Acórdão nº 1168/20.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

M...

vem recorrer da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, que declarou improcedente o pedido de impugnação do despacho do Director Nacional Adjunto do SEF, datado de 29/05/2020, que considerou que o pedido de protecção internacional por aquele apresentado é inadmissível e determinou a sua transferência para Itália.

Formulou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

  1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo, que decidiu pela improcedência do pedido de nulidade e/ou anulabilidade do ato administrativo emanado pelo SEF ao considerar inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo recorrente junto do GAR do SEF em 16-03-2020.

  2. Efetivamente incumbia à Entidade Demandada, antes de ter tomado a decisão impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas, dada a dificuldade de prova que assiste ao autor, notória tendo em conta todas as noticias que vêm a público e que fizeram do prova do processo em apreço c) No caso em apreço, a decisão impugnada nada refere a propósito do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional Membro, não se mostrando possível, através da sua leitura, aferir da existência ou não de um risco atual, direto ou indireto, de o Autor ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na aceção CEDH e 4.º da CDFUE d) Verifica-se por isso que há indícios que permitem concluir pela probabilidade séria de o recorrente, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou de aceção do artigo 4. da CDFUE, e) Verifica-se que o ato impugnado – incorre em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção internacional f) O Recorrente encontra-se até ao presente alojado no Centro de Acolhimento para Refugiados (CAR) do Conselho Português para os Refugiados (CPR), sito na Bobadela, tendo, desde o início, demonstrado uma atitude colaborante e pró-ativa, nomeadamente dando ajuda na cozinha, cumprindo todas as suas responsabilidades.

    Tem participado nas atividades promovidas pela equipa técnica do CAR. Tudo estando a fazer para se integrar em Portugal, onde se sente seguro.

  3. Estamos atualmente em situação de Estado de Emergência, decretado pelo Senhor Presidente da Republica em 18 de Março de 2020 (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 renovado pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020).

    Nesta medida, perante o quadro pandémico atual impõe-se que se aplique ao Recorrente o regime legal que mais o beneficia, considerando que à data da promulgação da lei e da sua entrada em vigor (27-03-2020) o mesmo não viu o processo junto do SEF decidido. Veja-se o que dispõe o no Despacho n.º 3863-B/2020 de 27 de Março de 2020: “Determina que a gestão dos atendimentos e agendamentos seja feita de forma a garantir inequivocamente os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no âmbito do COVID 19.Atenta a situação epidemiológica mundial e, em particular, na União Europeia e ainda ao acréscimo dos casos de infeção em Portugal, com o alargamento progressivo da sua expressão geográfica, foi declarado o estado de emergência em todo o território nacional, pelo período de 15 dias, iniciado às 0:00 horas do dia 19 de março de 2020 e cessando às 23:59 horas do dia 2 de abril de 2020, sem prejuízo de eventuais prorrogações; Em face das atribuições legais do SEF e das medidas excecionais tomadas neste domínio, urge dar resposta a esta realidade em termos de gestão de recursos humanos e de atendimentos; Procurando dar resposta à natureza específica da ameaça de contágio por COVID19, a gestão dos atendimentos e agendamentos deve ser feita de forma a garantir inequivocamente os direitos de todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), determinando que, à data da declaração do Estado de Emergência Nacional, os mesmos se encontram em situação de permanência regular em Território Nacional; Considerando que o artigo 16.º do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março prevê expressamente que «os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores, são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2020»; Considerando a necessidade de reduzir os riscos para a saúde pública associados aos atendimentos, quer ao nível dos trabalhadores do SEF, quer dos próprios utentes desses serviços públicos; Determina-se o seguinte: 1 — No caso de cidadãos estrangeiros que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março, Lei n.º 26/2018, de 5 de julho, Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, Lei n.º 63/2015, de 30 de junho, Lei n.º 56/2015, de 23 de junho, Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto (regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) ou que tenham formulado pedidos ao abrigo da Lei n.º 26/2014, de 5 de maio, que procede à primeira alteração à Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, considera-se ser regular a sua permanência em território nacional com processos pendentes no SEF, à data de 18 de março, aquando da declaração do Estado de Emergência Nacional.” h) A não aplicação ao Recorrente, do regime legal previsto no Despacho n.º 3863-B/2020 consigna uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, porquanto, outros cidadãos estrangeiros com pedidos formulados junto do SEF, veem a sua condição de permanência em Portugal legalizada e como tal foi-lhes emitido o correspondente titulo de residência, e ao aqui recorrente, viu-se privado da aplicabilidade desse regime com a improcedência do pedido formulado na petição inicial.

  4. Nesta medida, perante o quadro pandémico atual impõe-se que se aplique ao Recorrente o regime legal regulado pelo citado despacho, considerando que à data da promulgação e da sua entrada em vigor (27-03-2020) o mesmo defende, que o seu processo junto do SEF, tem o estado pendente, uma vez que o mesmo está em impugnação judicial – sem trânsito em julgado.

  5. A decisão recorrida, que faz uma errónea apreciação do direito, pela desconsideração da aplicabilidade in casu (ao procedimento de proteção internacional formulado pelo Recorrente, junto do SEF, em 16 de Março de 2020) do regime legal do Despacho n.º 3863-B/2020, de 27 de Março, consubstancia a incorreta valoração do direito com a manutenção do ato administrativo impugnado, que está ferido de nulidade pela violação da lei, nos termos dos artigos 3.º n.º 1 do e do artigo 161.º n.º1 d), ambos do CPA e dos Princípios Constitucionais da Igualdade e da legalidade.

  6. Deixa-se a sentença recorrida contiguar pela posição adotada pelo SEF [ e a não aplicação oficiosa do regime legal ínsito no Despacho n.º 3863-B/2020 de 27-03 ao caso concreto, no ato administrativo impugnado emanado] e por conseguinte está sentença ferida de nulidade por violação dos termos da alínea d) do n,º1 do art.º 615.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, e do princípio Constitucional da igualdade (art.º13.º da CRP) e da Legalidade, nos termos do artigo 266.n.º2 da CRP: (…)”.

    *O Recorrido não apresentou contra-alegações.

    Foi cumprido o disposto no art.º 146.º, n.º 1 do CPTA.

    *O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.

    Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida é nula e, improcedendo tal pedido, se sofre do erro de julgamento que lhe é imputado por, ao contrário do decidido, existir deficit instrutório do procedimento administrativo por não ter sido colhida informação sobre a existência de eventuais falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Itália, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do art.º 4.º da CDFUE, havendo ainda que decidir se a sentença recorrida errou por não ter declarado a invalidade do despacho impugnado por violação do regime que consta do Despacho 3863-B/2020 de 27 de Março e dos artigos 3.º n.º 1 e 161.º n.º 1 d), ambos do CPA e dos artigos 13.º e 266.º n.º2 da CRP.

    * Dos factos.

    Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1) Em 09/11/2016 o requerente solicitou proteção internacional em Itália [cf. fls. 17, do processo administrativo].

    2) Em 16/03/2020 o requerente solicitou proteção internacional ao Estado Português e preencheu o documento designado por “Enquête Préliminaire”, com o teor de fls. 3-4, do processo administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido.

    3) Em 14/05/2020 as autoridades portuguesas solicitaram às autoridades italianas a retoma a cargo do requerente invocando o descrito em 1) [cf. fls. 35-39, do processo administrativo].

    4) Em 10/05/2020 o requerente...

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