Acórdão nº 347/05.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.04.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por N….., SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2000.

    O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I - Salvo o devido respeito, consideramos que terá havido erro de julgamento na douta Sentença, relativamente à subsunção dos factos à previsão da norma do art. 23.º do Código do IRC.

  2. De acordo com aquela norma, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, como o caso de alguns seguros.

  3. Tendo a recorrida por objecto social, a produção, importação, exportação e o comércio de todos os produtos destinados à alimentação e ingestão, seus derivados e produtos similares e bem assim a aplicação a seres humanos, entendemos que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre esse objecto social e a indispensabilidade de custos com seguros de saúde e multiriscos em benefício de clientes.

  4. Considerando o objecto social da recorrida verifica-se a inexistência da indispensabilidade de custos fiscais destinados a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora relacionados com a atribuição de um pacote de seguros aos clientes do café "B…..".

  5. Os custos com seguros beneficiando clientes, ainda que podendo constituir uma estratégia de gestão da recorrida, não são enquadráveis no conceito de publicidade para efeitos do disposto no art. 23.º do Código do IRC, já que para efeitos fiscais, a aceitação dos custos com publicidade tem como escopo a indispensabilidade para a "realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

  6. Mais, de acordo com o estabelecido no n.º 4 da mesma norma só podiam ser considerados custos fiscalmente dedutíveis, os seguros de saúde que configurem situações de realizações de utilidade social enquadráveis nos n.ºs 2 e 4 do art. 38.º do Código do IRC (em vigor à data dos factos), circunstância que não se verificou na situação controvertida.

  7. Os seguros de saúde e multirisco, objecto da matéria controvertida, cujos beneficiários eram clientes da recorrida, não configuravam realizações de utilidade social, de molde a serem considerandos custos para efeitos do disposto no art 23.º, n.º4, conjugado com o art. 38.º, n.º 2 ambos do Código do IRC, em vigor à data dos factos.

  8. Podiam configurar custos relacionados com realizações de utilidade social, conforme previa o referido n.º2 do art. 38.º, os custos ou perdas até ao limite de 15% com as despesas do exercício escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como os contratos de seguros de vida a favor dos trabalhadores da recorrida.

  9. Mas os clientes da recorrida não eram trabalhadores da recorrida, como tal, nem sequer os custos relacionados com o seguro de saúde poderiam ser enquadráveis como realizações de utilidades social e aceites como custo fiscal para efeitos do art. 23.º, n.4 do Código do IRC.

    Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que considere o pedido improcedente relativamente aos custos relacionados com seguros constituídos a favor de clientes”.

    A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “

    1. A Fazenda Pública interpôs o presente recurso contra a Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 347/05.0BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que determinou a anulação da liquidação de IRC e JC, relativa ao exercício de 2000, na parte não anulada pela Administração Tributária e Aduaneira; B) Conforme se logrou demonstrar, a Fazenda Pública não cumpriu o ónus de alegar, em conformidade com o disposto no artigo 282.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do qual o RECORRENTE dispõe do prazo de 15 dias para apresentar as suas alegações de recurso, após ser notificado do despacho que admite o recurso; C) Com efeito, o documento que deu entrada nos autos, através do qual a Fazenda Pública refere que vem apresentar as suas alegações está incompleto, tendo sido apresentadas, apenas, 7 das 9 páginas do documento, que não contém a integralidade das conclusões, nem o pedido, nem a assinatura do Representante da Fazenda Pública; D) Para que se possa considerar um acto processual como validamente praticado é necessário que o seu envio seja completo, ou seja, no caso vertente era necessário que a Fazenda Pública tivesse junto as suas alegações de recurso, na sua versão integral, sob pena de se admitir que um Recorrente cumpra o seu ónus de alegar mediante o envio de apenas parte da peça, que no limite pode nem sequer ter terminado no prazo, suprindo no futuro, já para além daquele mesmo prazo legal, as deficiências do articulado apresentado (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Processo n.º 34/2001.Cl, em 26 de Setembro de 2006 e Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 22 de Maio de 2003, no âmbito do processo n.º 118/03, in www.dgsi.pt); E) Em suma, para que se possa falar de apresentação atempada de alegações, é forçoso é que haja alegações, ou seja, que se apresente ou transmita integralmente o referido articulado, não bastando um esboço ou ensaio inacabado dessa apresentação ou transmissão; F) E contra o exposto não se invoque que estamos perante um mero lapso susceptível de ser rectificado, uma vez que os lapsos consistem em meros erros de cálculo ou de escrita, relevados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, ou seja, tem de ser possível depreender do próprio documento, ainda que eivado com o lapso, qual era o alcance realmente pretendido, sendo certo que no caso vertente não está em causa qualquer erro de escrita ou de cálculo, mas antes a incompletude da peça processual apresentada; G) Em face do exposto deve considerar-se sem mais, que nos presentes autos não foi cumprido pela Fazenda Pública o ónus de alegar e, consequentemente ser o presente recurso julgado deserto nos termos do artigo 283.º do Código do Procedimento e Processo Tributário; H) Acresce que aa discussão da matéria de facto, implica, como vimos, ónus específicos de alegação, em conformidade com o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que não foram respeitados. Com efeito, a RECORRENTE não indica os concretos pontos da matéria de facto que pretende contestar, nem os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa. Ora, sendo incumprido este concreto dever de alegação a Lei o recurso deve ser rejeitado - n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil -, o que se peticiona; I) De facto, a RECORRENTE refere, no documento apresentado a título de alegações. que a constituição de seguros a favor de clientes não era indispensável à fonte produtora da Recorrida (cfr. pontos IV, IX e XVIII do documento junto a título de alegações) e que não são enquadráveis no conceito de publicidade (cfr. ponto XVII do referido documento). Porém, em nenhum momento coloca em causa os factos dados como provados pelo Tribunal a quo e que lhe permitiram concluir em sentido contrário, ou seja, no sentido de que a Recorrida demonstrou nos autos a indispensabilidade dos custos; J) Não obstante, e caso se considere que o referido documento consubstancia as alegações de recurso, sempre se deverá concluir pela improcedência do recurso e manutenção da Sentença recorrida; K) Conforme já supra avançado, o presente recurso foi interposto pela FAZENDA PÚBLICA, que não se conforma com a douta Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.º 347/05.0BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do qual a RECORRIDA impugnou o acto de liquidação adicional de IRC n.º …..

      , de 12 de Outubro de 2004, e as respectivas liquidações de Juros Compensatórios n.º …..

      e de Juros de Mora n.º …..

      e, demonstração de compensação n.º …..

      , respeitantes ao exercício de 2000, do qual resulta um montante a pagar no valor de € 1.439.056,63, emitidos na sequência de uma acção de inspecção ao seu exercício de 2000; L) O referido acto de liquidação tem por base, para além das correcções aceites pela RECORRIDA e das correcções entretanto anuladas pela ADMINISTR AÇÃO TRIBUTÁRIA em sede do Processo Administrativo Tributário, as seguintes correcções à matéria colectável da ora RECORRIDA: (i) outros custos não aceites relativos a seguros que têm por beneficiários clientes da RECORRIDA, no montante de € 129.283,04 e (ii) tributações autónomas relativas a despesas de representação, no montante de € 2.075, tendo apenas sido posta em causa pela Recorrente nas suas alegações de recurso, a Sentença recorrida na parte em que considerou dedutíveis os custos relativos a seguros; M) Significa isto que a ilegalidade da tributação autónoma das despesas de representação reconhecida pela Sentença recorrida não integra o objecto do presente recurso; N) No que respeita à não aceitação dos custos relativos a Seguros que têm por beneficiários clientes da RECORRIDA, a consideração por parte desta, como custo fiscal, para efeitos de apuramento da matéria colectável, dos montantes suportados com os referidos Seguros prende-se com o facto de estes ao integrarem um instrumento à data fundamental para a...

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