Acórdão nº 3/19.1GDSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido (...) foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª a) e c), do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de, até ao termo desse período, pagar à ofendida, (...), a quantia de 350,00 €, a título de danos não patrimoniais.

C) Absolvido da forma agravada do crime de violência doméstica de que vinha acusado, previsto e punido pelo artigo 152.° n.° 2 do Código Penal.

D) Dispensa de aplicação de penas acessórias, nos termos do art. 152°, n°s 4, 5 e 6 do Código Penal.

E) Arbitra-se à vítima do crime de violência doméstica, (...), a título de indemnização por danos moras, a quantia de 350,00€ ( trezentos e cinquenta euros ), e condena-se o arguido no pagamento desta quantia à vítima.

F) Entende, o recorrente que o Tribunal a quo na sentença ora recorrida ter incorrido em erro de julgamento, tendo feito uma incorreta aplicação do direito. A prova produzida em julgamento foi manifestamente insuficiente para dar como provados os factos da acusação. Houve por assim dizer insuficiência de provas produzidas para alicerçar a convicção do Tribunal acerca de determinados factos. O Tribunal a quo tirou uma conclusão emocional, parcial, ilógica, arbitrária, tendo realizado uma incorrecta apreciação da prova, no nosso modesto entendimento.

G) O recurso versa sobre matéria de facto, cuja prova consta toda dos autos uma vez que tem por base o depoimento testemunhal que foi gravado. Ora, de acordo com o art° 127° do C.P.P., salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é produzida segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

H) Na sentença do Tribunal a quo, a matéria dada como provada e relativamente ao crime de violência doméstica, salvo melhor opinião, encontra-se erradamente julgada, pois no nosso modesto entendimento -o comportamento do aqui recorrente não preenche o tipo de crime acima identificado, até porque a própria ofendida nem quis prestar declarações, quando muito poderia enquadrar o comportamento do arguido um crime de injúrias.

L) Do depoimento da testemunha (...) verifica-se que existiam conflitos entre o casal, mas nada que configurasse o crime de violência doméstica, tendo sido a situação constante na acusação, um "transbordar o copo", dum desgaste de anos do casamento. Tanto que a própria testemunha acabou por confidenciar ao Tribunal que pensava que o casal se dava bem, nunca tendo assistido a nenhuma discussão.

J) Da transcrição do depoimento da testemunha de acusação, (...) não foi o mesmo capaz de testemunhar os factos imputados ao arguido no libelo acusatório, referindo um único episódio, que no nosso modesto entendimento não se enquadram no tipo de crime de violência doméstica. Até porque a testemunha referiu nunca ter assistido a nenhum comportamento violento por parte do Recorrente, e a própria ofendida se queixava de discussões, nunca referindo ofensas nem verbais nem tão pouco físicas.

K) E ainda que assim não entendesse, deveria o tribunal a quo, por referência ao princípio basilar do processo penal "in dubio pro reo" ter absolvido o arguido da prática do mesmo, atenta a insuficiência da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento quanto aos factos concretamente vertidos na acusação.

L) Não resulta do texto da sentença recorrida prova suficiente e necessária para a condenação do arguido no tipo legal de violência doméstica. Certo é que o Tribunal a quo se baseou unicamente nas declarações da Testemunha (...), suportando a condenação nesse único testemunho, alicerçando a condenação nesse único depoimento.

M) A propósito do princípio da livre apreciação da prova o Professor Figueiredo Dias ensinou na na obra "Direito Processual Penal", 1.° vol. págs. 203/207, "o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imutável e incontornável - e portanto arbitrária - da prova produzida." E acrescenta que tal discricionariedade tem limites inultrapassáveis: "a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo".

N) Ainda segundo o Professor "a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E se a verdade que se procura é uma verdade prático jurídica, e se, por um lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, quando o tribunal tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudesse haver razões, por pouco verosímil que ela se apresentasse.

O) No que respeita à violação do princípio " in dubio pro reo ", entendemos ter existido tal violação na medida em que as provas recolhidas no processo não eram suficientes e não resultaram dos depoimentos das testemunhas certezas da prática dos crimes do qual vinha acusado, entendendo assim que existiam dúvidas para tal condenação.

P) Lançando mão da jurisprudência : " Procurando delimitar o âmbito de aplicação do principio in dubio pro reo escreveu-se no acórdão de 10.01.2008; proferido no proc. n° 07P4198, in www.stj.pt que "Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.° do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir-como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O in dubio pro reo, com efeito, ((parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» - Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, pág. 13)». E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).

Q) - Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as...

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