Acórdão nº 242/15.4GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução09 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o número 242/15.4GEBR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo local Criminal, foi proferido despacho a considerar que o arguido P. M. não beneficia do perdão instituído pela Lei nº9/2010, de 10 de abril.

    1. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo das conclusões (transcrição) «1 - O despacho recorrido indefere pedido de aplicação de perdão de pena porquanto o arguido não era/estava recluso à data da entrada em vigor da Lei 9/2020, de 10/4.

      2 - O despacho recorrido não indica dispositivo legal mas cita texto de um professor universitário, Dr N. B..

      3 - A citação é incompleta pois após a palavra "excepcional" existe remessa para Nota de Rodapé 24, onde se lê: "Cf. artigos 7.º/2 da Lei n.º 1-A/2020 e 10.º da Lei n.º 9/2020." 4 - Em lado algum existe norma que ordene ou sequer permita que os orgãos de polícia criminal não cumpram uma ordem de detenção para cumprimento de pena, solução preconizada por aquele professor, que diz mesmo: "Nestas situações, será aconselhável aguardar pelo termo da presente situação excepcional (24) para se dar início ao cumprimento de tais penas.” 5 - O volume de legislação publicado aquando da aprovação da lei em causa facilita a imprecisão da formulação legal.

      6 - Por outro lado, o artº 13º da CRP impede a interpretação em causa.

      7 - E os arts 40º e 71º do Código Penal impedem a interpretação preconizada.

      8 - A interpretação defendida origina situações de absurda injustiça e desigualdade para situações similares, por detalhes sem relevância jurídico-penal e de todo alheios à vontade dos arguidos.

      9 - Uma outra questão fica por resolver, a da verificação posterior do requisito "ser recluso", com benefício do perdão de pena, já que a lei fala de situações de aplicação futura, no nº 5 do artº 2º da mesma lei.

      10 - A aplicação exclusiva a condenações transitadas parece violar os princípios e preceitos constitucionais e legais supra elencados, pois o trânsito da condenação em nada é influenciado muitas vezes pelo arguido, sendo que todas as leis de amnistia e perdão de penas tiveram sempre como baliza o factor temporal, a PRÁTICA DOS FACTOS, e não o trânsito, a dedução de acusação ou qualquer outra fase processual.

      11 - Inexiste dispositivo legal que impeça a aplicação do perdão de pena ao arguido.

      12 - A interpretação feita da lei 9/2020, na medida em que interpreta a mesma de forma restritiva aplicando-a apenas a quem se encontre recluso, viola do disposto nos arts 18, 20 e 32º da CRP.

    2. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência, aduzindo como argumento o facto do condenado não se encontrar na condição de recluído no momento da sua entrada em vigor da Lei 9/2020.

      Em conformidade, não tendo o entendimento perfilhado pelo recorrente qualquer fundamento legal e contrariando a letra da lei e as finalidades que lhe estavam subjacentes, conclui que bem andou o Juiz a quo ao decidir como decidiu, pela desnecessidade de adoção de quaisquer medidas atenta a não verificação dos pressupostos de aplicação do regime de graça do artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10.04, ao arguido, inexistindo qualquer violação dos referidos preceitos constitucionais.

    3. Neste tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º do C.P.P., emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    4. Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido não respondeu ao parecer.

    5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

  2. Fundamentação A) Despacho recorrido (transcrição) O arguido P. M. foi condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €250,00, pela prática de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços p. e p. pelo artº 220º nº1 al. b) do CP.

    Por despacho proferido a fls 385 tal pena foi convertida numa pena de 33 dias de prisão subsidiária.

    A fls 452, veio o arguido P. M. requerer que tal pena seja perdoada ao abrigo do artº 2º nº3 da Lei nº 9/2020, de 10/04.

    Aberta vista ao MP, o mesmo promoveu que se indeferisse o requerido.

    Apreciando.

    No pretérito dia 11 de Abril de 2020 entrou em vigor a Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, a qual estabeleceu, além do mais, um perdão de determinadas penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado.

    Na verdade, estatui o artº 2º nº1 da Lei nº9/2020, de 10/04, que “São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.” (sublinhado nosso) Acrescenta o nº3 do mencionado normativo que “O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa (…)” Nos termos do artº 2º nº8 do mencionado diploma, “Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respetivos mandados com caráter urgente.” Coloca-se, porém, a questão do tratamento a dar aos arguidos condenados, por decisão transitada em julgado, em penas de prisão de duração igual ou inferior a dois anos, ainda não executadas e relativas a crimes não excluídos pelo perdão.

    Como muito bem salienta o MP, a Lei nº9/2020, de 10/04 teve apenas por finalidade salvaguardar a saúde das pessoas que se encontram nos estabelecimentos prisionais, as quais estão particularmente expostas a surtos de COVID-19. Assim sendo, quer o espírito, quer a letra da lei apontam no sentido de que o mencionado diploma apenas se aplica aos reclusos, isto é, a pessoas que já se encontram em cumprimento de pena, não sendo extensivo aos condenados, por decisão transitada em...

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