Acórdão nº 674/07.1BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO L…., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao ano de 2002, no valor de €89.818,59.

*** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: I - O dever de notificação dos actos administrativos constante do artigo 268.°, n° 3 da Constituição da República, bem assim o n° 1 do artigo 35° do Código de Procedimento e Processo Tributário, ditam que a notificação sirva efectivamente para dar conhecimento de um acto e não se esgote apenas na sua própria tentativa de feitura e/ou na sua expedição, o que infirma uma perigosa tendência segundo a qual essas tentativas de feitura e/ou expedição, só por si, satisfaria os objectivos constitucionais e legais da dita notificação, independentemente de através dela se efectivar ou não o conhecimento de determinado acto pelo seu destinatário.

II - A alínea DD da matéria assente deverá ter-se por não escrita, pois não é pelos relatórios de inspecção que se aferem os domicílios fiscais dos contribuintes.

III - A alínea EE da matéria de facto assente deverá ter-se por não escrita, porque não estava lá aquando da anterior decisão da Primeira Instância e não era lícito aditá-la, atenta a impossibilidade legal de o Tribunal a quo ampliar agora a matéria de facto, apenas com base num aresto proferido por um Tribunal que não conhece de facto.

IV - Não podia também o Tribunal a quo ter valorado acriticamente o depoimento da terceira testemunha ouvida em sede de audiência de inquirição, sem haver factos assentes a que reportar as suas declarações (cf. artigo 607.°, n° 4 do Código de Processo Civil), primeiro, para se convencer de uma recusa da Impugnante em exibir a sua escrita, depois, para tomar como boa a sugestão de que as Inspectoras se tinham deslocado ao local da sede da Impugnante antes da prevista realização da inspecção que é tema destes autos.

V - Tal valoração acrítica esbarra nas contradições dessas declarações com as próprias precisões que a mesma testemunha fez em sede de contra-instância.

VI - No caso da suposta recusa de exibição da escrita, a mesma não é verosímil, na medida em que não vem alegada na contestação da Fazenda Pública, nomeadamente em 9.º dessa peça processual, mais sendo inelutável que a Administração Tributária não reagiu a essa “recusa” com o mecanismo do artigo 59° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

VI - Aliás, só a conversa telefónica entre terceira testemunha e gerente da Impugnante, sem mais, é que é de aceitar que tenha sucedido porque está corroborada pelo artigo 9.º da contestação da Fazenda Pública, demonstrando tal conversa que o contacto pessoal com os legais representantes da Impugnante, em ordem a notificá-la nos termos legais, era possível.

VII - A primeira deslocação das Inspectoras ao C….., como resulta do esclarecimento prestado em contra-instância pela terceira testemunha inquirida, dá-se só após a saída do relatório final de inspecção, já em sede de tentativa de notificação das liquidações adicionais de IVA, o que — conjugado com os restantes depoimentos testemunhais - demonstra que a notificação pessoal, a 18.9.2006 (cf. D e E da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida) e a 26.9.2006 (cf. F a M dessa matéria), poderia ter sido levada a cabo, cumprindo o formalismo legal.

VIII - O artigo 38.°, n° 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária - que a Administração Tributária desrespeitou, nem sequer tentando a notificação pessoal em nenhuma das passagens do procedimento explanado de D a V da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida - estabelece que a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização da notificação pessoal.

IX - O n° 1 dessa disposição legal não se limita a exprimir uma possibilidade de notificação pessoal, por mor do uso da forma verbal “podem”, pois que a expressão “podem” é utilizada nessa disposição legal também para a notificação postal, e é o n° 2 dessa norma que estabelece a ordem de prioridade entre ambas.

X - A prioridade dada às notificações pessoais não tem uma ratio prática, relacionada com a localização da inspecção nas instalações do sujeito passivo, dado que o contacto pessoal é mais solene do que o envio de uma carta, podendo controlar-se em tempo real que a notificação por ele veiculada é efectivamente levada a cabo; de qualquer maneira, se o que subjazesse à notificação pessoal fossem razões relacionadas com a inspecção ter lugar nas instalações do cliente, então - antes dessa inspecção - sempre teria (como tem) de se começar por essas instalações, aí tentando a notificação e lavrando-se certidão negativa, caso tal notificação não pudesse ser levada a cabo.

