Acórdão nº 923/16.5YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ABREU |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.
A Requerente/GoPro Inc. titular de diversas marcas registadas que gozam de enorme notoriedade e prestígio no mercado dos produtos que assinalam, bem como, nomes de domínio, com a expressão “GoPro”, tendo conhecimento do registo de nome de domínio gopro.pt em Portugal, cujo titular é o Requerido/AA, e que o referido nome de domínio está redirecionado para a página http://www.sony.ptlelectronics/actioncam/fdr-x1000v-body-kit (website da Sony), na qual é exibida uma câmara fotográfica digital “Action Cam XI000V / XI000VR 4K com Wi-Fi® e GPS”, bem como a respetiva descrição das suas funcionalidades, acessórios e especificações, entende que tal registo de nome de domínio viola o disposto na alínea c) do número 1 do art.º 9° das Regras de Registo de Nomes de Domínio de .PT (2014), isto é, que o nome de domínio não pode “corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente, por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem”, a par de que o n.º 3 do mesmo preceito legal ao dispor que “o titular de um nome de domínio de .pt garante que o nome registado e a sua titularidade não colidem com direitos constituídos de terceiros”, importa reconhecer que o nome de domínio “gopro.pt” corresponde a um nome que induz em erro ou confusão os consumidores sobre a sua titularidade, pois incorpora o sinal distintivo “gopro” e a marca registada “GoPro” da Requerente, que se encontra também associada ao nome de domínio da Requerente (www.gopro.com), daí que impetrou junto do Tribunal Arbitral a resolução do conflito criado com o registo de nome de domínio gopro.pt em Portugal.
Entende, assim, a Requerente/GoPro Inc. que o registo do nome de domínio “gopro.pt” pelo Requerido/AA, e a sua posterior actuação ao redirecionar o website para o website de um concorrente da Requerente e ao tentar vender o registo ao Requerente por um valor exorbitante, constituem um acto de concorrência desleal, contrários às normas e usos honestos da atividade económica, por o mesmo ser susceptível de criar confusão com as marcas da ora Requerente, donde, por se encontrarem preenchidos os respetivos requisitos do art.º 43° das Regras de Registo de Nomes de Domínio de .PT (2014), veio a Requerente/GoPro Inc. pedir ao Tribunal Arbitral (i) a condenação do Requerido à perda do direito de uso do nome de domínio gopro.pt; (ii) que ordene a transferência da titularidade do nome de domínio gopro.pt para a Requerente e (iii) que condene o Requerido no pagamento da totalidade dos encargos da Acção Arbitral.
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Foi proferida decisão arbitral que julgou a acção inteiramente procedente, condenando o Requerido/AA no peticionado.
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Inconformado, intentou o Requerido/AA, no Tribunal da Relação de …, acção de anulação da decisão arbitral, pedindo, na sua procedência, que a sentença arbitral proferida no “ARBITRARE”, relativamente ao litígio que o opõe à Requerente/GoPro Inc., seja anulada.
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Depois de vicissitudes várias, com que as partes se conformaram, foi proferida decisão singular nos termos do art.º 656° do Código de Processo Civil, onde o Tribunal a quo concluiu pela competência do Tribunal Arbitral, improcedendo a impugnação suscitada pelo Requerido/AA, traduzida na invocada nulidade da sentença arbitral proferida.
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Irresignado, o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral, reclamou para a Conferência, tendo sido prolatado acórdão que mantendo a decisão singular, concluiu pela competência do Tribunal Arbitral, improcedendo a impugnação suscitada pelo Requerido/AA.
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Novamente inconformado, o Requerido/AA, demandante na acção de anulação da decisão arbitral interpôs recurso, aduzindo as seguintes conclusões: “A. O Recorrente contratou com a empresa Trignosfera a aquisição de um nome de domínio. Tanto na formação como na execução desse contrato nunca foi dado conhecimento ao Recorrente de uma eventual celebração de convenção de arbitragem.
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No entanto, em 2015 o Recorrente foi citado relativamente ao início de um processo arbitral no centro de arbitragem institucional ARBITRARE, tendo sido proferida sentença arbitral, impugnada neste processo.
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Devido à natureza voluntária da arbitragem não é possível, na ausência de qualquer manifestação de vontade (expressa ou tácita) da parte do Recorrente, existir uma sentença arbitral que o vincule.
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Admitem-se duas qualificações para o contrato celebrado entre o Recorrente e a empresa Trignosfera: a) compra e venda (a sociedade Trignosfera adquiriu o domínio para revenda) ou b) prestação de serviços.
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Seja qual for a qualificação adoptada, nunca se poderá entender que Recorrente está vinculado a uma convenção arbitral.
