Acórdão nº 171/14.9TBPRG-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Em acção com processo comum para resolução de negócio em benefício da Massa Insolvente que corre por apenso a processo de insolvência no Tribunal de Comércio de Vila Real, movida por aquela contra diversas rés e em que foi chamada a intervir a ora apelante, foi, com data de 29-06-2020, proferido o seguinte despacho – que é o recorrido: “Aos 25.06.2020 veio a chamada X Insurance Company Limited juntar o seu articulado de contestação.
Compulsados os autos verifica-se que a ré foi citada em 28.04.2020, iniciando-se o prazo para apresentação da contestação em 29.04.2020 e terminando em 02.06.2020, podendo o acto ser praticado até ao dia 05.06.2020 – não havendo aqui que considerar a interrupção ou suspensão de qualquer prazo, por em causa se tratar de um processo apenso à insolvência, que à data da citação não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo para apresentação da contestação - (nos termos do disposto nos arts. 139º e 245º n.º 1 al. b) do CPC e art. 9º n.º 1 do CIRE).
Face ao exposto, tendo o acto em referência sido praticado em 25.06.2020, deve considerar-se extemporâneo, porquanto a contestação foi apresentada para além dos 30 dias legalmente previstos, mostrando-se igualmente esgotado o prazo adicional previsto no art. 139º para o efeito.
Assim, não se admite a contestação apresentada fora do prazo, determinando-se o seu desentranhamento e restituição ao apresentante.
Notifique.
*Havendo concordância de ambos os mandatários, consigna-se que a audiência prévia agendada terá lugar no dia indicado, pelas 11h40.
Notifique.“ A referida “X” não se conformou e dele interpôs recurso para este Tribunal, alegando e concluindo: “1. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou o desentranhamento da contestação da ora Recorrente, por alegada intempestividade do articulado.
-
Contudo, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, a contestação, foi apresentada dentro do prazo constante da citação enviada pela secretaria judicial.
-
A Recorrente apresentou a contestação supra referida de acordo com a citação recebida, ao contrário do despacho em crise, e não obstante ter sido citada em 28.04.2020, o seu prazo para contestar não terminou no dia 02.06.2020.
-
Isto porque da citação recebida (ref. citius 34362281) consta expressamente “O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.” (destaques nossos), não tendo sido feita qualquer referência na citação, a ser o processo em causa um processo urgente, e como tal não se suspendia nas férias judiciais, pelo que a Recorrente assumiu e tramitou o processo como sendo comum.
-
Desta feita, atendendo à situação pandémica os prazos processuais e tramitação dos processos comuns encontravam-se suspensos ao abrigo da Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril, a qual entrou em vigor no dia 7 de abril de 2020.
-
Ora, em clara contradição com o vertido na citação, o Tribunal a quo fundamentou a extemporaneidade da apresentação da contestação pela ora Recorrente, com base no artigo 9.º 1 o CIRE – decisão com a qual a Recorrente não concorda, pelos motivos que passa agora a expor.
-
Conforme já se adiantou, a ora Recorrente foi citada no dia 28 de abril de 2020, constando expressamente da citação (cfr. ref. citius 3436228) que “O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 5 dias”, não constando da citação, qualquer alusão à natureza do processo e muito menos menção ao artigo 9.º n.º 1 do CIRE.
-
Circunstância essa que é comum nos processos urgentes, o que constitui facto notório, fazendo o Juízo de Comércio, nas citações e notificações que enviam às Partes do processo de insolvência, referência expressa à natureza urgente do processo e que este corre em férias judiciais, o que, reitere-se, no caso sub judice não se verificou.
-
Assim a Recorrente, baseada na citação recebida, e assumindo como correta a menção expressa de que o prazo para contestar suspendia nas férias judiciais, a Recorrente não podia seguir outro raciocínio, se não o de que o prazo para apresentação da contestação em crise estaria suspenso.
-
E isto porque, a 19 de março de 2020, perante a situação de pandemia gerada pela Covid 19, foi decretado estado de emergência no território nacional e, nessa sequência, foram aprovadas medidas excecionais, as quais visaram o funcionamento dos processos judicias e dos tribunais.
-
Tais medidas foram aprovadas pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que ratificou os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/ 2020, de 13 de março.
-
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, suscitou algumas questões quanto à sua interpretação, tendo a mesma sido alterada pela Lei n.º 4 -A/2020 de 6 de abril.
-
No entanto o artigo 1.º da nova Lei não sofreu qualquer alteração, e dispunha, quanto aos processos comuns, o seguinte:“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.” (destaques nossos) 14.
Ora, ficam assim sanadas todas e quaisquer dúvidas quanto à tramitação dos processos comuns, resultando, quer da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, quer da Lei n.º 4 -A/2020 de 6 de abril, que nos processos não urgentes os prazos suspendem fez a Recorrente correta interpretação e contagem do prazo que constava da citação, para apresentação da contestação.
-
Figurando expressamente a menção na citação “o prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais” , a Recorrente assumiu que se tratava de um processo de natureza comum, ou pelo menos o apenso em crise do processo urgente, não teria sido considerado como urgente, que como se sabe é comum acontecer.
-
Posto isto e em função da pandemia Covid 19, a Recorrente viu o seu prazo suspenso por força da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, não sofrendo qualquer alteração com a Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril, pelo que, dúvidas não restam que de acordo com a citação recebida, a referida Lei aplica-se ao caso em concreto, porquanto o ato a praticar pela Recorrente – a apresentação da contestação – encontrou-se suspenso até ao dia 2 de junho, tendo a contagem do mesmo se iniciado no dia 3 de junho, por força da já referida Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.
-
Assim, o prazo para apresentação da contestação iniciou-se no dia 3 de junho, esgotando-se no dia 7 de julho (30 dias acrescidos de 5 dias de dilação).
-
Ora, a Recorrente apresentou a sua contestação no dia 25 de junho de 2020 (cfr. ref. citius n.º 2308711), quando o prazo para o efeito ainda não se havia esgotado, sendo por esse motivo o seu articulado tempestivo.
-
Nada fazia querer à Recorrente que estaria perante um processo urgente, uma vez que a citação era clara quanto à suspensão do prazo nas férias judiciais, tendo o Tribunal a quo andado mal quando diz no Despacho Recorrido que “não havendo aqui que considerar a interrupção ou suspensão de qualquer prazo, por em causa se tratar de um processo apenso à insolvência, que à data da citação não beneficiava de qualquer interrupção na contagem do prazo para apresentação da contestação – ( nos termos do disposto nos art. 139.º e 245 n.º 1al.b) do CPC e art. 9.º n.º 1 do CIRE).
-
Por outro lado, e a confirmar-se que efetivamente o prazo para apresentação da contestação era contínuo, não se interrompendo nas férias judiciais, e por essa razão aplicando-se o n.º 5 do artigo 7.º da Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril. (conforme entendimento do Tribunal a quo) e não beneficiando a Recorrente da suspensão das férias judiciais (conforme citação recebida), então é indiscutível que foi a Recorrente expressamente induzida em erro quanto ao prazo para apresentação da contestação.
-
Erro esse à qual a Recorrente é totalmente alheia e o qual é, integralmente, imputado à secretaria do Tribunal a quo, que, atendendo ao conteúdo da citação, gerou uma legítima expectativa de confiança na Recorrente que o processo tinha natureza comum, e não urgente.
-
Repare-se que, quem é citado é a parte que não tem qualquer obrigação de saber qual o prazo para contestar, confiando no que é mencionado na citação, e, por essa razão o artigo 157° n° 1 e n° 6 conjugado com o artigo 191° n.° 3 e 4 ambos do CPC, justificam e impedem que a contestação apresentada pela Recorrente seja recusada por ter sido apresentada nos termos e nos prazos indicados pela secretaria.
-
Em consonância com a uniforme Doutrina e Jurisprudência Portuguesa o prazo fixado pelas secretarias judiciais, nas suas citações/notificações, se superior ao legalmente previsto, por erro da secretaria judicial não corrigido atempadamente, aproveita ao visado, devendo, em consequência, ser-lhe permitido apresentar o acto processual dentro do prazo que lhe foi transmitido e em consonância com o seu teor.
-
Conforme referem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2ª ed. 2019, p. 205, em anotação ao artigo 157.º do CPC: “(…) as partes não podem, em caso algum, ser prejudicadas em virtude de erros ou omissões da secretaria judicial (cfr. STJ 3’-3-17, 6617/07), sobre a legibilidade da data afixada na nota de citação e início da contagem do para contestar), o que radica na ideia de que, devendo a secretaria judicial atuar nos termos da lei e segundo as orientações do juiz de que depende, as partes hão de poder confiar naquilo que os...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO