Acórdão nº 27/20.6GBALM-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1.

Após primeiro interrogatório judicial, foi imposta ao arguido Q. , melhor identificado nos autos, a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho de 6 de Agosto de 2020.

  1. Recorreu o referido arguido, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição das conclusões): 1- O arguido foi detido e alvo de busca imediata: não lhe foi de imediato nomeado advogado nem explicitado em concreto o direito a defesa: o arguido é de nacionalidade Chinesa mas as autoridades policiais não o informaram, logo no momento inicial da abordagem, que tinha direito a ser assistido por advogado, o que traduz violação do art. 6.º- 1 e 3 da Convenção Europeia dos Direitos Homem; neste sentido o “affaire RODIONOV contra Rússia”, processo 9106/09 publicado em http//hudoc.echr.coe.int.

    2- O arguido foi alvo de busca e apreensão e interveio no acto; não lhe nomearam intérprete pelo que todo o processado é nulo e de nenhum efeito, o que deve ser declarado de imediato. A nulidade da busca gera a nulidade da apreensão e actos subsequentes face à manifesta violação dos arts 6.º da Convenção Furopcia dos Direitos do Homem, 32.º da nossa Lei Fundamental, 174.º e 92.º-2 do Cod. Proc. Penal: os Mandados deveriam ter sido exibidos ao suspeito arguido antes da busca, traduzidos em Mandarim e explicado o respectivo teor; nada disto ocorreu pelo que os Mandados de busca e apreensão são nulos: cfr. acordão da Relação do Porto: proc. 256/16.7PAPVZ-B.Pl: É nula a busca domiciliária realizada em casa habitada por estrangeiro que não conhece nem domina a língua portuguesa, não lhe tendo sido nomeado intérprete, nem a autorização assinada se mostra traduzida para a sua língua natal in dgsipt 3- O Despacho violou os Princípios da Liberdade, da Mínima intervenção possível, da Proporcionalidade, da Substanciação e deve ser revogado; o Princípio da substanciação impõe a indicação especificada dos factos constitutivos – A. Reis, CPC Anotado, vol. II. p. 356 Manuel Andrade, ob. cit.. p. 297, Castro Mendes, Manual de Processo Civil. p. 299 e A. Varela Manual de Civil, p. 692 ; Menezes Cordeiro. Direitos Reais. 1979. 11; pág. 84 e Anselmo d

  2. O arguido está retido numa cela fria e húmida de 7 m2, sem ventilação, sem condições físicas e anímicas, sem higiene, com mais 3 reclusos; constata-se sobrelotação prisional no EPL; nas últimas semana a cela foi invadida por pulgas que atacaram o arguido e lhe provocaram comichão; a alimentação é péssima; o orçamento do Governo de Portugal é de 1,29 € por dia para as 3 refeições de cada recluso. Portugal foi condenado pela Cour Européenne no “affaire PETRESCU contra Portugal” . processo 23190/17 face às péssimas condições prisionais: art.º 3.º da Convenção Europeia; em 4-9-2020 foi transferido, abruptamente, numa carrinha celular minúscula, algemado, para o EP Montijo.

    5- Consta do despacho que se verificam os pericula libertatis, sem especificação como impõe o art. 204.º do CPP o que traduz nulidade; o perigo de obstruir o bom desenrolar do processo penal não pode ser invocado em abstracto pelas Autoridades, deve ser baseado em provas factuais concretas; o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já declarou por várias vezes que cabe aos órgãos jurisdicionais motivar de forma concreta, com base em factos relevantes, as razões pelas quais a Lei e a Ordem são realmente ameaçadas sob pena de violação dos Princípios da Liberdade e do respeito por tratados internacionais, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, art.s 5,º, o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, 9.º e 204.º do CPP, o que deve ser declarado; 6- Portugal foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no Acórdão 69861/11 - publicado no site de apoio à Procuradoria Geral da Republica:www.gddc.pt e em http$://hudoc.cchr.coe.int , notificado à Exma Senhora Procuradora Geral da República de Portugal em 5-11-2015 que de conhecimento oficioso: na aplicação da prisão preventiva estão vedados “argumentos estereotipados” em desconformidade com o art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; não há lugar a “cripto-argumentos” aplicáveis mutatis mutandis a “N” arguidos na Justiça Portuguesa: publicado vidé ainda “CALMNOVICI contra Roménia”, de 1-7-2008, http//direitoshumanos.gddc.pt, de conhecimento oficioso.

    7- No Despacho de 7-8-2020 os "termos estereotipados” são evidentes! constata-se EM CONCRETO que o arguido reside em Portugal há 20 anos; tem paradeiro certo conhecido dos OPC; tem apoio familiar, é empreiteiro; padece de angústia e depressão; nasceu cm 3-4-1972, está retido numa cela fria e húmida de 7 m2sem ventilação, vegeta no cárcere sem condições físicas e anímicas, sem dignidade e sem higiene, não há distanciamento social; na cela tem mais um recluso; nos corredores do EPL apinham-se dezenas de reclusos sen distanciamento social; constata-se sobrelotação prisional ao EPPJ.: a alimentação é péssima insuficiente e sem qualidade; o orçamento do Governo de Portugal é de 1.29€ por dia para a 3 refeições de cada recluso, padece de doença cardíaca, estomago e pulmões; corre o risco de INFECÇÃO; muitos reclusos são seropositivos; corre risco real e concreto de VIDA por infecção pelo CORONA VIRUS- COVID 19 !! inexistem em concreto os pericula libertatis...

    8- O Despacho não é compatível com os arts. 204° CPP e 5°-3 da C.E.D.H.!! condições prisionais violam o art° 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - urge ordenar o mais urgente possível a feitura do Relatório junto da DGRSP e o arguido mantido na residência sob vigilância electrónica, ao abrigo dos artigos 201°. 204º do CPP 1.º 28º e 32º da Lei Fundamental, 5º- 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do acórdão desta Veneranda Relação de Lisboa de 11-2-2009 -proc 11271/2008 Relalor Senhor Juiz Desembargador Carlos Almeida e da MOÇÃO publicada na REVISTA MNISTÉRIO PÚBLICO representativa dos desígnios da LIBERDADE: "II) a prisão deve ser uma solução de último recurso. É portanto necessário pôr termo ao abuso da prisão preventiva; in REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Ano 8.º - Abril 1987, n.º30, pág. 179-181.

  3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, no sentido de que o recurso não merece provimento, concluindo (transcrição das conclusões): 1) A lei processual penal não faz depender a validade da revista, da busca ou da apreensão da comunicação a um visado (suspeito ou denunciado) de que tem direito de acesso imediato a advogado; a obrigatoriedade de assistência por defensor está prevista para quem assuma a qualidade de arguido, e não para um suspeito, conforme artigo 64.° do Código de Processo Penal, qualidade que o recorrente não assumia quando foi abordado e feita a apreensão.

    2) O recorrente Q. foi detido, ato contínuo constituído arguido e consequentemente informado de que lhe assistia o direito a constituir advogado ou a solicitar a nomeação de defensor, tendo procedido a constituição de mandatário, o que demonstra o cumprimento de todas as prerrogativas legais no que respeita a assistência por defensor.

    3) Tratando-se, como no caso dos autos, de mandados de busca emanados de autoridade judiciária, não é legalmente exigível a tradução dos mandados, nem a presença de intérprete, ainda que os visados sejam cidadãos estrangeiros.

    4) De todo o modo, o arguido e recorrente Q. não foi interveniente nas diligências de busca (residência e armazém), não foi reclamada a sua presença (nomeadamente pelo seu cônjuge ou pelo seu filho no que respeita à sua residência), nem tinha que ser, por se tratar de ato processual independente da sua vontade e da sua presença.

    5) A cópia dos mandados de busca foi entregue a quem, em cada um dos casos, tinha a disponibilidade do espaço (residência e armazém), não se suscitando então, nem posteriormente, qualquer questão atinente à compreensão do sentido e do alcance das diligências pelas pessoas presentes (embora também de nacionalidade chinesa), mostrando-se respeitadas todas as formalidades legais que presidem ao cumprimento dos mandados de busca.

    6) A aplicação da medida de coação de prisão preventiva foi fundamentada e tal medida mostra-se necessária e adequada às exigências cautelares que se impõem e proporcional à gravidade do ilícito criminal indiciado, bem como à pena previsivelmente a aplicar ao arguido.

    7) A medida de coação de obrigação de permanência na habitação não se mostra, em concreto, adequada às exigências cautelares que o caso requer, na medida em que não obsta à continuação da atividade de tráfico.

    8) Mostram-se verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, que, por isso, se deve manter (artigos 191.°, n.° 1, 193.°, n.°s 1 e 2, 202.°, n.° 1, alíneas a) e c), e 204.°, alínea c), do Código de Processo Penal).

  4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se no sentido de que o recurso não deve ser provido.

  5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões a apreciar e decidir: - da nulidade da busca e apreensão e dos atinentes mandados por alegada falta de nomeação de advogado e explicitação em concreto do direito ao mesmo, e bem assim por...

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