Acórdão nº 146/19.1JAVRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Por decisão proferida pelo juiz de instrução criminal que presidiu ao interrogatório do arguido J. A. foram aplicadas ao recorrente, para além de TIR, as medidas de coação de suspensão do exercício das suas funções ou outras na Autoridade Tributária, com a inerente revogação de todos os acessos a qualquer informação de âmbito profissional por meios informáticos e, bem assim, a proibição de contactos, por qualquer meio (pessoal, telefónico ou por redes sociais), com qualquer um dos intervenientes processuais (denunciante, testemunhas) e, bem assim, com quaisquer contribuintes ou contabilistas com quem tenha estabelecido contacto no âmbito de ações inspetivas por si realizadas ou em curso, funcionários da AT, designadamente quaisquer superiores hierárquicos, a nível regional ou nacional (arts.º 191.º nº1, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 199.º al.c), 200.º nº 1 al. d), 204.º als. b) e c) e 268.º nº1 al. b) todos do CPP).

Inconformado com a decisão recorreu o arguido concluindo a motivação recursória do seguinte modo ( transcrição): I - Da nulidade das escutas telefónicas I-O Ministério Público promoveu as operações de escutas telefónicas a fls.29 e a fls.42 o pedido foi deferido.

II-Entre 22.04.2019 e 02.06.2019, não houve igualmente registos com relevância, tendo sido ordenada a interceção das escutas em por despacho judicial de 18.06.2019.

IIIA partir dessa data e nos meses seguintes, não há nos autos nada que indicie a prática de qualquer ilícito criminal pelo arguido.

Contudo, IV.

Em 24/2/2020 é junto um relatório intercalar subscrito pela Polícia Judiciária a fls. 265. que fundamentou novas intercepções com o seguinte teor: “considerando que o suspeito tem o contato telefónico do T. F. e que o contatou telefonicamente para solicitar informações sobre a ação inspetiva e para lhe dar sugestões de como proceder nesse processo, é nossa convicção que o suspeito, sabendo que está a ser investigado, poderá contatar novamente o T. F. para trocar impressões”.

Porém, V. Entre a data em que as escutas cessaram (18-06-2019) e a data em que foram renovadas (10-03-2020), não foi intercetável qualquer gravação relevante.

VI.O arguido não contatou nem foi contactado pelo contribuinte T. F..

VII.

Já tinha terminado a inspeção ao contribuinte T. F.. Este já tinha sido notificado do relatório final e já se encontrava a pagar a coima e os impostos que tinha subtraído ao Estado.

VIII Pelo que o douto despacho que ordenou novamente a realização de intercepções telefónicas ao arguido assentou em informações não verdadeiras (que não foram sindicadas pelos órgãos judiciais) violando-se assim, objetivamente quer o princípio da necessidade, quer da proporcionalidade, devendo ser ordenada a nulidade das escutas telefónicas ocorridas após junho de 2019.

IX.

Não permitindo a lei, sem mais, validar escutas telefónicas, pelo que ocorre uma violação do nº6 do artigo 187º do Código de Processo Penal que se consubstancia numa nulidade nos termos do artigo 190º do Código de Processo Penal.

X. Sendo entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência que a violação dos pressupostos materiais de admissibilidade da medida no artigo 187.º do Código Processo Penal gera uma proibição de prova.

XI.

Estando a decisão de aplicação de medidas de coação fundada em prova sob a qual impendia uma proibição de valoração, salvo melhor opinião, estaremos perante uma prova proibida porque ab initio já se encontra ferida de nulidade, o que deve ser declarado com as inerentes consequências legais.

II - Da ilegalidade da detenção fora de flagrante delito e do despacho que a validou XII.

No plano do direito interno e na vertente da detenção, a Constituição da República Portuguesa faz emergir dos seus arts. 18.°, 27. °, 28. °, 30. °, 31. ° e 272. ° um conjunto de princípios que balizam qualquer restrição da liberdade, fazendo-se notar aqui, com maior destaque, os da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, corolários do princípio da menor intervenção possível. XIII.

Em harmonia com o n.º 1 do art. 257.º do Código de Processo Penal, a detenção fora de flagrante delito, só poderá ser determinada pelo Ministério Público nos casos em que estejam cumpridos os seguintes requisitos: quando se verifique em concreto alguma das situações previstas no 204.º e que apenas com a detenção se possam acautelar e se a detenção se mostrar imprescindível para a proteção da vítima.

XIV.

E como requisito genérico, cumulativo com os demais, terá de exigir-se a verificação de indícios da existência de fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado.

XV.

O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu apenas a realização de mandados de busca a fls. …, sem que dos mesmos constasse a detenção do arguido.

XVI.

Posteriormente, sem qualquer fato novo no processo, determinou a emissão de mandados de detenção fora do flagrante delito a fls. … XVII.

A inspeção tributária na empresa T. F.

terminou em junho de 2019 e é essa mesma inspeção realizada pelo arguido que se fala no auto de detenção, pelo que decorridos 11 meses já não existia perigo de continuação da atividade criminosa.

XVIII.

E ao arguido foi imputado um crime de corrupção passiva.

XIX.

Não houve matéria relevante encontrada nas buscas, não tendo sido junto qualquer elemento ao processo.

XX.

Conforme se alcança de fls. 409 e fls. 411 e 42, o então suspeito, ora arguido, aquando da busca domiciliária, cedeu voluntariamente as contas de correio eletrónico e as respetivas passwords, inclusive do seu telemóvel, sendo igualmente copiado todo o conteúdo existente no seu computador.

XXI.

E, conforme se obtém de fls. 429 foi efetuada uma busca no local de trabalho do arguido, a Autoridade Tributária, onde foram recolhidos e copiados documentos relacionados com a empresa T. F..

XXII Foram ainda inquiridos dois contribuintes, que estavam a ser inspecionados pelo arguido, que declararam que não foram alvo de qualquer tentativa de corrupção (embora não exista no mandado de detenção ou no primeiro interrogatório ao arguido qualquer facto relacionado com esses dois contribuintes).

XXIII.

Pelo que, não existe fundamento razoável para que se possa equacionar a possibilidade de existir por parte do arguido uma eliminação e/ou ocultação de provas que só com a detenção seriam acauteladas, XXIV.

Até porque com as buscas domiciliárias e as efetuadas no seu local de trabalho, já teria sido assegurado que as provas não fossem destruídas, dissimuladas ou até mesmo ocultadas, pois foi copiado o conteúdo dos discos dos computadores e apreendidos os documentos considerados com interesse para os autos.

Ademais, XXV.

O comportamento do arguido indiciava que se apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado.

Assim, XXVI.

Não se verificando os requisitos cumulativos apontados no n.º 1, al. a), b) e c) do artigo 257º do Código de Processo Penal, impera a ilegalidade na emissão do mandado de detenção fora de flagrante delito pelo Ministério Público e consequentemente no despacho que a validou a fls. …, uma vez que não foram respeitados os requisitos constantes do nº1 do artigo 257º do Código de Processo Penal.

XXVII.

Sendo tal despacho nulo também o são os actos subsequentes, como o interrogatório do arguido e das medidas cautelares que lhe foram impostas.

III - Da nulidade do primeiro interrogatório judicial XXVIII.

Ao arguido presente para 1º interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação deve ser dado conhecimento circunstanciado dos elementos constantes do processo que permitem o juízo de indiciação efetuado e a consequente aplicação da medida de coação, nos termos constantes do artigo 141º, nº 4 alínea c), d), e) do Código de Processo Penal.

Todavia, XXIX.

O defensor do arguido, apesar de ter solicitado antes do primeiro interrogatório a consulta do processo, apenas lhe foi permitida a consulta dos elementos de prova que suportaram o mandado de busca.

Sucede que, XXX.

O arguido não foi notificado do despacho com os motivos aduzidos para 1º interrogatório judicial, somente teve conhecimento desse despacho nesse mesmo ato e não lhe foi permitido acesso aos elementos de prova indicados pelo Ministério Público contendo provas que não estavam nos mandados de busca e que foram ocultadas ao arguido (declarações de duas testemunhas M. C., de fls. 446 e V. A. de fls. 448, relatórios intercalares constante dos autos, fls. 265 e fls. 453), como declarou em sede de alegações, constante de fls. … dos autos.

XXXI.

A audição destas duas testemunhas pelo qual o arguido não se pôde pronunciar, bem como os relatórios intercalares aos quais lhe foram negados o acesso, vêm mencionados como elementos de prova no despacho que veio a aplicar as medidas de coação, não tendo o arguido sido sequer questionado sobre qualquer facto relacionado com esses dois contribuintes.

XXXII.

Se o arguido pudesse ter tido a oportunidade de informar o Tribunal que o contacto com esses dois contribuintes ocorreu no período do estado de calamidade e no estado de emergência (bastava estar atento às datas das chamadas telefónicas) em que o contacto com o contribuinte tinha obrigatoriamente de ser à distância.

Assim, XXXIII.

Da leitura do artigo 141º do Código de Processo Penal retira-se que o juiz deve, em regra e como princípio, dar conhecimento ao arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e nos quais se baseia para aplicar uma medida de coação.

XXXIV.

Pelo que, se verificou uma violação do direito de defesa do arguido e do dever que obriga o juiz de instrução a indicar os motivos concretos da detenção, a comunicar e expor-lhes os factos e as provas que a fundamentam, de forma a que qualquer inocente se possa...

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