Acórdão nº 138/06.0BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Massa Insolvente da P... – P...

, Sociedade em liquidação – cfr. fls. 141 a 144 – ref. SITAF -, intentou ação administrativa, contra o Município de Moura, pedindo a condenação deste a pagar a quantia total de €35.112,33, a que correspondem €27.768,94, referente aos juros de mora devidos por atraso no pagamento dos trabalhos executados e €7.343,39, a título de indemnização pelo não pagamento dos juros de mora vencidos, acrescidos dos juros vincendos até efetivo pagamento.

Por sentença de 19.05.2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, foi julgada procedente a ação e, em consequência, condenado o R. a pagar à A. a quantia total reclamada, acrescida dos juros vincendos até efetivo pagamento.

Não se conformando, veio o R., ora Recorrente, interpor recurso, concluindo da seguinte forma: «(…) 1) No entendimento do R., ora recorrente, o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso, em concreto, do regime jurídico da cessão de créditos.

2) Entre a A., ora recorrida, e H... Portuguesa, S.A., foi firmado, em 07/09/1998, um acordo que consubstancia o que se pode denominar contrato de factoring ou de cessão financeira.

3) Esse tipo contratual é geralmente utilizado pelos bancos e empresas do sistema financeiro, na sua qualidade de factores, com a finalidade não só de cobrar uma dívida por outro, mas também para garantir a operação de financiamento através do pagamento antes do vencimento dos instrumentos creditícios adquiridos pelo factor, podendo, em consequência, ser qualificado como um contrato financeiro.

4) Nos termos do disposto no art. 7° do Decreto-Lei 171/95, de 18 de Julho, o contrato de factoring tem de ser celebrado por escrito, devendo ser acompanhado pelas correspondentes facturas ou documentos equivalentes; só produzindo efeitos em relação aos devedores dos créditos cedidos desde que os mesmos sejam notificados pelo aderente ou pelo factor ou desde que aceitem a respectiva cessão - cfr. art. 583°, n.°1, do CC -.

5) A cessão de créditos constitui o mecanismo operacional do factoring, pelo que lhe é integralmente aplicável o disposto nos artigos 577° e seguintes do Código Civil.

6) Assim, salvo convenção em contrário, a cessão de créditos importa a transmissão para o cessionário das garantias e de outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente - cfr. artigo 582°, n.° 1 do CC-, aí se incluindo os juros respeitantes aos créditos transmitidos.

7) O momento que releva para efeitos da cessão de créditos, nomeadamente quanto à extensão e amplitude da cessão, isto é, à eventual exclusão da transmissão de garantias e de acessórios do crédito por decorrência de convenção nesse sentido, é o momento da contratação, em que se processa a cessão, em que é firmado o contrato escrito e assim balizados os seus termos.

8) Não constando desse documento - contrato de factoring - referência expressa à exclusão das garantias e dos acessórios do crédito, estes transmitem-se com o crédito, isto é, cedido o crédito em factoring, para o cessionário transmite-se também o crédito de juros enquanto acessório do direito principal, se não autonomizado.

9) O que decorre do preceituado no artigo 582°, do Código Civil, dispositivo que reafirma o princípio de que, na falta de convenção em contrário, "accessorium sequitur principale".

10) O contrato de empreitada de obra pública ajustado entre o R. recorrente e a A. recorrida mostra-se datado de 12/06/2001, enquanto que o contrato de factoring firmado entre a A. recorrida e H... Portuguesa é de 07/09/1998, tendo sido objecto de um aditamento em 2006.

11) Daí decorre que, contrariamente à pretensão da A. recorrida, a emissão, em 2003, da nota de débito por juros de mora por atraso no pagamento de faturas que efectuou - causa de pedir dos autos - não tem a virtude de atribuir qualquer autonomia a esses juros de mora, pois que estes (acessórios do crédito principal), vencidos na pendência do contrato de factoring, sempre teriam sido transferidos para o factor H... na decorrência do contrato firmado em 1998.

12) De facto, a autonomia que releva é a detectada ao momento da transmissão da dívida de capital.

13) Se porventura o crédito de juros adquire autonomia quando já transmitido o crédito de capital, ela não desdiz da nova titularidade.

14) Não dispunha a A. recorrida de legimitidade (substantiva) para proceder à emissão da nota de débito nem muito menos de reclamar o seu pagamento junto do R. recorrido.

15) Em 1998 a A. recorrida (aderente) e H... Portuguesa SA (factor) dispunham da plena faculdade de convencionar no sentido de excluir a transmissão dos acessórios/juros, o que não fizeram, conforme dá nota o contrato.

16) Contrato do qual resulta, por sinal, convenção de exclusão de alguns créditos - cfr. clausula XI -.

17) E por assim ter ocorrido, transmitiram-se para o cessionário/factor, as garantias e outros acessórios, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, nomeadamente o direito de crédito por juros, nos termos do n.°1 do art. 587° do Código Civil.

Não se entendendo assim, adianta-se que, 18) A A. recorrida não comunicou ao R. recorrente a exclusão do crédito de juros do âmbito do contrato de factoring, pelo que deverá tal crédito ter-se por transmitido ao factor.

19) Como se sabe, a cessão de créditos produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, mas apenas nos precisos termos da notificação - cfr. art.583°, n.° 1 do CC.

20) Ora, conforme não desmentem os autos - cfr. factualismo provado e não provado - não resulta que o R. recorrente tenha sido notificado do clausulado do aditamento ao contrato de factoring celebrado entre a recorrida e H... Portuguesa - ónus de prova a cargo do A. recorrido, - pelo que as cláusulas constantes daquele contrato não lhe podem ser oponíveis.

21) Em síntese, impõe-se concluir que não existe convenção válida e oponível ao R. recorrente ínsita ao contrato de factoring firmado entre a A. recorrida e H... Portuguesa, S.A., no sentido de os acessórios dos créditos cedidos permanecerem na titularidade da A. recorrida, pelo que se transmitiram para o cessionário/factor H....

22) Em conformidade, à A. recorrida não assiste o direito a exigir juros do R. recorrente.

23) Nestes termos, e por força de se considerar que o direito aos juros, enquanto acessório dos créditos cedidos, se transmitiu ao cessionário/factor H..., não sendo possível apurar qualquer convenção válida em contrário, terá de improceder a pretensão da A. recorrida.

24) Impondo-se concluir que o aditamento ao contrato de factoring celebrado em 2006/03/13 entre a A. e a H... PORTUGUESA, S.A., foi efectivamente forjado para criar uma aparência de um direito que a A. não possuía, o direito aos juros de mora referentes às faturas identificadas nos autos. (…)» Contra-alegou a A., ora Recorrida, tendo concluído como se segue: «(…) 1. Os factos provados na sentença recorrida não foram objecto do recurso, estando por isso definitivamente fixados.

  1. Atendendo aos factos provados, especialmente o S), e ao ponto 3 dos factos não provados, é claro que o aditamento ao contrato de factoring não foi forjado, improcedendo, por isso, a conclusão 24).

  2. O contrato de factoring tem sido definido na doutrina como "o contrato pelo qual uma entidade - o cliente ou aderente - cede a outra - o cessionário financeiro ou o factor - os seus créditos sobre um terceiro - o devedor ou debitor - mediante uma remuneração", destacando-se a sua vertente de financiamento do aderente.

  3. Em especial, no factoring impróprio não há uma verdadeira cessão de créditos porque o factor não assume o risco de incumprimento do devedor; ele será, antes, um mútuo com restituição atípica ou um mandato.

  4. A dimensão de mandato do factoring é ainda patente no factoring selectivo, no qual o factor tem a faculdade de aprovar as facturas a pagar, remetendo as demais para boa cobrança, actuando então como simples mandatário do aderente e não como cessionário.

  5. O factoring pode ser aberto e, nessa medida, pressupor a notificação do devedor da sua celebração.

  6. Neste caso, pode suscitar-se a aplicação, ao factoring, do regime da cessão de créditos civil, mas desde que ele seja compatível com o seu regime jurídico daquele e subordinado à vontade contratual das partes no contrato de factoring.

  7. Consequentemente, antes de mais, o contrato de factoring dos autos deve ser interpretado à luz dos artigos 236° e ss. do Código Civil e do princípio da autonomia privada e será do resultado dessa interpretação que se poderá concluir se, no caso, houve ou não transmissão, para o factor, dos juros de mora vencidos ou vincendos sobre as facturas dele objecto.

  8. A partir das disposições contratuais do contrato de factoring inicial dos autos, é possível concluir que ele é um factoring impróprio e selectivo, sendo, assim, um mútuo com restituição atípica, para financiamento, ou um mandato, para cobrança, e não uma verdadeira cessão de créditos.

  9. Além disso, a função indemnização e remuneratória dos juros de mora, prevista na lei, foi substituída, no contrato, por uma remuneração específica ao factor e pela manutenção dos riscos de mora e incumprimento definitivo do devedor, com garantia para o factor, no aderente Autor.

  10. Depois, um factor experiente, como o dos autos, previu, nele, uma minuta de comunicação ao devedor sem menção à cessão de juros de mora, o que teria feito se os juros também lhe tivessem sido cedidos.

  11. Por outro lado, aderente e factor modificaram em 2006 o contrato de factoring, tal como o artigo 406° do Código Civil lhes permite, aí estipulando expressamente que desde o início da produção de efeitos do contrato o aderente (Autor) é o titular dos juros de mora, vencidos ou vincendos, relativos às facturas objecto do factoring, tendo presente, precisamente, as disposições contratuais acima referidas.

  12. E, no...

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