Acórdão nº 3153/11.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Ministério Público (doravante Recorrente), Requerente nos autos de outros processos instaurado contra A.....

(Recorrida), inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 30.1.2020, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou a acção de oposição à aquisição de nacionalidade improcedente e absolveu a Requerida do pedido.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: « «I. O disposto no artigo 567º do CPC aplica-se na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e essa aplicação não é incompatível com o disposto no artº 83º/4 do CPTA, na redação em vigor à data da propositura da ação.

  1. Consequentemente, se a cidadã estrangeira regularmente citada não contestar, como aconteceu no caso dos autos, consideram-se confessados os factos alegados pelo MP na petição inicial, nos termos do artº 567º/1 do Código de Processo Civil.

  2. Devia, por isso, a sentença recorrida ter considerado provados todos os factos articulados pelo MP, designadamente: aqueles que considerou como não provados por exclusão de partes considerando provados os factos descritos nos arts. 8º a 11º da PI, que omitiu do probatório.

  3. A inserção desses factos na matéria não provada deveu-se a um erro de interpretação e aplicação do disposto no artº 567º/1 do CPC, gerando um erro no julgamento de facto efetuado pela sentença recorrida.

  4. Deve, por isso, ser alterado o julgamento da matéria de facto efetuado pela sentença recorrida, nos termos dos arts. 149º do CPTA e 662º/1 do CPC e, consequentemente, devem ser dados como provados e aditados os seguintes factos, nos termos do artº 567º/1 do CPC, mantendo-se os demais considerados provados: 1 - Na verdade, a Requerida não forneceu elementos que, de forma consistente, comprovem ou indiciem a respectiva ligação à comunidade Portuguesa; 2 - Sendo que tal situação decorre do facto de a Requerida não ter, efectivamente, qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional, uma vez que não só não reside como nunca residiu em Portugal, como também não trabalha nem trabalhou em território nacional; 3 - Fundando-se, assim, o respectivo pedido de aquisição da nacionalidade Portuguesa, essencialmente, no casamento com um cidadão Português; 4 - Todavia, e como ela própria refere, a Requerida sempre viveu na República Federativa do Brasil e no Reino Unido, país este no qual actualmente reside; 5 - Não se vislumbrando, pois, qualquer ligação da Requerida com Portugal, para além do facto de ter desposado um cidadão detentor da nacionalidade Portuguesa; 6 - Acresce que é, aliás, nítido que a Requerida fala Português, apenas e tão-somente, porque esta é a língua oficial do país de onde é nacional; 7 - Tudo reforçando, pois, a conclusão de que os factos alegados pela Requerida são manifestamente insuficientes para provar que a mesma saiba ou conheça quem são as figuras mais relevantes da história passada e recente de Portugal, que viva a música e culturas portuguesas, e/ou, sequer, que conheça os seus autores; 8 - Na verdade, e conforme já salientado, a Requerida nasceu na República Federativa do Brasil tendo vivido neste país e no Reino Unido, motivo pelo qual todo o seu processo de crescimento, desenvolvimento e maturação – com a consequente absorção de costumes, referências e valores sociais e culturais – conduziu, necessária e inapelavelmente, a que se identifique com, e se integre na, comunidade brasileira e, eventualmente, Britânica, mas não com a Portuguesa; 9 - Sendo, assim, manifesta a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional Portuguesa da Requerida, antes se demonstrando o seu profundo enraizamento nas realidades Brasileira e Britânica; 10 - Os elementos existentes demonstram, sobretudo, ligações de índole familiar, obtidas através do casamento com um cidadão Português, mas não demonstram que a Requerida esteja integrada na vida social, cultural e económica Portuguesa; 11 - Para além desse casamento, apesar de relevante, a Requerida não demonstrou possuir qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional, nem conhecer os usos, costumes e tradições desta comunidade; e 12 - Não tendo, igualmente, feito prova de quaisquer factos dos quais resulte demonstrado o seu conhecimento da História de Portugal, ou o ter a Requerida “interiorizado” o sistema de valores e cultura da comunidade Portuguesa, para que os “sinta” como seus e para que neles “comparticipe”.

  5. Alterada e aditada a matéria de facto provada, nos termos ora descritos, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar a ação improcedente por falta de prova da inexistência de ligação efetiva do R. à comunidade nacional, padece, também, de erro de julgamento de direito.

  6. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo nº 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

  7. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efetivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

  8. Essa ligação revela-se por fatores como o conhecimento da língua portuguesa, oral e escrita, o domicílio, a integração social e cultural, o conhecimento da história e da cultura, os quais, todos conjugados, conferem o sentimento de pertença à comunidade.

  9. Analisando a matéria provada pela sentença recorrida e aqueles que devem a ela ser aditados, supra descritos em V., verificamos que se provou nos autos que a R. não tem qualquer ligação à comunidade nacional.

  10. Ante estes factos provados, é manifesto que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Juiz na fundamentação da sentença recorrida, foram alegados e provados factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

  11. Não tem, por isso, qualquer relação com a comunidade portuguesa, para além da circunstância de ser casada de um cidadão nacional, o que não é suficiente, por si só e sem mais, para estabelecer a necessária ligação efetiva à comunidade nacional.

  12. Destes factos provados apenas se pode extrair a conclusão de que a R. não tem nem nunca teve qualquer sentimento de pertença ou ligação especial à comunidade portuguesa, designadamente não está a ela ligado pelo domicílio, aspetos de ordem cultural, social, de amizade, económico-profissional ou outros que, de acordo com a jurisprudência, permitem preencher o conceito de “ligação efetiva”.

  13. Pelo exposto, provou-se que a R. não tem ligação efetiva à comunidade portuguesa o que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos dos arts. 9º, a) da LN e artº. 56º/1 e 2, a) do RNP.

  14. Ao considerar o contrário, o Mmo. Juiz fez uma errada interpretação e aplicação do conceito de ligação efetiva e do disposto nos arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP.

  15. Nestes termos, deveria o Mmo. Juiz ter considerado provados todos os factos alegados pelo MP, incluindo aqueles que julgou não provados e os que omitiu do probatório, e deveria ter considerado verificado o requisito previsto nos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP, julgando a ação procedente, por provada.

  16. Não o tendo feito, a decisão recorrida incorreu em manifesto erro na fixação da matéria de facto e erro na interpretação e aplicação do direito, violando o disposto, por um lado, nos arts. 83º/4 do CPTA e 567º/1 do CPC e, por outro, nos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP.» Requerendo a final: «Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue corretamente a matéria de facto provada nos autos...

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