Acórdão nº 145/19.3T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 145/19.3T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Santarém – J1 * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por “(…) – Companhia de Seguros, SA” contra “(…) Automóveis Portugal, SA (…)”, a parte activa não se conformou com a sentença proferida e interpôs o competente recurso de apelação.

* A Autora “(…) – Companhia de Seguros, SA” pediu a condenação da Ré “(…) Automóveis Portugal, S.A. (…)” no pagamento da quantia de € 20.973,41, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

* Para tanto e em síntese, a Autora alega que, no dia 05/01/2016, o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Mitsubishi, com a matrícula 95-(…)-10, se incendiou devido a avaria num dos sistemas de filtro de partículas ou curto-circuito e esse incidente ocorreu no decurso do prazo de garantia dado pela Ré, a qual recusou assumir a sua responsabilidade pelos danos decorrentes do incêndio.

* Devidamente citada, a Ré invocou que a alegada avaria não foi comunicada no prazo de 30 dias e a presente acção não foi intentada no prazo de seis meses. Em sede de impugnação, a Ré sustenta que o incêndio foi provocado por má utilização do veículo, a viatura foi equipada com gancho de reboque por reparador não autorizado pela Ré e cuja instalação implicou uma intervenção ao nível do sistema eléctrico.

* A Autora exerceu o contraditório relativamente à matéria das excepções.

* Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Nesta sede foi relegado para final o conhecimento das excepções de caducidade invocadas pela ré.

* Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu julgar: 1) improcedente a excepção de caducidade de denúncia dos defeitos invocada pela Ré.

2) procedente a excepção de caducidade da acção invocada pela ré e, em consequência, absolveu-a do pedido.

* A recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: «1 – Considera a Recorrente que o Juiz a quo na sentença não se debruçou sobre os factos alegados nos artsº 19º e 20º da P.I, sendo matéria relevante, tendo mesmo oficiosamente o Tribunal determinado a comparência da testemunha (…), pelo que a sentença é nula nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d), do C.P.C.

2 – Considerou o Tribunal a quo como provado o facto BB, acontece que, das missivas juntas aos autos, enviadas pelos serviços da Recorrida, nomeadamente o relatório de visita dos serviços de 29/02/2016, junto aos autos, com o requerimento de 24 de junho de 2019, é indicado que não foi possível apurar a causa do incêndio.

3 – Na página 10, segundo parágrafo, da sentença são desvalorizados os depoimentos de (…) e (…), que afirmaram que o veículo se incendiou devido à condução praticada pelo condutor, quando antes, a própria testemunha (…) tinha referido, em documento escrito, que não tinha sido possível apurar a causa do incêndio.

4 – Entende a Recorrente que o facto BB deverá ter a seguinte redação: “Nessa sequência, a Ré procedeu à inspecção do veículo e invocou que não foi possível apurar as causas do incêndio”.

5 – Não concorda a Recorrente com o entendimento do Tribunal a quo em dar provimento à exceção de caducidade nos termos do art.º 921º, nº 4, do C.C 6 – Entende a Recorrente que a acção foi atempadamente proposta, dado haver reconhecimento do seu direito, nos termos do nº 2 do art.º 331º do C.C, resultante da viatura ter estado num dos concessionários autorizados da Recorrida, para ser reparada, ou substituída, ao abrigo da garantia contratual.

7 – De acordo com o relatório de peritagem técnica ao incêndio, que consta da P.I, no contacto que foi realizado com o representante do veículo seguro, Mitsubishi Auto (…), concessionário da Recorrida, na pessoa do seu chefe de oficina, este alegou não encontrar explicação para o sucedido.

8 – Na comunicação da Recorrida de 29 de fevereiro de 2016 não se conseguiu apurar o que levou ao incêndio no veículo.

9 – Existiu o reconhecimento do direito, da segurada da Recorrente, da parte da Recorrida.

10 – Acolhe a Recorrente o entendimento, mais amplo, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 03/04/2008, relatado pelo Senhor Conselheiro Serra Baptista [Processo n.º 08B245, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj], relativamente ao reconhecimento do direito, onde se pode ler o seguinte: “Cremos, todavia, e acompanhando os ensinamentos a propósito de Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, p. 427 e ss), que o citado art.º 331º, nº 2, falando só em reconhecimento do direito, e não obstante as diferenças entre a caducidade e a prescrição, não exige interpretação tão restritiva, muitas vezes conducente a situações de manifesto abuso de direito, violadoras do princípio da boa fé. Bastando-nos, tal como na prescrição (artigo 325º) com o reconhecimento do direito efectuados perante o respectivo titular, de forma que inequivocamente o exprima. Tendo o procedimento do responsável que ser bem claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso.