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Se se tratar de uma revenda – qualificação mais conforme com os elementos probatórios – uma eventual aceitação de uma convenção de arbitragem pela Trignosfera no primeiro negócio (celebrado com a FCN) não vincula o Recorrente que, além do mais, nunca teve conhecimento dos termos desse negócio. Assim decorre do princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406.º/2 do CC).
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Se a qualificação for de prestação de serviços, sujeita às regras do mandato (ex vi art. 1156.º do CC), o resultado não é diferente.
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Como explica RAÚL VENTURA, “Convenção de Arbitragem”, Revista da Ordem dos Advogados, 1986, pp. 309-310: “Nos termos do art. 1159.º, n.º 1, do C.C. o mandato geral só compreende os actos de administração ordinária. (...), a celebração da convenção de arbitragem não é um acto de administração ordinária e, portanto, essa faculdade deve ser conferida especialmente ao mandatário (...). Tratando-se de mandato especial, a convenção de arbitragem não pode ser considerada «acto necessário à sua execução», que, por força do art. 1159.º, n.º 2, do C.C., seja abrangido naquele; terá, pois, de ser especificada na procuração.”.
I. O que não ocorreu.
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Da existência de um contrato de mandato não decorre necessariamente a existência de representação e nunca foi emitida qualquer procuração, nem existe outro instrumento de representação.
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Sem vontade negocial - o Recorrente nunca quis atribuir poderes de representação à empresa Trignosfera - não pode haver representação voluntária.
L. E, sem representação não pode haver abuso de representação.
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A considerar-se que a celebração de uma convenção de arbitragem por parte da Trignosfera foi feita “em nome” do Recorrente, - o que não se provou, - estaremos perante uma representação sem poderes, logo ineficaz (art. 268.º do CC).
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Além disso, estando em causa a celebração de uma convenção de arbitragem, sujeita às exigências do art. 2.º da LAV, a procuração sempre estaria sujeita a iguais exigências, sob pena de nulidade (art. 262.º/2 do CC).
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Ora, o contrato celebrado com a Trignosfera, através de um click e sem ser facultada cópia em suporte permanente, não oferece as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação exigidas pelo art. 2.º da LAV, nunca podendo, por isso, conter a uma convenção arbitral válida (arts. 220.º do CC e 3.º da LAV).
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Pelo exposto fica clara a ausência de competência do Tribunal Arbitral, devendo anular-se a sentença proferida por este.
O douto acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 1.º, 2.º, 3.º, 36.º e 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, 220.º, 246.º, 262.º, 268.º, 269.º, 405.º, 406.º e 1159.º do Código Civil e 31.º do Decreto-Lei 7/2004, de 7 de Janeiro.
Revogando-o, pois, e substituindo-o por outro que anule a sentença arbitral nos termos peticionados, far-se-á JUSTIÇA”.
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A Requerente/GoPro Inc., demandada da acção de anulação da decisão arbitral, apresentou contra-alegações, enunciando as conclusões que se seguem: “I. O contrato celebrado entre o Recorrente e a Trignosfera é um contrato de prestação de serviços e não um contrato de compra e venda, logo, são de afastar todas as considerações que constam das alegações de recurso sobre a qualificação da relação contratual como sendo uma compra e venda.
II. Na verdade, conforme consta dos factos provados constantes do acórdão recorrido, o Recorrente contratou a Trignosfera para que esta procedesse, nomeadamente, ao registo do nome de domínio em nome daquela.
III. Nomeadamente, atente-se aos factos provados n.ºs 1, 2 e 3 (onde se refere que o Recorrente submeteu o pedido de registo do nome de domínio; que para o efeito solicitou os serviços da empresa Trignosfera e que as regras gerais do contrato referem expressamente uma prestação de serviços pela Trignosfera ao subscritor do serviço, o Recorrente).
IV. Não existe aqui obviamente nenhum ato de compra e venda. Pela mera leitura do contrato junto como documento nº 4 da Petição Inicial, retira-se com facilidade que estamos perante uma prestação de serviços, através da qual a Trignosfera se obrigava a registar um nome de domínio a favor do Recorrente, após ter sido contratada por esta última (sendo aliás muito sintomático que o Recorrente comece as suas conclusões de recurso por afirmar que “O Recorrente contratou com a empresa Trignosfera a aquisição de um nome de domínio”).
V. A tese de que a Trignosfera adquiriu para si o nome de domínio para depois o transmitir para o Recorrente (como se estivéssemos perante um ato de revenda não tem qualquer suporte factual, antes pelo contrário, vide factos provados nºs 1, 2 e 3).
VI. Aqui chegados, o Recorrente, nas suas alegações, vem estranhamente invocar a falta de vontade negocial e a falta de representação voluntária bem como que “A empresa Trignosfera nunca foi incumbida de atuar em nome do Recorrente”.
VII. Salvo o devido respeito, estamos no verdadeiro campo do absurdo, na medida em que o Recorrente sempre alegou que instruiu a Trignosfera...
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