Acórdão nº 027/20.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, entidade Requerida no processo n.º 425/2019-T, em que é Requerente A…………, LDA, notificada da decisão arbitral proferida em 27.02.2020, nos autos referenciados, que correu termos no Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e com esta não se conformando, vem, da mesma interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência, regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por remissão expressa do n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por a mesma se encontrar em oposição com o decidido no recurso n.º 0485/17 deste Supremo Tribunal.

Alegou, tendo concluído: A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. A matéria em causa no presente recurso diz respeito à determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

D. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete e E. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

F. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

G. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

H. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano.

I. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

J. Ambas imputam aos atos de liquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

K. Considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

L. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afetos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

M. O Acórdão Fundamento entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», N. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

O. Neste mesmo sentido se pronunciaram os doutos Acórdãos do STA de 29.10.2014 (proc.01075/13), 03.06.2015 (proc.0970/13), de 7.06.2015 (proc.01874/13), de 27.01.2016 (proc.0331/14), de 15.11.2017 (proc.0485/17) e Acórdão de 09-10-2019, proferido no processo 0401/14.7BEPRT.

P. Importa igualmente levar em linha de conta o expendido na declaração de voto vencido no processo arbitral n.º 442/2019-T pelo Professor Doutor Sérgio Vasques, cujas conclusões se transcrevem: a. Seja no acórdão Banco Mais, seja no acórdão VW Financial Services, o TJUE reconduz estes métodos de dedução — que se traduzem na exclusão de elementos determinados do pro rata — às normas que reconhecem aos Estados Membros a faculdade de impor aos contribuintes um critério de afectação real. Dito de outro modo, estes coeficientes de imputação específicos são tratados pelo TJUE como critérios ad hoc de afectação real.

  1. As normas da Directiva IVA têm correspondência no direito interno português, ressalvada diferença pontual de redacção e estrutura. Se, na leitura do TJUE, as normas da Directiva IVA que prevêem a imposição do método da afectação real podem servir de fundamento à aplicação critérios de imputação específicos, então devemos reconhecer às normas do Código do IVA que prevêem a imposição do método da afectação o mesmo alcance.

  2. As normas do Código do IVA têm que ser interpretadas de acordo com o direito europeu que lhes serve de parâmetro de validade e com a jurisprudência do TJUE que fixa sentido ao direito europeu, estando os tribunais nacionais vinculados ao princípio do primado.

  3. Interpretada a lei nacional em conformidade com o direito europeu que lhe serve de parâmetro, e atenta a jurisprudência do TJUE, é de concluir que o Ofício-Circulado 30.108 tem amparo suficiente no art.23, nº3, alínea b), CIVA.

  4. O fundamento do Ofício-Circulado 30.108 e do pro rata mitigado ou “coeficiente específico de imputação” nele previsto não deve por isso ser procurado no art.23, n.º 4, CIVA.

    Q. Já na decisão arbitral recorrida se entendeu em sentido oposto, no sentido que o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das amortizações de capital, R. De acordo com a decisão recorrida a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo 8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade.

    S. E mesmo que ainda, sempre se concluiria que o método que a AT pretende aplicar não preenche os pressupostos necessários à sua admissibilidade, por dele decorrerem distorções significativas na tributação.

    T. A decisão arbitral ora sindicada alega que a matéria ora em discussão já foi apreciada em várias decisões arbitrais, nomeadamente nos processos 335/2018-T, 339/2018-T e 498/2018-T e fundamenta-se nos acórdãos 311/2017-T, 312/2017-T, 498/2018-T que subscreve inteiramente.

    U. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

    V. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

    W. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se a decisão arbitral recorrida em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento e com a jurisprudência atual desse Supremo Tribunal Administrativo.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência: - ser admitido, por verificados os respetivos pressupostos; E - ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente.

    Contra-alegou a recorrida, tendo concluído:

    1. A matéria constante dos factos provados demonstra que existe uma diferença substancial nas duas situações de facto objeto de análise (no acórdão fundamento e na decisão arbitral recorrida) a qual é, por si só, motivo bastante para rejeição do recurso, por falta de verificação de...

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