XI - A dita norma do artigo 38° também não é exclusivamente dirigida aos serviços, pois que o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária foi aprovado por Decreto-Lei, sendo certo que toda a lei é abstracta e geral e, portanto, não pode ser norma interna.

XII - O n° 1 do artigo 41° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção aplicável em 2006, manda que as notificações de sociedades sejam feitas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar em que se encontrem, nada disto tendo sido feito ou tentado pela Administração Tributária em nenhuma das passagens do procedimento explanado de D a V da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida.

XIII - A Administração Tributária também não tentou, nesse procedimento, a alternativa notificação prevista no n° 2 do mesmo artigo 41°, com as especificidades do artigo 40° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XIV - Faltou, mesmo do exclusivo ponto de vista das notificações postais, a segunda tentativa de notificação na sequência da devolução do primeiro expediente, conforme manda o n° 5 do artigo 39° do Código de Procedimento e Processo Tributário, não havendo lugar - por postergação de todo o formalismo inerente à notificação - ao funcionamento da presunção constante do artigo 43°, n° 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XV - Não foi entregue pessoalmente à Impugnante cópia da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção nem esta foi chamada a assiná-la(o), pela maneira prevista nos n°s. 1 e 2 do artigo 51° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XVI - O aviso para o início da acção inspectiva tem de ser feito pessoalmente e, só na impossibilidade de ser feito pessoalmente, deve ser feito por carta.

XVII - O artigo 49° da Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária não introduz qualquer especificidade relativamente à notificação, pelo que terão de se cumprir as normas expressamente dirigidas a esse acto.

XVIII - O modelo aprovado para a carta aviso respeita ao próprio seu teor e não às formalidades do seu envio, sendo ademais certo que tal carta aviso tem de obrigatoriamente conter um anexo com os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; tal preocupação com dar conhecimento de direitos, deveres e garantias não se compagina com uma notificação feita por carta simples, que não importaria que fosse ou não recebida.

XIX - O acto de inspecção inicia-se com a entrega de uma cópia da ordem de serviço ou despacho ao sujeito passivo ou seu representante, podendo até - caso o legal representante não esteja presente - ser entregue ao seu Técnico Oficial de Contas ou a qualquer empregado ou colaborador presente no local (cfr., a este propósito, o Acórdão da 2a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 5.11.2014, proferido no processo 0914/13, disponível em www.dgsi.pt), pelo que, tendo todo este formalismo sido ilegalmente postergado, impõe-se concluir que o procedimento inspectivo nem sequer se iniciou no caso sub judice.

XX - Por isso, as diversas notificações de que dão conta os factos provados F a N que sustentam a sentença recorrida são todas ilegais, não só porque seguiram por via postal antes da pessoal, a que a lei dá prioridade, mas porque - não se tendo sequer iniciado o procedimento inspectivo externo por falta de cumprimento do formalismo dos n°s. 1 e 2 do artigo 51° do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária - tais actos, inegavelmente actos de inspecção, não podiam sequer ter sido praticados, sendo por isso nulos.

XXI - Não existe qualquer “pressuposto” do sistema donde se extraia que as regras de notificação dos actos só funcionam quando o sujeito passivo se tivesse aprestado a acolher os Inspectores, recebendo ou não a carta-aviso, uma vez que o sujeito passivo não se pode aprestar a receber Inspectores se não recebeu a carta a avisar que eles vinham.

XXII ~ Não pode ser valorada a declaração de uma testemunha que afirma que os sócios da Impugnante o eram também de outra sociedade, que refere ter a mesma sede, uma vez que a existência de uma sociedade e a localização da sua sede se provam por certidão de registo comercial (cf. artigo 75°, n° 1 do respectivo Código e 392° in fine do Código Civil), estando vedada a prova testemunhal a respeito.

XXIII - O projecto de relatório, que em bom rigor, já era nulo, uma vez que a inspecção não podia ter começado, não foi notificado (cf. alíneas O e P da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida), ficando, portanto, a audição prévia postergada, actuação violadora do n° 1 do artigo 60° do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XXIV - O relatório final de inspecção, nulo como é, por estar inquinado do mesmo vício que afectou todos os actos de inspecção relatados nos autos por esta nem sequer se ter iniciado, e não tendo sido também quanto a ele cumpridas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT