Acórdão nº 3098/19.4T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTERESA SÁ LOPES
Data da Resolução23 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 3098/19.4T8MTS.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1 Recorrente B… Recorrida Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: António Luís Carvalhão 2ºAdjunto: Domingos Morais 1.Relatório: B…, intentou a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “C…, SA”, peticionando que seja reconhecida justa causa à resolução do seu contrato de trabalho, sendo a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de €11.610,00, acrescida dos créditos mencionados no artigo 33º da petição inicial e dos legais juros de mora.

Alegou ter sido admitido pela ré a 01/12/2007, para exercer funções inerentes à categoria de motorista, em regime de Agente Único, mediante uma retribuição que, à data da cessação do vínculo, ascendia a € 645,00 mensais.

Defendeu não ter sido informado da criação da empresa “D…, Lda.” (na qual a Ré detém 49% e a empresa “E…” os restantes 51%), o que impediu que exercesse o seu direito de oposição, consagrado no artigo 286º-A do Código do Trabalho.

Não aceitando a nova política de organização do trabalho e considerando que a sua não audição constitui violação do dever de urbanidade e probidade com que devia ter sido tratado, resolveu o seu contrato de trabalho, invocando para o efeito justa causa.

Reclamou o pagamento da competente indemnização, bem como dos proporcionais dos subsídios de Natal, férias e subsídio de férias e, ainda, do valor da formação obrigatória não ministrada, o que equivale a 35h por cada ano.

Indicou o valor de € 11.616,00.

Em 12.06.2019, o Autor foi convidado a apresentar nova petição inicia.

Em resposta a tal convite o Autor apresentou novo articulado.

Designado dia para realização de audiência de partes, não foi possível a conciliação.

Regularmente citada, veio a Ré deduzir contestação alegando, para tanto, não reconhecer justa causa à resolução apresentada pelo Autor.

Aduziu para tal que apesar de admitir que o Autor não foi informado da criação da “D…, Lda.”, não teria de o ser, já que não ocorreu qualquer transmissão da titularidade da Ré ou dos contratos de trabalho (continuando o Autor a ser trabalhador da mesma).

Impugnou igualmente os créditos reclamados, tanto mais que o Autor esteve de baixa médica entre 26/09/2016 e o fim do contrato.

Concluiu, pedindo a improcedência integral da ação.

Foi proferido despacho saneador, não tendo sido fixada base instrutória.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento.

Em 06.11.2019, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolve-se a ré dos pedidos contra a mesma formulados.

Valor da ação: o da PI.

Custas pelo autor – art. 527º do CPC”.

Inconformado com essa decisão, o Autor apresentou recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: “1. O recorrente pretende clarificar todo a situação jurídica que envolve a nova empresa D…, Lda., e que a Ré sempre tratou defender, na sua contestação, de que apenas e só passou a participar no capital de uma nova empresa, tendo em momento algum negado expressamente que houve de facto uma nova política de organização de trabalho.

  1. Não foi dada a oportunidade de invocar a justa causa, porque o recorrente nem sequer foi informado nos termos do direito à informação nos termos do art.º 286º do CT, 3. Aliás, a própria entidade patronal assumiu que não informou porque não existiu qualquer alteração (!); 4. Ou seja, existe fundamento para resolução por justa causa nos termos peticionados pelo Autor/Recorrente, porque estava de baixa médica, não foi informado por uma simples carta registada com aviso de receção, ou sequer existiu o cuidado de realizar um simples telefonema a informar (e quando tentou telefonar, nem sequer atenderam por telefone o recorrente), tal como exposto no art.º 12º da p.i.

  2. O Recorrente lamenta não só a falha do tratamento jurídico da questão, mas sobretudo ao procedimento da entidade patronal no caso em apreço, sendo óbvia a violação do dever de respeito por parte da entidade patronal nos moldes previstos no art.º 127º nº 1 do CT.

  3. É proibido à Ré “opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício”. A Ré/Recorrida não cumpriu uma garantia estabelecida por uma norma imperativa, impedindo o direito de oposição do trabalhador (e possibilidade de apresentar justa causa) de acordo com o art.º286º-A do CT.

  4. Independentemente da ideologia política, da filosofia ou de outras conceções pessoais, o julgador da primeira instância está vinculado ao princípio da legalidade, pelo que a argumentação que consta na sentença, nomeadamente a jurisprudência invocada está desajustada, salvo devido respeito, e não se foca neste caso concreto, em que está em causa um direito ex novo, na redação dada pela Lei nº 14/2018, de 19-03.

  5. Independentemente do fundamento supra exposto, existe outro fundamento para o reconhecimento da justa causa, que é a violação do dever de respeito por parte da entidade patronal. Tal dever é o primeiro dos deveres anunciados no art.º 127º (Deveres do Empregador), sendo que com a redação dada pela Lei nº 93/2019, de 04-09, sendo a mens legis reforçar o sentido e alcance do dever de respeito.

  6. A violação do dever de respeito, per si, é um fundamento para resolução por justa causa por iniciativa do trabalhar, e a petição inicial refere esta questão, e constata-se que a sentença da primeira instância omite esta situação, que é factual. A Ré nem sequer um telefonema ou carta registada enviou ao recorrente para informar da mudança que ocorreu, tendo tido conhecimento pelos órgãos de comunicação social que constam nos presentes autos, tendo algumas das notícias sido juntas na p.i.

  7. O recorrente está numa situação de emergência social, auferindo um subsídio de desemprego de aproximadamente 400,00€, sendo que se não for reconhecida a justa causa, por qualquer dos fundamentos invocados na p.i., ainda terá que devolver o que recebeu da Segurança Social, o que além de injusto, seria iníquo e desumano, pelo que o recorrente acredita que será realizada justiça na segunda instância.

  8. Tendo em conta os articulados que constam nos autos do processo, e a matéria exposta nas presentes alegações, o recorrente vem apelar que seja alterado o teor da sentença, e dar como procedente o pedido formulado na petição inicial”.

    A recorrida, não apresentou contra-alegações.

    Os autos, uma vez chegados a esta Relação foram presentes ao digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 87º, nº3, do Código de Processo do Trabalho, o qual emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Objeto do recurso: - Existência ou não de justa causa para o Autor resolver o contrato de trabalho; - Em caso de resposta afirmativa, determinar quais os direitos que assistem ao Autor.

  9. Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto: 2.1.1. Factos provados: Foi esta a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo: “1. Por acordo reduzido a escrito no dia 01/12/2007, denominado contrato de trabalho a termo certo, o autor foi admitido para exercer funções inerentes à categoria profissional de motorista, em regime de Agente Único, sob as ordens, direção e fiscalização da ré, mediante uma remuneração mensal de 580,79€ – cfr. doc. de fls. 69.

  10. Por carta registada com a/r, datada de 17/05/2019, o autor resolveu o respetivo contrato de trabalho, com efeitos imediatos, com os seguintes fundamentos: “(…) Nos termos do disposto nos artigos 286º, 286º-A, 394º n.º 3 d), 396º n.º 5, (…) vem comunicar a imediata resolução com justa causa do contrato de trabalho (…) pelos seguintes motivos: 1º O trabalhador está de baixa médica, e só agora teve conhecimento das alterações ocorridas que envolvem a entidade patronal, e a nova política de organização do trabalho; 2º Atualmente a entidade patronal tem a designação de “F…”, e resulta criação de uma nova sociedade comercial designada D…, com uma quota de 51% do grupo E… e outra 49% pela C…; 3º O...

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