Acórdão nº 4212/18.2T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
AA propôs a presente acção declarativa comum contra Seguradoras Unidas, S. A., pedindo: I. — que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 90 894,20 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, II. — que a Ré seja condenada a pagar-lhe as importâncias a liquidar posteriormente pelos danos que se vierem a verificar em consequência dos factos referidos nos arts. 39º a 44º e 55º e seguintes da petição inicial (p. i.).
2.
Em audiência de julgamento, o Autor declarou reduzir o pedido no valor de 181,25 euros.
3.
O Tribunal de 1.ª instância condenou a Ré a pagar ao Autor I. — as quantidas líquidas: a. — de € 44 631,58 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, a contar da citação, segundo a taxa de 4 % (Portaria n.º 291/03, de 08.4 e art.ºs 804º, 805º, n.ºs 1 e 3 e 806º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), b. — de € 30 500 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à mesma taxa a contar da data da prolação da sentença, II. — as quantias a liquidar, em momento posterior à sentença, a. — a título de indemnização pelos danos futuros de natureza não patrimonial e patrimonial previsíveis relacionáveis com o agravamento futuro das sequelas, e por inerência, do défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica já fixável em 5 pontos; b. — a título de reembolso dos custos suportados pelo A. em deslocações necessárias para tratamento.
4.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.
5.
Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª - Não aceita que se considere que as ajudas de custo e os subsídios de alimentação sejam elementos que devam contribuir para os cálculos de indemnização, não se tratando as mesmas de remunerações encobertas.
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- Esses valores, mormente aquilo que se considerou para efeitos de ajudas de custo, serviam para compensar o A. quando estaria deslocado na República Democrática do Congo e no Alentejo, presença limitada no tempo, nomeadamente até à conclusão dos cerca de 4 000 furos que tinham sido contratados à empresa para a qual o A. laborava e era sócio.
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- O ponto 22 dos factos provados não reflecte o sentido e a globalidade da prova produzida em Audiência de Julgamento e a que foi trazida pelas partes nos articulados.
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- O ponto 20 dos factos provados, referente, inter alia, às conclusões do relatório pericial e no qual se admite a existência de dano futuro não encontra reflexo na prova que directamente lhe dirá mais respeito - o relatório pericial.
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- No que toca ao ponto 20, o que Tribunal deveria ter determinado era se se admite ou não dano futuro e no que toca ao ponto 22, deveria ter dividido os seus termos, dando-se como provados mais factos, complementares ao que se impugna.
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- São meios de prova a considerar para a alteração da matéria de facto: a. Prova documental: Documentos 22 a 27 juntos com a p. i.; Documento “Extracto de Remunerações” anexo ao requerimento apresentado em 21.9.2018 pelo Instituto da Segurança Social, I. P. - Centro Distrital de …; Documentos 1 a 13, referentes a declarações de IRS do A. e mapas de deslocações elaborado pela sociedade BB, Lda., anexos ao requerimento apresentado em 25.9.2018 pelo A.; Documentos 1 a 13, referentes a recibos de vencimento emitidos pela BB, Lda. do A., anexos ao requerimento apresentado em 12.6.2018 pelo A..
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Prova pericial: Relatório pericial (relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil), elaborado em 28.12.2018; c. Prova testemunhal: Depoimento prestado no dia 08.7.2019 pela testemunha CC.
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- No que toca ao ponto 22 dos factos provados, o Tribunal a quo considerou, erradamente, que a quantia paga a título de ajudas de custo deveria ser vista como uma verdadeira retribuição; contudo, não explicou as razões e fundamentos que lhe permitiram chegar a essa conclusão; e, para que juridicamente se possa considerar as ajudas de custo como remuneração e, consequentemente, integrá-las no quantum indemnizatório, é necessário que se conclua, jurídica e factualmente, que de facto a isso correspondem, o que não se pode extrair da prova produzida.
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- Resulta claramente dos documentos “Extracto de Remunerações”, anexo ao requerimento apresentado em 21.9.2018, documentos 1 a 13 do requerimento apresentado em 25.9.2018 e documentos 1 a 13 do requerimento apresentado em 12.6.2018 que tais valores correspondiam, efectivamente, a ajudas de custo.
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- Mesmo que se quisesse, para todos os efeitos, considerar remuneração as ajudas de custo, a verdade é que o depoimento prestado pela testemunha CC atesta que o A. estava na República Democrática do Congo num projecto e era compensado, por cada dia de trabalho que lá estivesse, a uma razão de € 85,50 diários.
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- Esse projecto estava limitado no tempo, até se completar 4 000 furos, o que impede a conclusão de que o A. fosse receber toda a sua vida - ou que fizesse sequer parte invariável da sua retribuição - as quantias recebidas a título de ajudas de custo, da mesma forma que não se possa aceitar qualquer perspectiva ou expectativa que tal viesse a suceder.
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- O que acabou de se alegar - nomeadamente, a limitação no tempo desse projecto - resulta cristalinamente do depoimento da testemunha CC, que afirmou que o A. estava deslocado na República Democrática do Congo, efectivamente, mas no referido projecto: o A. esteve no projecto que estava a decorrer no Congo, durante mais de um ano, iniciado em Outubro de 2013; compreendia a realização de 4 000 furos, terá ficado a meio e não tinha prazo propriamente dito; apenas existia até estarem realizados os furos, e não foi concluído por razões de força maior; estiveram na República Democrática do Congo «até ao final do ano seguinte».
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- Atendendo, assim, à globalidade da prova produzida, não é admissível que se considere tais valores como remuneração.
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- No que toca ao ponto 20 dos factos provados, o Tribunal não poderia dar como provado a previsibilidade do dano futuro, na medida em que o mesmo ou vai existir ou não -algo que, efectivamente, não foi comprovado pelo relatório pericial.
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- Destarte, o ponto 20 passa a ter a seguinte redação: 20. A evolução das lesões decorrentes do acidente de viação até à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. fixável em 05/9/2017 demandaram-lhe um défice funcional temporário de 25 dias, que se terá situado entre 29/12/2016 e 16/01/2017 e 15/3, e 20/3/2017, acrescidos de 8 dias para eventual cirurgia de extracção do material osteossíntese, e um défice funcional, e à data da consolidação médico-legal de tais lesões, advieram ao A. como sequelas definitivas e permanentes, a saber: Membro inferior direito: duas cicatrizes nacaradas, quase inaparentes, no terço por 0,5 cm de largura e a menor medindo 0,3 cm de diâmetro; duas cicatrizes nacaradas de características operatórias, longitudinais uma em cada região maleolar, a maior, medial, medindo 4,5 cm de comprimento, e a menor, lateral, medindo 2 cm de comprimento; cicatriz de características operatórias, linear, longitudinal, na região maleolar lateral, posteriormente, à descrita na mesma localização, medindo 7,5 cm de comprimento; três cicatrizes nacaradas, lineares, na fase medial do pé, a maior medindo 1 cm de comprimento e a menor medindo 0,4 cm de comprimento; amiotrofia da coxa de 2 cm relativamente ao membro contralateral (medindo 10 cm proximamente ao pólo superior da patela); amiotrofia da perna de 2 cm relativamente ao membro contralateral (medindo 10 cm distalmente ao pólo superior da patela), sem encurtamento clínico aparente; rigidez do tornozelo (dorsiflexão 0º, com flexão plantar conservada (30º); ligeiro enfrossamento do tornozelo, sem instabilidades aparentes; movimentos de inversão e eversão simétricos e conservados e claudicação da marcha, sendo que as cicatrizes, amiotrofias e claudicação da marcha implicam um dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente e a rigidez do tornozelo direito com perda de dorsiflexão ao ponto de não poder permanecer muito tempo de pé, demanda ao A. um défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual do A., a saber, sondador ao serviço da sua empresa BB, Lda., da qual é também seu sócio e gerente, mas implicando esforços suplementares.
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- E, ao invés, do ponto 22 passa a constar: 22. À data do acidente de viação, o A. encontrava-se a laborar na República Democrática do Congo num projecto estatal denominado “Água para Todos”.// 23. Ao A. era pago o valor de € 85,50, a título de ajudas de custo, por cada dia que se encontrasse aí deslocado, e à taxa de € 39,12 se estivesse deslocado no Alentejo.// 24. O A. só recebia tais quantias se efectivamente se encontrasse deslocado fora do seu local de trabalho, as quais visavam cobrir as despesas que teria que suportar.// 25. O projecto na República Democrática do Congo estava temporalmente limitado, nomeadamente até à conclusão de 4 000 furos nesse país.// 26. O A. não foi contratado especificamente para a realização desse projecto.
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- As ajudas de custo e os subsídios de alimentação não são considerados remuneração para efeitos do art.º 260º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Código de Trabalho.
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- Face a toda a prova produzida, nomeadamente a variabilidade das quantias, não se pode considerar que correspondam a remuneração; o mesmo se diga a propósito do subsídio de alimentação.
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- Dever-se-á reduzir substancialmente os valores arbitrados a título de indemnização, nomeadamente, apenas se contabilizando as quantias efectivamente auferidas a título de retribuição, ou seja, a quantia de € 813,25, vencimento mensal líquido, a pagar em 14 meses, o que significa que, no limite e de acordo com os critérios aventados na sentença, o A. terá direito à quantia de € 10 000.
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- Já no que toca às...
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