Acórdão nº 49/18.7BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO S......................

veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral 404/2017-T que, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade do Despacho do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Leiria, por delegação, datado de 2017/05/08, que indeferiu a Reclamação da Autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) de 2013, finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. A Requerente, na Reclamação Graciosa da Autoliquidação do exercício de 2013, solicita a anulação do acto de autoliquidação de IRC, por entender que o disposto no artigo 69º do CIRC (à data em vigor), e com base no qual o imposto foi apurado, ao excluir da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) as sociedades dominantes não residentes, e as sociedades que sejam indirectamente detidas pela sociedade dominante por intermédio de sociedades não residentes, está de forma clara a violar o Direito Comunitário, mais precisamente a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43º do Tratado da Comunidade Europeia.

  1. Nos termos melhor constantes no Despacho de Indeferimento a Autoridade Tribuária indeferiu a Reclamação Graciosa alegando que o que a Requerente pretendia era a aplicação retroactiva do disposto no artigo 69º-A do CIRC (introduzido pela Lei nº 82-C/2014, de 31/12/2014), contudo tal não e possível pois o referido preceito legal apenas é aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01 de Janeiro de 2015 (pontos 20 a 23 do Despacho de Indeferimento).

  2. No pedido de pronúncia arbitral, como causa de pedir a Impugnante reafirma a ilegalidade da autoliquidação, com fundamento na ilegalidade abstracta do disposto no artigo 69° do CIRC, face ao direito comunitário, alegando ainda que ao contrário do referido pela AT no Despacho de Indeferimento o que a Requerente pretende não é aplicação retroactiva do disposto no artigo 69°-A do CIRC, mas sim que se reconheça que o IRC do exercício de 2013 é ilegal, porquanto foi apurado com fundamento numa norma - artigo 69º do CIRC - que é abstractamente ilegal.

  3. Ou seja, o Despacho de Indeferimento é também ilegal porque atento o primado do Direito Comunitário, e estando a Autoridade Tributária obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, a mesma deveria ter considerado o acto tributário como ilegal, procedendo, em consequência à sua correcção.

  4. Nos termos melhor constantes no Acórdão Arbitral, o Tribunal Arbitral considerou o pedido da Impugnante improcedente alegando que: "(....) se a Requerente pretendia , com o perímetro indicado, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69° do CIRC, interpretado de acordo segundo a Jurisprudência do TJUE, ao exercício de 2013, deveria ter começado por reformula r, em tempo oportuno, o pedido de opção por aquele regime à AT. Não constitui argumento válido a alegação da Requerente de que o artigo 69º do CIRC não o permita. Com efeito, no seguimento da resposta da AT, se fosse negativa, abrir-se-ia então para a Requerente o direito de enveredar pela interposição de acção de reconhecimento de direitos ou acção de condenação à prática de acto devido nos tribunais tributários estaduais".

  5. O Acórdão Arbitral é nulo por excesso de pronúncia porque o Tribunal Arbitral decidiu com base numa questão que não foi suscitada pela Autoridade Tributária na fundamentação do Despacho de Indeferimento.

  6. Com efeito, em momento algum da fundamentação a Autoridade Tributária alega (ainda que de forma tácita ou implícita) que a pretensão da Impugnante não pode proceder porque a mesma não formulou em tempo oportuno o pedido de opção por aquele regime.

  7. No entender da Autoridade Tributária a questão aqui em causa não é o eventual incumprimento de um formalismo por parte da Impugnante, mas sim o facto da mesma entender que o artigo 69º do CIRC não é abstractamente ilegal, e que o disposto no artigo 69º-A do CIRC só se aplica aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01 de Janeiro de 2015.

  8. Aliás, não reconhecendo a Autoridade Tributária qualquer ilegalidade ao disposto no artigo 69º do CIRC, a mesma nunca poderia ter indeferido a pretensão da Impugnante com base no incumprimento desse formalismo, pois tal pressupõe, pelo menos de forma implícita, aceitar a ilegalidade do disposto no supra referido preceito legal. O que claramente não resulta da fundamentação.

  9. O que resulta da fundamentação é que no entender da Autoridade Tributária, não era legalmente possível que em 2013 a sociedade Abrasivos pudesse integrar o RETGS, porque era detida por uma sociedade não residente, e a alteração legislativa só aplicável aos factos tributários ocorridos após 2015.

  10. Ora, se a sociedade Abrasivos não pode (no entender da Autoridade Tributária), integrar o RETGS, por razões de ordem substancial e material, não faria sentido que a Autoridade Tributária indeferisse a pretensão da Requerente por incumprimento de uma questão formal.

  11. O que só demonstra que de facto esta questão nunca foi alegada pela Autoridade Tributária, nem muito menos constitui o fundamento para a decisão de Indeferimento.

  12. Assim, o Tribunal Arbitral ao decidir pela improcedência do pedido da Impugnante com base numa questão de direito que não foi suscitada ou sequer alegada pela Autoridade em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa, incorreu no vício de excesso de pronúncia.

  13. Como é demais sabido, a fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori, é a partir da fundamentação que o tribunal pode e deve aferir da legalidade do acto sindicado. A fundamentação constitui o ponto de partida e o limite para aferir da legalidade do acto sindicado.

  14. Deste modo, e considerando que a questão do alegado incumprimento do formalismo não foi suscitada pela Autoridade Tributária, nem a mesma constitui o fundamento para o indeferimento, não pode o Tribunal Arbitral decidir com base nessa mesma questão.

  15. O artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC estabelece que a Sentença é nula quando o juiz conheça de questões que não podia tomar conhecimento.

  16. Sendo que, as questões a que se reporta o supra referido preceito legal, são os pontos de facto e/ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, em que as parte centram o objecto de litígio (cfr. Ac. STJ, 05/02/2004:03638/ ITIJ / NET).

  17. Nos termos do disposto no artigo 498º, nº 4 do CPC nas acções de anulação, como sucede no caso em apreço, a causa de pedir é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido.

  18. Ora, a AT nunca apresentou como causa de pedir do seu pedido o incumprimento do alegado formalismo referido no Acórdão Arbitral, muito pelo contrário.

  19. Deste modo, e na medida em a questão supra referida, não constituiu causa de pedir deduzida pela AT (fundamentação), o Acórdão Arbitral ao fundamentar a improcedência da impugnação com base nessa questão, não poderá deixar de ser considerada nulo por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1 , alínea d) do CPC.

  20. O Acórdão Arbitral é ainda nulo por omissão de pronúncia porque o Tribunal Arbitral não apreciou, nem decidiu a questão colocada pela Impugnante, que é a de saber se o disposto no artigo 69º do CIRC, em vigor à data dos factos é, ou não, legal face ao disposto no Direito Comunitário, mais precisamente à Liberdade de Estabelecimento prevista no artigo 43º do Tratado da Comunidade Europeia.

  21. E ainda, se a Autoridade Tributária pode impor o apuramento e a liquidação de um imposto, com fundamento numa norma que seja violadora do direito comunitário.

  22. Como já vimos estas são as causas de pedir, isto é, estas são as questões colocadas pelas partes e sobre as quais o Tribunal Arbitral se deveria ter pronunciado.

  23. Contudo, e como se como conclui a partir do conteúdo do mesmo, em momento algum do Acórdão o Tribunal Arbitral dá a conhecer qual o sentido da sua decisão relativamente a estas questões.

  24. O Tribunal Arbitral limita-se alegar que o pedido da Impugnante não pode proceder porque não foi cumprido um formalismo legal, sendo certo que o mesmo não indica qual o preceito legal que impunha, ou previa, o formalismo alegadamente não cumprido pela Impugnante.

  25. O que saliente-se também é razão para se concluir pela sua nulidade, nos termos previstos no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

  26. Ou seja, o Acórdão Arbitral não refere qual o preceito legal que permitia, ou impunha, o exercício da opção pela inclusão da sociedade residente, detida pela sociedade não residente.

  27. E não refere, porque de facto tal preceito não existia à data, e a questão a decidir (e que não foi decidida) é precisamente a de saber se o artigo 69º do CIRC ao não prever essa possibilidade viola, ou não, o disposto no Direito Comunitário.

  28. Veja-se a este propósito o decidido no Acórdão Arbitral nº 279/2014 "Primeiro, no enquadramento legal vigente à data dos factos objecto de apreciação nos presentes autos a comunicação por parte da Requerente era destituída de sentido, porque a norma constante da alínea f) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC excluía do RETGS as sociedades residentes em ... detidas através de sociedades não residentes. Assim, a Requerente não comunicou a integração das sociedades detidas através de sociedades não residentes, porque tal não lhe era permitido pelas normas legais nacionais. Não se ignora que a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de autoliquidação de IRC e depois recurso hierárquico do indeferimento tácito, que também foi tacitamente indeferido. Segundo, o...

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