Acórdão nº 315/15.3GCSLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | S |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No inquérito nº 315/15.3GCSLV, foi deduzida pelo MP acusação pública, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, contra o arguido E…, imputando-lhe a prática de um crime de burla p. e p. pelo art. 217º nº 1 do CP
O processo foi distribuído para julgamento ao Juízo de Competência Genérica de Silves do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, tendo o Exº Juiz desse Juízo proferido, em 17/5/2019, um despacho do seguinte teor: «Autue como processo comum, com intervenção do Tribunal singular
* O Tribunal é competente
A forma de processo é a devida
O Ministério Público detém legitimidade para promover a acção penal
* O Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido E… imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de burla simples, previsto e punido pelo art. 217.º, n.º 1, do Código Penal
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 217.º do Código Penal, comete o crime de burla quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial
A burla é um crime de dano (só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro) e de realização vinculada (a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma particular forma de comportamento, a qual se encontra descrita no tipo)
A burla caracteriza-se igualmente como um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída dos bens ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” da vítima
A burla qualifica-se ainda como um crime de resultado parcial ou cortado, caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os tipos objectivo e subjectivo, na medida em que, embora se exija, no âmbito deste último, que o agente actue com intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento da vítima (cfr. Fernanda Palma/Rui Pereira, RDFL, 1994, página 323)
Assim, para que se mostre preenchido o tipo subjectivo do crime de burla torna-se necessário que o agente actue com consciência e vontade de praticar os elementos objectivos do tipo supra referidos, isto é, consciência e vontade de determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, através de erro ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou
Por outro lado, para o preenchimento do tipo subjectivo do crime de burla, mostra-se necessário a verificação do elemento subjectivo especial ou dolo específico traduzido na “intenção do agente de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo”
Ora, compulsada a factualidade imputada ao arguido na acusação pública deduzida nos autos, constata-se que o arguido é acusado de, através de uma suposta conduta astuciosa no âmbito de um negócio de compra e venda através da internet, ter levado o ofendido a entregar ao arguido o valor monetário de € 320,00, de que o arguido se apropriou, sem que o arguido tenha entregado ao ofendido o objecto vendido (um telemóvel)
Sucede que não consta dos factos da acusação que o arguido tenha actuado com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo, aquando da sua conduta alegadamente astuciosa traduzida no negócio de compra e venda celebrado com o ofendido através da internet
Com efeito, embora se alegue no art. 7.º da acusação que o arguido acabou por se apropriar da quantia de € 320,00 que lhe foi entregue pelo ofendido, de forma consciente e voluntária (cfr. art. 9.º da acusação), apesar de saber que tal quantia não lhe pertencia, não decorre da acusação que o arguido tenha agido perante o ofendido logo ab initio (i.e., quando publicitou na internet o negócio de venda do telemóvel, e quando celebrou com o ofendido, através da internet, o negócio de compra e venda do telemóvel) com intenção de enriquecimento ilegítimo para si ou terceiro, dado que, desde logo, face ao teor da acusação, o arguido poderia inicialmente ter a intenção de entregar o telemóvel em causa ao ofendido e, só posteriormente...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO