Acórdão nº 0609/14.5BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“IFADAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.”, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, ao abrigo do preceituado no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho da União Europeia, julgou prescrita a dívida em execução coerciva no processo de execução fiscal n.º 2267201101014510, instaurado no Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez, interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões: «A- O presente recurso vem interposto da douta sentença de 10/10/2019, através da qual foi julgada procedente a oposição, porquanto entendeu o Tribunal que a dívida já estava prescrita, porquanto, ocorre a prescrição decorrente de ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto no n.° 2 do artigo 3.° do Regulamento.

B - Julgou o Tribunal procedente a oposição com base na prescrição do n° 2 do artigo 3° do Reg. (CE) n° 2988/95 do Conselho fazendo confusão com a prescrição para cobrança da divida exequenda.

C - Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável.

D - Por se tratar de uma questão de direito o presente recurso é para apreciação da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, matéria de direito que dada a confusão existente nos Tribunais a quo carece da correta apreciação dessa Secção do Supremo, com vista a produzir jurisprudência sobre a matéria.

E - O âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2988/95 respeita aos procedimentos administrativos relativos à aplicação dos controlos e das medidas e sanções da União e não à prescrição do direito de crédito do IFAP, IP, ou seja, à prescrição da obrigação de serem pagos os montantes em dívida ou de serem reembolsados os montantes indevidamente recebidos.

F - É verdade que o Supremo Tribunal Administrativo, para efeitos de prescrição do procedimento, equipara medidas administrativas a sanções administrativas, remetendo os fundamentos dessa equiparação para a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente, para o acórdão proferido em 17 de setembro de 2014, no âmbito do Proc. C-341/13.

G - Sucede porém que, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do citado Proc. C-341/13, não analisa a questão do prazo prescricional de execução da decisão final, na realidade o Tribunal de Justiça da União Europeia apenas firma o entendimento que o n° 1 do Art° 3°, do Regulamento n° 2988/95 é aplicável quer às irregularidades que conduzem à aplicação de uma sanção administrativa, na aceção do Art° 5° deste, quer às que são alvo de uma medida administrativa, na aceção do Art° 4° do referido regulamento H - Ou seja, define o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos pontos 42 a 65 do acórdão proferido no âmbito do Proc. C-341/13, que, o prazo de prescrição do procedimento administrativo é aplicável quer às irregularidades que conduzem tanto à aplicação de uma sanção administrativa como de uma medida administrativa.

I - Verifica-se assim que o Art° 3° do Regulamento n.° 2988/95, nada contém sobre a prescrição de créditos emergentes de irregularidades lesivas dos interesses financeiros da Comunidade, apenas incide sobre as condições de instauração e de duração do procedimento administrativo suscetível de possibilitar a aplicação de medidas administrativas e de sanções.

J - A este respeito, importa também salientar que é a própria União Europeia, como consta do "Documento de Trabalho da Comissão Europeia, Bruxelas, 2007”, sobre os "prazos de prescrição aplicáveis aos procedimentos relativos a irregularidades e às decisões subsequentes que estabelecem sanções ou medidas administrativas” (fls. 6 a 16,) a entender que "o Art° 3° do Regulamento CE Euratom n° 2988/95 não contém qualquer disposição sobre o prazo de prescrição da execução das decisões que aplicam uma medida administrativa (nomeadamente, a recuperação), devendo pressupor-se, por conseguinte, que, no que diz respeito a estas decisões se aplicam as disposições do direito nacional que regem os prazos de prescrição e a sua interrupção e suspensão”.

L - Na situação em apreço, estamos perante a execução de uma decisão final que teve por fundamento a aplicação de uma medida administrativa, nomeadamente, a restituição pelo beneficiário da ajuda dos montantes por este indevidamente recebidos, pelo que a esta situação terá de ser aplicado o prazo de vinte anos previsto no Art° 309° do Código Civil.

M - Não havendo norma especial relevante e tendo tal obrigação de reembolso como fonte o já referido acto administrativo de rescisão do contrato, vale, na verdade, o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, pelo que ainda não ocorreu a extinção do crédito, nem da correspectiva dívida exequenda (cfr. arts. 306° e 309° do Código Civil).

N - Não obstante, não parecer que a questão suscitada exija uma interpretação que não possa ser dada pelo Douto Tribunal, pois a mesma tem resposta na legislação aplicável, bem como na jurisprudência dos Tribunais Superiores, caso subsistam dúvidas relativamente a qual o prazo de prescrição de execução da execução da decisão final, desde já se sugere o reenvio prejudicial, para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

O - Face ao exposto, verifica-se que inexiste qualquer tipo de prescrição no que respeita à execução da execução da decisão final, pois entre a notificação da decisão final e a interposição do processo de execução fiscal não decorreram 20 anos e em face do exposto, a dívida exequenda não está prescrita.

P - Concomitantemente, o entendimento do Tribunal ao julgar a oposição procedente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.» 1.3.

A Recorrida insurge-se contra a revogação da sentença, alegando em abono da sua posição, em especial, as razões que verteu no quadro conclusivo com que rematou as suas contra-alegações: «A) o prazo de prescrição da quantia exequenda previsto no artigo 3°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 aplica-se também aos procedimentos que conduzem à adopção de medidas administrativas.

  1. Não há que determinar o reenvio para o TJUE, se na sequência do Acórdão do TJUE de 17/09/2014, se estabilizou o entendimento de que o artigo 3.° do Regulamento (CE, Euratom) n° 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos procedimentos instaurados pelas autoridades nacionais contra beneficiários de ajudas da União na sequência de irregularidades verificadas pelo organismo nacional e que, o prazo de prescrição previsto no dito artigo 3°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 aplica-se não apenas aos procedimentos por irregularidades que conduzem à aplicação de sanções administrativas, na acepção do artigo 5.° deste regulamento, mas também aos procedimentos que conduzem à adopção de medidas administrativas, na acepção do artigo 4.° do referido regulamento. E, ainda porque na ideia da coerência legislativa faz todo o sentido que esta jurisprudência se aplique também ao n° 2 do artigo 3° do Regulamento em causa.

  2. A decisão da medida de restituição das quantias entregues pelo IFAP IP tornou- se definitiva em 12/09/2007 - denominada “DECISÃO FINAL” (vide ponto 17. do probatório), a execução foi instaurada em 31/10/2011 (vide ponto 1°. do probatório) e o executado só foi citado em 10/11/2011 (vide ponto 2° do probatório).

  3. Não existem causas obstativas do decurso do prazo de três anos previsto no n° 2 do art° 3° do referido Regulamento o que determina a ocorrência de prescrição da obrigação de reembolso».

1.4.

O Ministério Público junto deste Tribunal, no douto parecer que emitiu, após ter distinguido prescrição do procedimento administrativo e prescrição da dívida exequenda e de defender o entendimento de que esta última é fundamento de Oposição, promoveu a improcedência do recurso por duas ordens de razões. Por um lado, por ter ficado provado que entre a consolidação do acto administrativo que determinou a reposição das ajudas e a instauração da execução decorreu um período superior a 3 anos, prazo que entende aplicável à prescrição do direito de execução da medida de restituição do montante em causa, por via do direito comunitário, mais precisamente do artigo 3.°/2 do Regulamento. Por outro, por não terem ficado provados quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição do direito de execução da decisão de reposição.

1.5.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

  1. OBJECTO DO RECURSO 2.1.

    Como é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a intervenção do Tribunal ad quem é especialmente delimitada pelo teor das conclusões que finalizam as alegações do recurso jurisdicional apresentado [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

    Essa delimitação do objecto, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas sobre questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que fica vedado ao Tribunal ad quem sobre elas se pronunciar.

    Numa...

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