

Pelo exposto, as quantias devidas a título de custas de parte são:

- ao R. A.: 357,00 euros + 357,00 euros +272,00 euros + 323,00 euros = 1.309,00 euros

- à R. B.: 1.453,50 euros + 554,00 euros + 323,00 euros = 2.330,00 euros

- à chamada C.: 1.428,00 euros + 554,00 euros + 323,00 euros: 2.305,00 euros.

Julga-se, pois, procedente a reclamação apresentada pelo A., embora não nos termos em que o foi.

Custas pelo R. A., R. B. e chamada C., fixando-se em uma 1 Uc a taxa de justiça devida por cada um deles, considerando o valor por si peticionado a título de custas de parte em manifesto desvio ao valor devido e, bem assim a sucessiva apresentação de notas de custas de parte a que se fez referência no despacho de 13/02.

Notifique.»

3. O Ministério Público, recorrente nos presentes autos, deduziu as suas alegações no sentido da não inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

«1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. Apreciando a reclamação apresentada pelo Autor da nota discriminativa e justificação de custas da parte, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Juízo Central Cível de Póvoa do Varzim-Juiz 1) foi, em 27 de fevereiro de 2020, proferida decisão que recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais e, consequentemente, apesar de não ter sido feito o depósito, apreciou a reclamação julgando-a parcialmente procedente.

1.2. Dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), constituindo, pois, seu objeto, a questão de constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditada pelo artigo 6º da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, enquanto determina que “a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”.

2. Apreciação do mérito do recurso

2.1. Apreciando o pedido de generalização apresentado pelo Ministério Público no Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 82.º da LTC, o Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 280/2017, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que determina que a «reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota», constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março.

2.2. Acompanhando a fundamentação constantes dos Acórdãos n.ºs 189/2016 e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT