Acórdão nº 271/20.6GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução12 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo especial abreviado com o NUIPC 271/20.6GBBCL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Barcelos (Juiz 1), foi o arguido J. F. condenado, por sentença proferida e depositada a 03-06-2020, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante de € 600,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.

  1. Inconformado, o arguido recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente[1]: 1- O presente recurso tem por objeto a reapreciação da matéria de facto, nos termos do art. º 410.º do CPP, bem como da matéria de direito, quer em consequência da reapreciação da matéria de facto, quer, igualmente, quando conjugada, a decisão ora recorrida, com as regras de experiência comum (Cfr. n. º 2 do art. º 410.º do CPP).

    2- Conforme oportunamente defendido, entendemos que o meio de obtenção de prova que deu origem à condenação do arguido e consequentemente a prova recolhida são inadmissíveis porquanto o alcoolímetro utilizado para a medição da TAS se encontrava, à data dos factos, quer com a verificação periódica caducada quer como com a respetiva aprovação e homologação também caducadas.

    3- Em nossa humilde opinião, resulta da Douta sentença, erro notório na apreciação da prova.

    4- Em conformidade, deverá a Douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que faça a correta aplicação do direito, conforme se demonstrará.

    5- Salvo o devido respeito, urge mudarmos mentalidades no que concerne à aplicabilidade do instituto da suspensão provisória do processo no que tange ao crime ora em apreço e que já vai sendo aplicado em diversas Comarcas.

    6- O mesmo se diga quanto à forma processual atribuída nestes casos pois, não fosse a ora mandatária ter requerido prazo para preparação da defesa do Arguido, eventualmente não teria verificado que a TAS que constava da acusação - 1,49 g/l - estava calculada de modo erróneo sendo o valor inferior, nem teria verificado que o aparelho se encontrava, permitam-me a consideração, ilegal.

    7- Notem V. ªs Ex. ªs que, nestes casos em que estamos perante formas processuais mais encurtadas e céleres, nada obsta a que haja aquilo a que designo de inquérito sumário: para se oficiar a junção aos autos por exemplo da ficha técnica dos alcoolímetros, relatórios de verificação periódica, e até fotografias do mesmo para verificar o seu estado e respetiva selagem.

    8- Com pena, tal não só é raro acontecer como não se vislumbrou no caso dos presentes autos pelo que teremos que nos cingir ao que deles consta.

    9- Os depoimentos da testemunha e do Arguido foram claros e concretos.

    10- Aquando da junção aos autos pela ora mandatária do requerimento para suspensão provisória do processo - atendendo a que o arguido não possuía qualquer registo da prática de crimes na sua Certidão de Registo Criminal - já foram sendo levantadas suspeições no que tange ao valor de TAS apurado e ao meio de obtenção de prova.

    11- Perante isso, pergunta-se: que diligências foram tomadas pelo Ministério Público- guardião da fase de investigação, ainda que não tenha havido inquérito - para auxiliar no apuramento da verdade dos factos? 12- Ora, lamentavelmente cremos que nenhumas.

    13- Nem procedeu à correção do valor da TAS nem oficiou a junção aos autos da documentação indispensável - em nossa opinião - para aferir da eventual conformidade legal do alcoolímetro utilizado.

    14- Limitou-se, apenas, a oficiar a junção aos autos da participação do acidente de viação o que - em nosso humilde entender - peca por escassa.

    15- Eis que chegados à fase de julgamento, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz deu continuidade à linha da escassez que veio sendo seguida e não quis que se diligenciasse no sentido da descoberta da verdade material.

    16- Prova disso é a leitura e audição atentas que se faça das suas intervenções no desenrolar da audiência.

    17- Merece a nossa censura o gracejo, com alguma cumplicidade, dirigido à Exma. Sra. Procuradora aquando do depoimento do Arguido: “O tamanho do copo agora também não o podemos medir, não o temos aqui. Mais alguma coisa? ” 18- Importará realçar que os Arguidos são sujeitos processuais e não meros objetos processuais, gozando de direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados onde se destacam o direito a um processo penal equitativo, o direito à presunção de inocência e o direito ao contraditório.

    19- Saliente-se que nem a mandatária, nem os Meritíssimos Juízes, nasceram doutores e antes de todo e qualquer cargo ou título adquiridos nascemos seres humanos merecedores de respeito e empatia pois no final da vida todos teremos o mesmo destino e morada, tenhamos sido o Sr. Presidente da República, o Sr. Primeiro Ministro, o Sr. Dr. ou a Sra. Dra., o Sr. Agente de Autoridade ou a Sra. Cantoneira.

    20- Escusado será dizer que, em tal gracejo se antevia a condenação do Arguido, fosse qual fosse o contraditório vertido nos autos e, posteriormente, em sede de alegações.

    21- Mediante as dúvidas suscitadas - os erros existentes - e toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e, ainda, a constante dos autos não se compreende a total credibilidade atribuída pelo tribunal ao meio de obtenção de prova utilizado.

    22- Também não nos conformamos com a matéria fatual dada como provada mormente a constante das alíneas b) c) e d).

    23- É certo que a atuação do Meritíssimo Juiz se pauta pelo Princípio da Livre Apreciação da Prova, firmando a sua convicção de acordo com a mesma.

    24- Sendo assim, e nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva: “A livre convicção ou apreciação da entidade competente não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. ” – Marques Ferreira, in JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL, Centro de Estudos Judiciários, Almedina/Coimbra, pág. 228.

    25- A livre convicção ou apreciação é, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, “a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. ” – In DIREITO PROCESSUAL PENAL, Coimbra Editora, 1974, Vol. I, pág. 205.

    26- O arguido apesar de poder remeter-se ao silêncio, não o fez pois no seu entender nada tinha a ocultar a douto tribunal: “Procuradora do M.P.: “Relativamente ao que ele bebeu, quando o arguido põe em causa a taxa que apresentou, relativamente ao que bebeu - o que é que ele bebeu e por que é que então entende…” M. JUIZ: “O Sr. o que é que bebeu? ” Arguido: “Eu só bebi vinho Sr. Dr.” M. JUIZ: “Bebeu vinho...” Arguido: “Sim. Mais nada…” M. JUIZ: “Tem ideia da quantidade? ” Arguido: “Ó Sr. Dr. para aí três copitos, foi enquanto esperava…” M. JUIZ: “O tamanho do copo agora também não o podemos medir, não o temos aqui. Mais alguma coisa? ” Procuradora do M.P.: “E se relativamente a isso se acha que esses três copos que não poderiam dar a taxa de 1,4 é isso? ” M. JUIZ: “Acha que esses três copos…” Arguido: “Sim é isso. Não ingeri mais álcool… 27- Saliente-se, contudo, que o facto de o arguido admitir que ingeriu bebidas alcoólicas não pode ser tido como confissão da taxa de álcool apurada, a qual o Meritíssimo Juiz entendeu fixar como matéria factual provada.

    28- Seguimos, por isso, o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11/09/2013: “Confissão é o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável ao autor da declaração (art.° 352°/CC), o que, transposto para o âmbito do direito penal, significa o reconhecimento da prática de factos penalmente relevantes.

    O CPP, em consonância com as garantias de defesa consagradas na C.R.P., reconhece ao arguido o direito de, relativamente aos factos que lhe vêm imputados, optar por manter em silêncio ou prestar declarações e, consequentemente, de os confessar, caso em que há que subsumir a confissão ao regime decorrente do art.° 344°, do C.P.P., o que não dispensa a compaginação dessa norma com outras, igualmente a ter em conta.

    Por força do art.° 140°, do CPP, «Às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 128. ° e 138. °, salvo quando a lei dispuser de forma diferente». Por seu turno, o n° 1 do art.° 128° estipula que «A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto de prova». Ora, ressalta deste normativo que quer as declarações do arguido, quer o depoimento da testemunha, só são relevantes relativamente a factos que sejam do conhecimento (em regra direto) da pessoa que os relata, ou seja, os limites da capacidade cognitiva individual são também os limites daquilo que, de forma juridicamente relevante, pode ser confessado. A contrario, a tudo o que esteja para além desses limites não se pode aplicar a força probatória da confissão.

    Ora, o facto relevante para a taxa de alcoolemia, praticado pelo agente, suscetível de confissão é tão-somente a ingestão de álcool - ou, quanto muito, essa ingestão em quantidade suficiente e adequada à produção de uma taxa de alcoolemia igual ou superior à prevista na norma incriminadora. A taxa de alcoolemia não é um facto suscetível de confissão. É um facto sujeito a prova vinculada, na medida em que o resultado suscetível de ser usado para o preenchimento da previsão normativa carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho, em determinadas condições (conforma acima se viu). Ressalta a insusceptibilidade de confissão do facto (taxa) da impossibilidade de fazer subsumir à norma legal qualquer agente que não tenha sido submetido à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT