Acórdão nº 108/20.6BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL FERNANDES
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO U..., veio deduzir Intimação para prestação de Informações e passagem de certidões, sob a forma de processo prevista nos artigos 104.° a 108.° do CPTA, aplicáveis por força da al. j) do n.° 1 do art.° 92.° em conjugação com o art.° 146.° do CPPT, contra a VICE-PRESIDÊNCIA DO GOVERNO REGIONAL E DOS ASSUNTOS PARLAMENTARES.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 27 de Junho de 2020, julgou i) improcedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e ii) procedente o pedido de informações formulado pela Requerente U... e, em consequência, intimou, a Entidade Requerida a, no prazo de dez dias, prestar a informação requerida: morada completa e actual de todos os alunos da melhor identificados pelo nome e NIF no requerimento de 10 de Julho de 2019, referido em A) do probatório.

Não concordando com a sentença, a VICE-PRESIDÊNCIA DO GOVERNO REGIONAL E DOS ASSUNTOS PARLAMENTARES veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões: «A) Vem o presente recurso interposto da decisão do Meritíssimo Juiz a quo de deferimento da intimação para prestação da informação morada de alunos da ora Recorrida, por si identificados pelo nome e NIF, para efeitos de proceder à recuperação e regularização de dívidas de propinas desses alunos, conforme alínea a) da matéria dada por assente pelo tribunal a quo, B) com fundamento no Regime da Administração Financeira do Estado, o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, no Decreto-Lei n.° 319 -A/88, de 13 de Setembro, no Estatuto da U..., na Lei n.° 37/2003, de 22 de Agosto, e no princípio da proporcionalidade (n° 2 do artigo 266° da CRP).

C) A 14/04/2020 o pedido de informação foi indeferido, com fundamento, em suma, no facto de, estatuindo o artigo 64° da LGT as duas dimensões que integram o sigilo fiscal, a mais estritamente patrimonial e a mais estritamente pessoal, ser de enquadrar o elemento solicitado (morada) na dimensão pessoal do dever de sigilo fiscal, sendo que a legitimidade de acesso aos elementos solicitados pelo Requerente (que se encontram, de acordo com o n° 1 do artigo 64° da LGT, sujeitos a dever de sigilo fiscal) não foi estabelecida em qualquer norma (cfr. artigo 64° n° 2 alínea b)).

D) A referida decisão administrativa encontrou a sua fundamentação jurídica na Lei Geral Tributária (LGT), nas instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre esta matéria (Instrução n.° 19 - DSJT/2016 _ Instruções relativas ao Dever de Confidencialidade, artigo 64.° da LGT), veiculadas na informação de 09/11/2016 da Direção de Serviços de Justiça Tributária, no Parecer n.° 7/2013 da Procuradoria-Geral da República, publicado na 2.a série do Diário da República a 16/10/2015, e ainda em alguma doutrina relativa ao sigilo fiscal.

E) Com efeito, a douta sentença não pode ser aceite pela ora Recorrente, pois, não obstante o tribunal a quo não ter controvertido o facto de que a morada é um dado pessoal, F) de ter demonstrado estar ciente de que pela proibição prevista no artigo 64.° n° 1 da Lei Geral Tributária ficam abrangidas não apenas as informações de natureza estritamente pessoal (como a morada), mas ainda as referentes à situação económico-financeira, ao património e aos actos jurídico- negociais (vide fls. 22 da sentença), G) de ter compreendido o essencial da fundamentação da administração tributária para indeferir o pedido (vide fls. 12 da sentença), H) e de ter referido legislação e doutrina pertinentes para a decisão (vide fls. 15 da sentença), I) acaba por fazer tábua rasa da fundamentação de direito por si exposta na sentença, e concluir em sentido diverso da mesma (invocando outra, e com o devido respeito, irrelevante fundamentação de direito).

J) É que o facto de o tribunal a quo considerar que as propinas são tributos e que as universidades públicas são administração tributária (cfr. fls. 23 e 25 da sentença) não implica que possa derrogar normas de natureza imperativa visando a garantia da confidencialidade dos dados dos contribuintes (dos com natureza pessoal e dos relativos à situação tributária).

K) Passamos então a procurar sumariar e complementar o projeto de decisão que já aqui se deu por integralmente reproduzido: L) Nos termos do n°. 1 do artigo 64°. da Lei Geral Tributária (LGT), os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre: a) os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes; b) e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

M) Sendo que, tal dever de sigilo apenas cessa nas situações tipificadas no n°. 2 do mesmo artigo, de que se destaca na alínea b) a cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes.

N) De referir, no entanto, que a derrogação do sigilo fiscal com fundamento nesta alínea, pressupõe a existência de uma norma específica que atribua à entidade pública que solicita os elementos, poderes de acesso à informação protegida. Com efeito, esta não é uma norma de aplicação direta, mas de remissão para os preceitos legais que, no caso afastem o dever de sigilo.

O) Neste contexto, as questões que importam aqui esclarecer, serão as de saber: P) se a morada de um contribuinte pessoa singular é (ou não), um dado abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n°. 1 do artigo 64°. da LGT, Q) em caso afirmativo, se este dever de sigilo poderá (ou não) cessar, no âmbito da cooperação legal da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com outras entidades públicas, designadamente com a “U...”, ora Recorrida, nos termos da alínea b) do n°. 2 do artigo 64°. da LGT.

R) Vejamos então em primeiro lugar, se a morada de um contribuinte pessoa singular é (ou não), um dado abrangido pelo dever de sigilo, nos termos do n°. 1 do artigo 64°. da LGT.

S) Do considerando 4) e do artigo 4° ponto do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), bem como da alínea a) do artigo 3°. da Lei da Proteção de Dados Pessoais - LPDP (Lei n°. 67/98, de 26 de outubro) resulta que o domicílio fiscal ("qualquer informação”) relativo a um contribuinte pessoa singular que seja “identificado ou identificável" (por exemplo: através do nome; do NIF; do cartão de cidadão, etc.), constitui um dado pessoal abrangido pelo dever de sigilo profissional.

T) Assim sendo, isto é, por ser uma informação relativa a uma pessoa singular que, no caso em concreto, seria, desde logo, identificada através do respetivo nome, a morada de cada um dos estudantes (contribuintes pessoas singulares) cujas propinas estão em dívida à ora Recorrida, é um dado pessoal de cada um desses mesmos contribuintes.

U) Acresce que, de acordo com as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre esta matéria (Instrução n.° 19 - DSJT/2016 _ Instruções relativas ao Dever de Confidencialidade, artigo 64.° da LGT), veiculadas na informação de 09/11/2016 da Direção de Serviços de Justiça Tributária, a fls.6 a 8, “Estão abrangidos pelo dever de sigilo, nos termos do n.° 1 do artigo 9.°. do Decreto-Lei n.°. 14/2013, de 28 de janeiro, conjugado com o n.°. 1 do artigo 36° e artigo 41.° do mesmo diploma legal (estes últimos, inseridos no Título III, Capítulo II que se refere à proteção de dados pessoais), os seguintes elementos identificativos relativos a determinado contribuinte pessoa singular (titular do NIF): a) Nome completo; b) domicilio fiscal: c) Estatuto fiscal, de acordo com as regras de conexão de residência previstas no Código do IRS; d) Naturalidade; c) Nacionalidade; f) Data de nascimento; g) Sexo; h) Número de documento de identificação civil e respetiva designação; í) Número de Identificação Bancária (NIB) au Número Internacional de Conta Bancária (IBAN); j) Grau de deficiência; k) Contatos telefónicos: i) Correio eletrónico. Assim sendo, isto é, por constituírem dados pessoais relativos a determinada contribuinte pessoa singular, que estão abrangidos pelo dever do sigilo e que, em concreto, integram a base de dados do registo de contribuintes da AT, a sua transmissão a terceiros só poderá ocorrer nas condições previstas no n.° 2 do artigo 64.°. da LGT - cfr. artigo 37°. da Decreto- Lei n.° 14/2013 de 28 de janeiro. (...) Nos termos do n.° 1 do artigo 22.° da Decreto-Lei n.°. 14/2013, de 20 de janeiro, considera-se domicílio fiscal o estatuído no artigo 19.° da LGT. 5.1. O domicílio fiscal de determinado contribuinte pessoa singular, constitui um elemento identificativo/dado pessoal desse contribuinte (titular do NIF), que está abrangido pelo dever de sigilo nos termos da alínea b) do n.°. 1 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 14/2013, de 28 de janeiro, conjugado: com o n.° 1 do artigo 36. ° e artigo 41.° do mesmo diploma legal (...). Assim sendo, isto é, por constituir um dado pessoal relativo a determinado contribuinte pessoa singular (titular do NIF), que está abrangido pelo dever de sigilo e que, em concreto, integra a base de dados do registo de contribuintes da AT, a sua transmissão só poderá ocorrer nas condições previstas nas alíneas a) a c) do n.° 2 do artigo 64. ° da LGT (...) Em conformidade, aliás, com o que também decorre do disposto na alínea a) do artigo 3.° do Decreto-Lein.° 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais - LPDP) que, para efeitos desta lei, define 'Dados Pessoais" como sendo: “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável...

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