Acórdão nº 2/21 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Janeiro de 2021

Data05 Janeiro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 2/2021

Processo n.º 872/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) foi condenado, em 1.ª instância, no âmbito do processo n.º 14814/16.6T8LRS.L1, do Juízo Local Criminal de Loures, por sentença de 30/11/2018, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h), do mesmo diploma.

1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 19/06/2019, negou provimento ao recurso. O trânsito em julgado da decisão condenatória ocorreu em 09/09/2019.

1.1.1. Em 02/01/2020, o arguido apresentou, nos mesmos autos, um requerimento de interposição de recurso de revisão, invocando, inter alia, a prescrição do procedimento criminal (cfr. requerimento de fls. 3 a 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.2. Por acórdão de 23/09/2020, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) negou a revisão.

1.2. O Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, “nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas a), b) e c)” da LTC – recurso esse que deu origem aos presentes autos –, conforme ora se transcreve:

“[…]

I – Do Fundamento do Recurso

1.º

No âmbito de Recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art.º 29, n.º 6, da Lei Fundamental, interposto pelo Arguido, veio o Supremo Tribunal de Justiça decidir que a questão da prescrição do procedimento criminal não pode ser levantada nesta sede, pois, transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, ficou precludido o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente essa mesma prescrição.

2.º

Ora, a prescrição penal é um instituto que se vincula diretamente ao direito fundamental ao prazo razoável do processo constitucionalmente reconhecido no nosso sistema jurídico, pelo que é fundamento para o presente recurso, na medida em que tal foi referido pelo Arguido, designadamente no artigo 10.º do articulado do recurso extraordinário de revisão.

II – Da Prescrição do Procedimento Criminal:

3.º

A prescrição opera pelo simples decurso do tempo, independentemente de qualquer condição, devendo ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento.

4.º

O arguido foi condenado na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão efetiva por sentença transitada em julgado em 09 de setembro de 2019, cujos factos ocorreram em 04 de setembro de 2011.

5.º

In casu, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos do disposto no art. 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

6.º

O n.º 3 do art. 121.º do CP especifica que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

7.º

In casu verificou-se a suspensão da prescrição, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 120.º do C.P., por vigorar a declaração de contumácia, proferida no Proc. Nº 946/11.0PCLRS, que correu termos no mesmo Juiz 1 Local Criminal de Loures.

8.º

Também, in casu se verificaram casos de interrupção da prescrição.

9.º

Mas estes só valem de per si quando não se verifica o condicionalismo previsto no n.º 3 do art. 121.º do CP.

10.º

Neste sentido, citando as atas da Comissão Revisora do Código Penal: […]

11.º

Neste sentido, aliás, refletiu a Comissão Revisora do Projeto da Parte Geral do Código Penal, na 33ª Sessão, relativa ao então artigo 111°, § 1 e § 2 (cuja redação se manteve na atualidade com os nºs 2 e 3) que, transcrito no BMJ 151, 44, se refere a esta questão da seguinte forma: […].

12.º

Assim sendo,

O prazo é o referido no art. 118.º, n.º 1, al. c), do C.P. – 5 anos;

O prazo iniciou-se nos termos do n.º 1 do art. 119.º do C.P. – consumação do facto, a 04/09/2011;

A suspensão tem lugar nos casos do art. 120.º do C.P. – sendo que o arguido esteve declarado contumaz entre 16/12/2016 (data de início) e 03/04/2017 (data de fim declarada já nestes autos).

13.º

Da data da prática do crime (04/09/2011) até à declaração de contumácia do arguido (16/12/2016) decorreram 5 anos, 3 meses e 12 dias.

14.º

Da data do fim da contumácia até ao trânsito em julgado da decisão de condenação decorreram 2 anos, 5 meses e 1 dia.

15.º

Ressalvando-se o período de suspensão, decorreram no total 7 anos, 8 meses e 13 dias.

16.º

A prescrição tem como prazo máximo o prazo normal, acrescido de metade daquele prazo normal, correspondendo a 7 anos e 6 meses.

17.º

Verifica-se que aquando da condenação do arguido, o procedimento criminal já se encontrava prescrito, devendo ter sido oficiosamente declarado.

18.º

Aliás, estamos em crer que aquando da declaração de contumácia, muito para lá dos 5 anos, o procedimento em si já se encontrava prescrito, uma vez que não existiram até então qualquer causa de interrupção ou suspensão, porquanto nunca foi o arguido/recorrente notificado, constituído arguido, prestado TIR, o que efetivamente só veio a acontecer a 30/01/2018.

19.º

É certo que o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar se o procedimento criminal (segundo os factos constantes dos autos) está ou não prescrito.

20.º

Todavia, existe claramente um conflito com a Constituição da República Portuguesa, pois que a recusa do Supremo Tribunal de Justiça em reconhecer essa mesma prescrição, que deveria ter sido apreciada e declarada oficiosamente pelo Tribunal da 1.ª Instância, põe em crise a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias; e isto mesmo é da competência de apreciação do Tribunal Constitucional.

21.º

Sabido que é, que a prescrição e a correção de erro são do conhecimento oficioso, recusando-se o Supremo Tribunal de Justiça a declarar a extinção do procedimento criminal por prescrição, e a reconhecer o erro grosseiro em que incorre a decisão condenatória, alheou-se de corrigir esse erro, colocando em crise o direito à liberdade do cidadão, com violação das normas constitucionais, que são o garante do referido direito fundamental.

22.º

Afigura-se-nos, pois, que o Tribunal Constitucional tem os poderes de cognição constantes do art. 79.º-C da LTC, naquele sentido de impor a defesa dos direitos, liberdades e garantias, quando tais valores sejam postos em crise, quer pela violação de norma, quer pela recusa de aplicação, quer ainda pela correção de erro grosseiro.

23.º

O Tribunal Constitucional não pode ser conivente com a injustiça de um cidadão, ser remetido, para a prisão quando, o procedimento criminal está extinto, por prescrição e essa prisão é ordenada, tendo subjacente um erro grosseiro!

– Em conclusão:

– A prescrição opera pelo simples decurso do tempo, independentemente de qualquer condição, devendo ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento.

– O arguido foi condenado na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão...

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