Acórdão nº 0879/14.9BEVIS 0377/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 03-01-2018, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou totalmente procedente a oposição à execução fiscal relativa a dívidas de IVA, intentada por A………….

, melhor identificada nos autos, - na qual peticionava a extinção daquela execução fiscal contra si revertida, com fundamento em responsabilidade solidária, por não ter recebido qualquer valor na partilha imediata após dissolução da “B………….., Lda”.

Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo executivo sob o nº. 2526 2014 01028430 no que diz respeito à oponente; b) Está em causa nos presentes autos a responsabilização da oponente nos termos do art.º 147º, nº. 2 do CSC, no sentido de que a oponente é solidariamente e ilimitadamente responsável pelo pagamento das dívidas tributárias da devedora originária B……….. LDA”, NIPC ………….., em razão da “dissolução com partilha imediata” da sociedade; c) Entendeu o decisor, de forma sucinta, que a responsabilidade dos sócios para efeitos do art.º 147º, nº. 2 do CSC é limitada pelo valor global dos bens partilhados, sendo que, no caso dos autos, o valor dos bens a partilhar era nulo; d) Razão porque, não tendo a oponente recebido qualquer valor da sociedade aquando da dissolução com partilha, não pode ser responsabilizada na qualidade de sócia pelo pagamento das dívidas fiscais que ulteriormente vieram a ser liquidadas à sociedade devedora; e) Contudo, salvo melhor posição, não podemos concordar com a interpretação da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC levada a efeito pelo Meritíssimo Juiz para decidir nos termos em que o fez; f) Cabe indagar do alcance da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, com apelo às regras de interpretação das leis, tendo ainda em conta as particularidades dos créditos fiscais; g) Do nosso ponto de vista, o entendimento subscrito pelo decisor não tem apoio na letra da lei, devendo socorrer-nos para o efeito do disposto no art.º 11º da LGT e do art.º 9º do Código Civil, prevendo o seu nº. 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico; h) No caso dos autos, temos que a norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, afirma, de forma clara, directa e expressa que, pelas dívidas de natureza fiscal exigíveis em data posterior à dissolução, são responsáveis todos os sócios, responsabilidade que assumidamente é ilimitada e solidária; i) O que quer dizer que, da letra da lei não se extrai nenhum indício de que o legislador disse menos do que o que pretendia, de forma a que a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios, nas circunstâncias previstas na norma, apenas possa ter aplicação se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados; j) Na missão de reconstituir o pensamento legislativo, o texto da lei constitui o ponto de partida da interpretação, que delimita e afasta os sentidos que não tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa; k) Ora, ressalvada melhor interpretação, não vemos como possa caber no espírito do legislador uma interpretação do art.º 147º, nº. 2 do CSC, que limite a responsabilidade dos sócios apenas se houver partilha de valores para os sócios e até ao valor dos bens partilhados; l) Queremos com isto dizer que a interpretação da norma tal qual foi efectuada pelo douto Tribunal não tem um mínimo de suporte legal, ainda que imperfeitamente expresso, razão porque uma tal interpretação não cabe no espírito do legislador; m) Aqui chegados e porque somos de parecer que, a respeito do previsto no art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador não disse menos do que aquilo que pretendia dizer, então, temos que a norma consagra um regime de responsabilidade dos sócios muito próprio, especial e excecional; n) E a razão de ser da consagração desse especial regime de responsabilidade prende-se com o facto de estarmos perante créditos de natureza tributária; o) Foi o próprio legislador que quis consagrar, no caso de partilha imediata de sociedades comerciais, um regime de responsabilidade dos créditos fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, mais grave do que o que se aplica aos créditos não fiscais, não havendo quaisquer dificuldades de interpretação da norma; p) É que não se pode descurar que estamos perante créditos de natureza e ordem pública (créditos fiscais), cuja arrecadação serve fins de promoção da justiça, da igualdade e da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas; q) Reflexo da importância dos créditos tributários, em função da missão que lhes está cometida, vigora ainda o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, particularidades também aplicáveis apenas aos créditos fiscais; r) O que redunda na conclusão de que, a respeito da norma do art.º 147º, nº. 2 do CSC, o legislador pretendeu nele verter um regime de responsabilidade específico para os créditos de natureza fiscal, regime esse distinto e mais gravoso que o aplicável aos demais créditos, em razão de se tratar de créditos que revestem natureza e ordem pública.

  1. A norma não suscita problemas de interpretação, não podendo aceitar-se a interpretação veiculada pelo julgador porque a mesma não tem no texto legal um mínimo de correspondência verbal.

  2. Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto no art.º 147º, nº. 2 do CSC e art.º 9º e 11º do CC.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julguem improcedentes, por não provados, os vícios imputados ao despacho que sustenta a responsabilidade solidária da oponente, com as legais consequências.” A recorrida não aduziu contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de embora se possa reconhecer razão à recorrente no que respeita ao decidido quanto ao artigo 147.º, n.º 2 do CSC, ainda assim o recurso deve improceder, com a seguinte fundamentação: “Das conclusões de fls. 171 a 173 resulta que se imputa ao decidido erro de julgamento, na interpretação efetuada do art. 147.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), em termos de não ser possível responsabilizar por dívidas fiscais a recorrente, sócia sem recebimento de qualquer valor na partilha imediata após dissolução da B……………, Lda..

A F. P. acaba a pugnar pela improcedência da oposição.

Vejamos.

A oponente apresentou oposição em que invoca falta de notificação do projeto de reversão para exercer direito de audição e não estarem preenchidos os fundamentos da reversão.

Foi no conhecimento desta última questão que se decidiu na sentença proferida, aderindo a posição constante de acórdão do T.C.A. Sul que cita, que a dita disposição restringe a sua aplicação ao valor dos bens partilhados.

No caso, em que se procedeu à liquidação sem que houvesse bens a partilhar, segundo o que foi levado ao registo e ficou a constar na respetiva escritura, foi entendido não ser aplicável o dito art. 147.º n.º 2 do C.S.C..

Crê-se que, de acordo com a própria doutrina que também se cita na dita sentença, visando-se com a disposição em causa evitar que o fisco seja defraudado, não faz sentido adotar tal entendimento.

Por outro lado, foi já decidido também pelo T.C.A. Sul nos seus acórdãos de 27-11-2012 e de 18-9-2014 nos processos n.ºs 05948/12 e 04767/14, que a dita norma adota uma solução de compromisso entre os interesses dos sócios, que pretendem proceder à liquidação de uma sociedade com partilha imediata, e os interesses do fisco, acautelados através da previsão de uma responsabilidade ilimitada e solidária dos respetivos sócios pelas dívidas fiscais posteriormente exigíveis.

Aliás, esta posição jurisprudencial assenta ainda na doutrina de Raul Ventura que cita.

Assim, a interpretação efetuada não pode subsistir, sendo de revogar o decidido.

No entanto, a oponente suscita ainda questão de falta de audição prévia, o que efetuou por referência ao previsto no art. 23.º n.º 4 e 60.º da L.G.T., e de que não se conhecer por ter sido julgada preterida.

Resultam dos autos elementos que permitam que se conheça da mesma em substituição.

Seja como for, é de definir que, tratando-se a responsabilidade da oponente solidária, nos termos do art. 22.º da L.G.T., a reversão tem de garantir o direito de audição prévia em termos semelhantes àqueles que se encontram previstos quanto ao primitivo devedor quer por referência à liquidação, quer à conclusão do relatório de inspeção, conforme previsto no art. 60.º n.º 1 al. a) e) da L.G.T., sendo no dito art. 22.º n.º 4 previsto que “as pessoas solidaria ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a divida cuja responsabilidade lhes for atribuído nos mesmos termos do devedor principal (...)“.

Aliás, quanto aos responsáveis subsidiários tal encontra-se expressamente previsto no art. 23.º n.º 4 da L.G.T., impondo-se a sua aplicação ao presente caso quanto mais não for porque a situação é quanto a tal semelhante.

No sentido de tal preterição provocar a anulação do ato de reversão e da consequente citação foi já decidido pelo T.C.A. Sul no seu acórdão de 29-6-16, proferido no proc. 08733/15, por referência ao dito art. 60.º n.º 1 al. e) — de notar que no presente caso a oponente também invoca ter ocorrido relatório de inspeção.

Concluindo: É de reconhecer razão à recorrente...

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