Tendo, de qualquer forma, de ser inequívoco e preciso, não podendo subsistir quaisquer dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor – Acórdãos do STJ de 25/1/98, Bol. 481, p. 430 e de 13/12/07 (Pº 07A4160), www.dgsi.pt.

11 – Não existe qualquer documento junto aos autos, por parte da Recorrida, a indicar que jamais autorizava a reparação ou substituição do veículo, tendo em conta a perda total, a não ser uma versão, sem qualquer credibilidade e correspondência, trazida aos autos, na contestação, de que o acidente se deveu à condução do funcionário da segurada …, que neste aspecto, bem, não foi acolhida pelo Tribunal a quo.

12 – Nos termos do art.º 331º, nº 2, do C.C existiu um reconhecimento do direito da segurada da Recorrente por parte da recorrida, impedindo assim a caducidade.

13 – Compreende a Recorrente que a obrigação que impendeu sobre a recorrida, relativamente à venda do automóvel seguro, é uma obrigação genérica.

14 – Refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 10ª ed., pág. 919) será específica «a entrega do automóvel comprado em segunda mão», será já genérica a compra de um automóvel novo – podendo o género em causa ser mais ou menos definido, através da marca, modelo, cor, etc.

15 – Na compra e venda de coisa genérica, apurando-se o fornecimento defeituoso, o regime aplicável decorre do preceituado no artigo 918º do Código Civil que remete neste caso concreto (veja-se a segunda parte do normativo) para as regras respeitantes ao não cumprimento das obrigações.

16 – Porque estamos em sede de responsabilidade contratual por via de cumprimento defeituoso, não tem aplicação o prazo de caducidade específica dos casos prevenidos no art.º 913º do C. Civil, antes sendo aplicáveis os prazos gerais de prescrição do direito, no caso de vinte anos, artigo 309º daquele diploma.

17 – O legislador não mandou aplicar à sub-rogação o disposto no artigo 585.º, preceito que, na cessão de créditos, define os meios de defesa oponíveis pelo devedor ao credor cessionário.

18 – Na contraposição da Cessão de créditos e da Sub-rogação, como formas de transmissão de créditos ressalta uma diferença essencial, que se prende com o facto de, enquanto na cessão de créditos os direitos do cessionário derivam do negócio jurídico celebrado que lhe serve de base, que poderá ser a título oneroso ou gratuito, e dessa forma o valor pelo qual o cessionário adquire o crédito pode não corresponder ao montante da prestação debitória, a sub-rogação pressupõe a satisfação do crédito, sendo essa a medida do direito do terceiro sub-rogado.

19 – Faz sentido todo o sentido que o legislador quisesse deixar o dispositivo do art.º 585.º do C.C somente para a figura da cessão e não incluísse a sub-rogação, já que esta, mesmo que não nasça um direito ex novo na esfera do novo credor, pressupõe a satisfação de um crédito, com a nascença de outros direitos inerentes a esse cumprimento, que fazem precludir, ou entram em confronto, com os meios de defesa do devedor (Ex: o prazo de prescrição de o prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros só começa a correr depois de ter pago os danos sofridos pelo seu segurado, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do artigo 498.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.) 20 – Olvidou, ainda, o Tribunal a quo o disposto no art.º 588.º do C.C., que refere que as regras da cessão de créditos são extensivas, na parte aplicável, à cessão de quaisquer outros direitos não excetuados por lei, sendo que, o artigo 594.º do C.C. excecionou a aplicação do art.º 585.º do C.C.

21 – Não acompanha a Recorrente o entendimento do Tribunal a quo quanto à aplicação analógica do art.º 585.º do C.C no presente caso.

Justiça».

* Houve lugar a resposta em quem se afirma que o recurso deve ser julgado improcedente.

* Observados os vistos legais, foi admitido o recurso. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).

Analisadas as alegações de recurso, a questão que se suscita neste recurso é apurar se ocorreu:

  1. Nulidade por omissão de pronúncia.

  2. Erro na fixação dos factos.

  3. Erro de direito. * III – Factos com interesse para a decisão da causa: 3.1 – Factos provados: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: A) A Autora dedica-se à indústria de seguros em diversos ramos.

    1. No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a sociedade “(…), SA”, na qualidade de tomadora, o contrato de seguro...

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