Acórdão nº 01943/08.9BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 14.06.2018, que negou provimento ao recurso e manteve a sentença da 1.ª instância.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF de Almada, de 27.02.2013, que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pela A. contra o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP (ICNB, IP), mediante a qual foi peticionada a declaração de nulidade ou a anulação do despacho de 24.03.2008 da Senhora Vice-Presidente do ICNB,IP, que ordenou a demolição da obra que a A. realizou em prédio rústico situado na ……. ou ………., freguesia de ……... Em consonância, a entidade demandada foi absolvida do pedido.

  1. Inconformada, a A., ora recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 1529-1598 – paginação SITAF): “1ª No Acórdão Recorrido são abordadas múltiplas questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental e a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que deve o presente Recurso de Revista ser admitido, devendo funcionar esta válvula de segurança do sistema, até numa interpretação do artigo 150.º, n.º 1 do CPTA conforme à garantia constitucional de uma tutela jurisdicional efetiva contra atos lesivos consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, de que é corolário o princípio pro actione vertido no artigo 7.º do CPTA; 2ª A autorização do PNA ao fracionamento de prédios rústicos previsto no artigo 11.º, al. a), do Decreto Regulamentar 23/98, de 14 de outubro, constitui um pressuposto de validade de atos jurídicos-privados dos quais resulte ou que titulem o fracionamento da propriedade, pelo que o ato impugnado ao ter decidido da invalidade do fracionamento da propriedade que deu origem ao prédio da Recorrente, a montante do licenciamento camarário, operado por atos e negócios jurídico-privados, invadiu a esfera de matéria reservada aos tribunais e violou o princípio da separação de poderes, sendo nulo, por vício de usurpação de poderes, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, al. a) do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na versão em vigor à data da sua prática; 3ª O Acórdão Recorrido ao confirmar que o ato impugnado não padece de vício de usurpação de poderes padece de erro de direito, tendo violado o disposto nos artigos 111.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, da Constituição, bem como o artigo 133.º, n.º 2, al. a) do CPA.

    1. A jurisdição competente para apreciar os atos jurídico-privados de fracionamento que deram origem ao prédio da Recorrente com fundamento em falta de autorização do PNA é a jurisdição comum e não a jurisdição administrativa, pelo que o Acórdão recorrido ao apreciar e declarar a nulidade de tais atos ofende, designadamente, o disposto nos artigos 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 1.º, n.º 1, do ETAF.

    2. A questão da validade dos atos de fracionamento que deram origem ao prédio da Recorrente está definitivamente decidida pelos Tribunais Comuns no âmbito de ações intentadas pelo Ministério Público, na sequência da participação do PNA do fracionamento sem a sua autorização.

    3. Ao fazer uma interpretação do artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98 num sentido que não é comportado pelo seu elemento literal “actos administrativos”, de modo a nele incluir a cominação de nulidade para atos jurídico-privados de transmissão e aquisição da propriedade dos quais resultou o fracionamento, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dessa norma e aplicação analógica de uma norma regulamentar restritiva do direito de propriedade privada, violando o disposto nos artigos 17.º, 18.º, 62.º e 165.º, n.º 1, al. b) da Constituição.

    4. O artigo 68.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), em qualquer das suas alíneas, apenas comina a nulidade de licenças, admissão de comunicações prévias e autorizações de utilização e apenas com fundamento em violação de plano especial ou de plano municipal de ordenamento do território, pelo que ao decidir que dessa disposição resulta a cominação de nulidade de atos jurídico-privados por violação de Decreto Regulamentar 23/98, o Tribunal fez uma errada interpretação e aplicação dessa norma, que além de tudo é restritiva do direito fundamental de propriedade, em violação dos artigos 17.º, 18.º, 62.º e 165.º, n.º 1, al. b) da Constituição.

    5. O Acórdão recorrido ao concluir que os atos jurídico-privados desconformes com o artigo 11.º, al. a) do Decreto Regulamentar 23/98 são nulos nos termos do artigo 103.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) faz uma errada interpretação e aplicação desta norma, uma vez que aquele diploma não é um instrumento de gestão territorial, mas sim o diploma que regulava a aprovação de um instrumento de gestão territorial nos termos do respetivo artigo 18.º, incorrendo, ainda, na violação do princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial vertido nos artigos 8.º e 9.º da Lei de Bases e no artigo 2.º do RJIGT.

    6. A norma do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar 23/98, interpretada no sentido de exigir parecer expresso favorável do PNA à realização de obras de construção, tal como decidido no Acórdão em crise, conduz à sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da hierarquia das normas e do primado da lei consagrados no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, já que equivale a admitir a derrogação, por decreto regulamentar, do disposto em diploma legislativo – considere-se o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) ou o anterior Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro – que prevê que a ausência de parecer no prazo estabelecido equivale a concordância.

    7. A lei habilitante do Decreto Regulamentar 23/98 – o Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 janeiro, que estabelecia o regime da Rede Nacional de Áreas Protegidas – apenas lhe confere habilitação, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, al. b) para definir os atos e atividades condicionados ou proibidos e não para regular os efeitos do silêncio do PNA em derrogação do regime legal geral, pelo que, o artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar interpretado no sentido de excluir o parecer favorável tácito, tal como preconizado no Acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do princípio de precedência de lei vertido no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição.

    8. Não existe nem nunca existiu qualquer norma na legislação aplicável no PNA a prever que a falta de resposta do PNA no prazo previsto vale como discordância, parecer desfavorável ou negativo, pelo que a interpretação do Tribunal recorrido de que existe “legislação específica” aplicável na área do PNA que afasta a regra geral de concordância tácita contida no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE viola o disposto nesta norma e, ainda, o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil por não ter o mínimo de apoio na letra da lei.

    9. Não se pode considerar que o ato de licenciamento das obras promovido pela Recorrente é inválido por falta de parecer expresso do PNA nos termos do disposto no artigo 12.º, al a), do Decreto Regulamentar 23/98 – que é a norma, e só essa, que determina a sujeição das obras de construção civil a parecer vinculativo do PNA –, pelo que o ato de demolição impugnado nos autos na parte em que se fundamenta na invalidade do licenciamento camarário por falta de parecer expresso favorável do PNA padece de vício de lei gerador de anulabilidade, violando designadamente o artigo 19.º, n.º 9, do RJUE, e como tal deveria ter sido anulado pelo Tribunal a quo.

    10. O Acórdão recorrido, ao acolher o entendimento preconizado no Acórdão da 1.ª instância de que é exigível parecer expresso favorável do PNA e confirmar a validade do ato impugnado na parte em que utiliza esse fundamento, fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 12.º, al. a), do Decreto Regulamentar 93/98 e viola o disposto no artigo 19.º, n.º 9, do RJUE.

    11. O artigo 19.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar 23/98, aplicado pelo Acórdão recorrido para fundamentar a nulidade do ato de licenciamento camarário por alegada violação do disposto no artigo 12.º, al. a) do mesmo diploma, contraria o princípio de precedência de lei dos regulamentos administrativos plasmado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição, considerando que, nos termos do artigo 133.º, nº 1, do CPA só são nulos os atos “para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, e o Decreto-Lei n.º 19/93, de 21 de janeiro, não confere qualquer habilitação ao decreto regulamentar para disciplinar o desvalor jurídico dos atos praticados em sua desconformidade.

    12. Ainda que o ato de licenciamento camarário fosse desconforme com o artigo 12.º, al. a) do Decreto Regulamentar 23/98 seria meramente anulável nos termos do artigo 135.º do CPA vigente e não nulo como declarado pelo ato impugnado e pelo Acórdão recorrido, que assim preteriram o estabelecido no artigo 135.º e 133.º, n.º 1, do CPA.

    13. Com o Decreto Regulamentar 23/98 a realização das obras de construção passou a estar sujeita a parecer vinculativo e não a autorização, nos termos do artigo 12.º, al. a), o qual revogou, assim, por força do disposto no artigo 20.º do Decreto Regulamentar, as normas da Portaria na parte em que exigem autorização do PNA para obras de construção, nomeadamente os artigos 12.º, n.º 3, e 14.º, n.º 2 al. a) da Portaria aplicados pelo Tribunal recorrido.

    14. O Acórdão Recorrido, ao determinar que o ato de licenciamento camarário é nulo, por violação das normas dos artigos 12.º e 14.º, n.º 2, al. a) da Portaria n.º 26-F/80 fez uma errada aplicação de tais normas, tendo ainda ofendido o disposto nos artigos 12.º, al. a), e 20.º do Decreto Regulamentar 23/98.

    15. O ato impugnado ao sustentar que o ato de licenciamento viola o disposto na Portaria n.º 26-F/80 sem invocar ou demonstrar uma...

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