Acórdão nº 00036/11.6BEPNF-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RElatório C., S.A., com os demais sinais nos autos, recorrente no processo principal, notificada da decisão singular que não admitiu o recurso de revisão por si interposto, dela vem reclamar para a conferência, nos termos do disposto no art. 288.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

A Recorrente, aqui Reclamante, encerra as suas alegações formulando as seguintes conclusões: “1ª Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte a 13 de Dezembro de 2012, que negou parcialmente provimento ao recurso por si interposto, veio a recorrente, nos termos do disposto no art. 696.º , al. f) e 697.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil ex vi art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 154.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos interpor RECURSO DE REVISÃO, tendo por base a prolação de um Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

  1. Por decisão singular datada de 23 de Junho de 2016, o recurso excepcional de revisão interposto pela recorrente não foi admitido.

  2. Nomeadamente, por “improcedência manifesta da pretensão formulada, por carecer de suporte legal, inviabilizando ab initio o pedido por si formulado no âmbito dos presentes autos”.

  3. A decisão de que se reclama pugna pela tese de que no âmbito do processo tributário existe uma norma específica para a revisão de sentença, a qual se encontra prevista no n.º 2 do art. 293.º, do CPPT, diferente da prevista no Código de Processo Civil e no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  4. Fundamenta-se o recurso de revisão interposto pela aqui reclamante na prolação de um acórdão pelo TJUE, cujo conteúdo se afigura totalmente inconciliável com o teor do acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, na parte em que negou provimento ao recurso interposto pela Recorrente.

  5. Não prevendo o regime de recursos no processo judicial tributário a possibilidade de revisão de uma decisão interna, transitada em julgado, por ser inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso que seja vinculativa para o Estado Português, como é o caso de um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, atenta a relevância desta ausência normativa e a natureza de tal omissão, impõe-se encontrar regulamentação adequada nas normas sobre a organização e processo nos tribunais administrativos e tributários (artigo 154.º a 156.º do CPTA ex vi artigo 2.º, al. c) do CPPT) e no Código de Processo Civil, sobre interposição processamento e julgamento dos recursos jurisdicionais, no caso, e concretamente, no preceituado pelo artigo 696.º, al. f) ex vi artigo 154.º, n.º 1, in fine do CPTA.

  6. Um acórdão proferido pelo TJUE assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso de revisão ao abrigo da al. f) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciliabilidade com decisão interna transitada em julgado, conforme bem decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Fevereiro de 2014, processo n.º 0360/13, disponível em www.dgsi.pt.

  7. A decisão reclamada NÃO SÓ NÃO SE PRONUNCIOU SOBRE A TESE PUGNADA PELA RECLAMANTE, COMO NADA DISSE SOBRE AS CONCLUSÕES EXTRAÍDAS DO ALUDIDO ACÓRDÃO, em qualquer dos casos consubstanciando tal omissão de pronúncia causa de nulidade da mesma, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) ex vi 666.º, n.º 1 do CPC, nulidade que expressamente se invoca.

  8. A leitura que emana da decisão controvertida do artigo 293.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário viola as mais elementares regras de um Estado de Direito, possibilitando, por um lado, que se possa manter na ordem jurídica uma decisão proferida por um Tribunal interno materialmente desconforme com a interpretação vinculativa do mesmo quadro legal por parte do TJUE, recusando-se a revisão de sentença por força duma interpretação literal do regime de recursos à luz do regime previsto no artigo 293.º do CPPT e, por outro, recusando-se a revisão de sentença em todos os processos judiciais abrangidos pela jurisdição tributária com fundamento em sentença superveniente proferida pelo TJUE que seja materialmente inconciliável com decisão proferida por um órgão jurisdicional nacional.

  9. A interpretação veiculada na decisão reclamada é inadmissível por colocar em causa não só a pretensão da ora reclamante mas de todo e qualquer sujeito passivo destinatário de qualquer decisão judicial que venha a ser mais tarde tacitamente revogada por uma decisão do TJUE de efeitos erga omnes (Princípio do Primado do Direito Europeu).

  10. O legislador pretendeu estender o recurso de revisão também às situações em que a decisão transitada em julgado seja inconciliável com decisão jurisdicional incompatível com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou com qualquer decisão ou norma emanada por um órgão internacional a que Portugal esteja vinculado, desde logo, porque entre o primado do caso julgado material de uma decisão interna e a aplicação uniforme do direito comunitário, tal como interpretado por uma instância internacional, é evidente que deverá prevalecer este último, sob pena de falta de coerência do sistema jurídico nacional e vício de inconstitucionalidade, por directa violação do artigo 8.º da CRP.

  11. Não se justifica - ou a decisão de que se reclama fundamentou - uma interpretação rígida e literal do artigo 293.º do CPPT, sob pena de cerceamento à reclamante das prerrogativas atribuídas pelas regras do processo administrativo comum, designadamente quanto ao exercício do seu direito de recurso de revisão.

  12. Deve a norma contida no artigo 293.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quando interpretada no sentido de que o legislador pretendeu limitar o recurso de revisão de sentença no âmbito do Processo Tributário apenas aos casos de decisão judicial transitada em julgado declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia, excluindo expressamente a possibilidade do recurso de revisão de sentença no âmbito do Processo Tributário de uma decisão interna, transitada em julgado, por ser inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso que seja vinculativa para o Estado Português, constante no artigo 696.º , al. f), do Código de Processo Civil, descurando as garantias de tutela jurisdicional efectiva atribuídas ao vencido no âmbito do processo administrativo ou declarativo comum, ser declarada materialmente inconstitucional por ser manifestamente desproporcionada tal interpretação da lei, cerceando a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos, impossibilitando a sua tutela efectiva e consubstanciando um tratamento desigual dos cidadãos perante a lei, violando o disposto nos artigos 2.º, 8.º , 13.º, n.º 1, e 20.º , n.º 1, da CRP, ou seja, violando os Princípios da Proporcionalidade, do Primado do Direito da União Europeia, da Igualdade e do Acesso ao Direito e da Tutela Jurisdicional Efectiva.

  13. Considerando que sobre a admissibilidade do recurso de revisão no âmbito do Processo Tributário de uma decisão interna, transitada em julgado, por ser inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso que seja vinculativa para o Estado Português, recaíram acórdãos pugnando por teses divergentes, no domínio da mesma legislação e quanto à mesma questão de direito e que a decisão ora em crise fez “escolhas”, perfilhando uma das teses contrárias, deve recair ACÓRDÃO, de molde a que possa o Supremo Tribunal Administrativo pronunciar-se, em sede de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, nos termos do disposto no artigo 284.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Termina requerendo: “… a submissão da presente à conferência para que sobre a matéria da douta sentença reclamada seja proferido douto ACÓRDÃO.”*** Notificada para se pronunciar sobre o teor da presente Reclamação, vem a Representação da Fazenda fazê-lo, nos termos que se seguem: “1.º A presente reclamação deve ser indeferida.

    1. A sentença de fls. não merece, com efeito, qualquer censura.

    2. O art. 293.º, 2 do C.P.P.T. contém um elenco fechado de requisitos do recurso de revisão.

    3. De facto, a norma refere expressamente que “apenas é admitida a revisão em caso de decisão judicial transitada em julgado, declarando a falsidade do documento, ou documento novo que o interessado não tenha podido nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruição da prova feita, ou de falta ou nulidade da notificação do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse à sua revelia”.

    4. O vocábulo “apenas” estabelece, de forma inequívoca, que os únicos fundamentos admissíveis para este tipo de recurso são os ali previstos, não sendo aceitáveis quaisquer outros.

    5. Desta forma, o recurso ao art. 696.º do C.P.C. e aos pressupostos neles estabelecidos encontra-se absolutamente vedado em sede de processo tributário.

    6. Acresce que a decisão em apreço não está viciada por qualquer nulidade, designadamente a arguida omissão de pronúncia.

    7. No seu requerimento de recurso, a recorrente aludiu efetivamente ao acórdão do STA de 7 de fevereiro de 2014, processo n.º 0360/13.

    8. Essa alusão constituiu um dos argumentos de defesa da tese da admissibilidade do recurso e da aplicabilidade subsidiária do art. 696.º do C.P.C.

    9. Ora essa tese foi apreciada pelo tribunal e a sua rejeição esteve na base da decisão ora reclamada.

    10. O tribunal apreciou, pois, a questão que lhe foi colocada pela recorrente embora não tenha...

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