Acórdão nº 2346/19.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO L….., nacional da Gâmbia, intentou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna / SEF, impugnando a decisão da Diretora Nacional do SEF de 14/10/2019, que considerou inadmissível o seu pedido de proteção internacional, pedindo se julgue procedente e se condene o réu a proceder às diligências procedimentais necessárias à reapreciação do pedido e à prolação de nova decisão administrativa dos pedidos de proteção internacional que formulou.

Alega, em síntese, que a decisão impugnada viola os princípios da legalidade, da imparcialidade, da boa-fé, da colaboração e do inquisitório.

Citado, o SEF apresentou resposta, pugnando pela improcedência do pedido.

Por sentença datada de 15/05/2020, o TAF de Beja julgou a ação procedente, determinou a anulação da decisão impugnada e condenou a entidade requerida a proceder a nova instrução, com recolha de informação sobre as condições de acolhimento em Itália, bem como a observar, no âmbito da tramitação do procedimento, o direito de audiência prévia do autor.

Inconformada com esta decisão, a entidade requerida interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1ª – A autoridade recorrida não concorda com os termos da sentença ora recorrida; 2ª – O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia a Itália (cf. art.º 25.º, n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013, e art.º 37º, nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei do Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência; 3ª – De harmonia com o art.º 25 nº 2 do Regulamento Dublin e o art.º 37º, nº 1 da Lei do Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro (E.M.) responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho, tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite.

  1. – Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional, nos termos dos artºs 19º-A, nº 1, a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, E.M. responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 5ª – Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação no regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

  2. – Estamos perante um procedimento em que o E.M. responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18º, do mesmo Regulamento.

  3. – No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.º 5.º do Regulamento 604/2013 ex vi art.º 36.º, n.º 1 da Lei 27/2008, foi realizada entrevista pessoal ao requerente que deu origem ao respetivo Relatório; do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 8.ª – No tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo na Itália, nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do recorrido a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o recorrido não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional.

  4. – Para melhor corroborar a posição do ora recorrente veja-se a argumentação do TCA Sul por Acórdão de 21/11/2019, sob o proc.1258/19.7BELSB e no proc.1361/19.3BELSB em 30/12/2019.

  5. – E, ainda, os Acórdãos do TCA Sul (processos nºs 559/19.9BELSB, 743/19.5BELSB, Processo n.º 1353/18.0BELSB, Processo 1740/18.3BELSB, entre outros). A estes, juntam-se os recentes Acórdãos do TCA Sul de 30/01/2020 e 13/02/2020 proferidos respetivamente nos processos nº s 1069/19.0 BESNT e 2368/19.6BELSB e sobretudo, o Acórdão do STA de 16/01/2020, proferido no Processo nº 2240/18.7BELSB (cf, também os Acórdãos do STA de não admissão de revista de 02/04/2020 e de 21/05/2020, nos Procs. 1322/19.2BELSB e 1300/19.1BELSB.

  6. – Com efeito, no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo na Itália, afigura-se-nos curial que inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, nem, em momento algum, o ora recorrido, concretizou em que medida foi sujeito a uma situação de falha sistémica ou tratamento desumano durante a sua permanência em solo italiano, negando-se qualquer deficit instrutório.

    12 ª – Sobre a inexistente preterição da formalidade essencial da pronúncia, aliás, contraditada a fls. 21 pela própria sentença, invoque-se o Acórdão do STA de 26.05.20, proferido no proc. nº 646/19.5BELSB.

  7. – Contrariamente ao que a sentença refere, ao ora recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito”.

    O recorrido não apresentou contra-alegações.

    * Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença ao considerar que: - ocorre défice instrutório do procedimento; - ocorre preterição da audiência prévia do recorrido.

    Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

    * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A) Em 1 de Agosto de 1994, o Autor nasceu na localidade de Kudang, Gâmbia _ cfr. fls. 1 do processo administrativo, constante a fls. 75 - 131 dos autos; B) Em Relatório denominado “Out of Sight”, divulgado em 7 de Fevereiro de 2018, a Organização “Médicos Sem Fronteiras” (MSF) declarou que “[em] Itália - Cerca de 10 mil migrantes e refugiados vivem em condições desumanas na Itália devido às políticas de acolhimento inadequadas, (…). [assim] Refugiados e migrantes vivem em assentamentos informais e têm acesso limitado a serviços básicos.” _ cfr.

    https://www.msf.org.br/noticias/italia-migrantes-e-refugiados-margem-da-sociedade “ex vi” artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; C) No Relatório mencionado em B), a MSF pedia às “(…) autoridades nacionais e locais a garantia de que todos os migrantes e refugiados em Itália tenham acesso a cuidados médicos, abrigos, alimentos e água potável durante todo o período de permanência no país, independentemente de seu status legal. (…) [pois] milhares de pessoas que têm direito a refúgio e protecção nem sequer têm um abrigo decente para dormir, comida suficiente ou acesso a um médico.” _ cfr.

    https://www.msf.org.br/noticias/italia-migrantes-e-refugiados-margem-da-sociedade “ex vi” artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; D) No relatório mencionado em B), a MSF mais acrescentou que, “os refugiados e os migrantes vivem à margem da sociedade devido a um sistema de acolhimento inadequado e políticas fronteiriças nocivas. Além disso, as políticas destinadas a promover a inclusão social de migrantes e refugiados no nível nacional, regional e local são mal implementadas.” cfr.

    https://www.msf.org.br/noticias/italia-migrantes-e-refugiadosmargem-da-sociedade “ex vi” artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; E) O Relatório mencionado em B) “mostra que refugiados e migrantes vivem em grupos menores em relação a 2016, porque os despejos destruíram os assentamentos informais em que se encontravam. Sem a oferta de alojamento alternativo, depois de serem despejados, os refugiados e os migrantes são forçados a procurar abrigo em lugares isolados do resto da sociedade, como edifícios abandonados. [pelo que] A população de refugiados e migrantes está agora mais espalhada. Isso, junto com as barreiras linguísticas e administrativas, torna mais difícil para eles o acesso a serviços sociais e cuidados de saúde, bem como aspectos básicos como água limpa, comida e electricidade. [sendo] Os voluntários locais [que] frequentemente fornecem assistência e acesso a esses serviços para migrantes e refugiados fora do sistema de acolhimento governamental. Esses voluntários muitas vezes são submetidos a uma enorme pressão por parte das autoridades nacionais e locais, que em alguns casos até abriram processos judiciais contra eles.” _ cfr.

    https://www.msf.org.br/noticias/italia-migrantes-e-refugiados-margem-da-sociedade “ex vi” artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; F) A MSF também realizou um segundo Estudo, intitulado "Harmful Borders", no qual relata que “(…) apesar de o Acordo de Schengen ainda estar formalmente implantado, os migrantes são bloqueados nessas fronteiras, vivendo em assentamentos informais com acesso limitado a serviços...

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