Acórdão nº 213/16.3PBSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de processo sumário, n.º 213/16.3PBSTB, da Comarca de Setúbal – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 3, o arguido (...), melhor identificado nos autos, foi julgado e condenado, por sentença proferida em 07/03/2016, transitada em julgado a 15/04/2016, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.

1.2. O arguido/condenado cumpriu as 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, que iniciou em 27/04/2018 e completou em 26/07/2019 (cf. relatório de avaliação a fls. 34-35 deste traslado).

1.3. Por factos praticados em 06/05/2016 e por sentença proferida em 30/05/2016, transitada em julgado em 16/03/2017, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efetiva.

1.4. Havendo conhecimento no processo n.º 213/16.3PBSTB da condenação referida em 1.3., foi designada data para a audição do arguido/condenado, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP, que teve lugar, no dia 22/10/2019.

1.5. O Ministério Público promoveu que fosse determinado o cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos autos. Sobre tal promoção recaiu despacho proferido em 12/11/2019, que decidiu revogar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 57º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 59º, n.º 3, ambos do CPP e ordenar o cumprimento da pena principal de 6 (seis) meses de prisão, em estabelecimento prisional.

1.6. Inconformado, o arguido/condenado recorreu de tal despacho, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões: «1. O recorrente não se conforma com a decisão em crise, porquanto a mesma apenas coloca em enfase na prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, durante o período de cumprimento da pena substitutiva nos presentes autos.

Ora, 2. A prestação de trabalho em que o recorrente foi condenado encontra-se totalmente cumprida.

Assim sendo, 3. A eventual revogação dessa pena acarretaria o desconto integral da pena de substituição; Depois, 4. A tese sustentada pelo Tribunal a quo, na relação directa com a promoção da Digníssima Procuradora do Ministério Publico, é contrária aos princípios fundamentais ínsitos no direito penal português que, seguindo de perto as recomendações do Conselho da Europa, privilegia a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão.

  1. E ainda que viesse a ocorrer uma eventual revogação da pena de prestação de trabalho, da conjugação dos nºs 2 e 4 do artigo 59º do CP, caso se verificasse que a mesma não havia surtido os efeitos da condenação, acarretaria, a posteriori, a necessidade de desconto dos períodos de trabalho comunitário, o que, in casu, se traduziria num desconto integral da eventual pena a cumprir, em virtude do cumprimento integral da pena substitutiva.

    De facto, 6. O cumprimento integral da pena TFC torna inócua a sua revogação, pois a decisão judicial a proferir, não pode “apagar” ou “restituir” ao arguido, as horas despendidas na execução da pena.” 7. O Tribunal a quo faz uma apreciação retro do teor do art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal, porquanto pretende revogar automaticamente a suspensão da pena de prisão, sem verificar se o comportamento criminoso descrito na decisão condenatória sustenta a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas; 8. O cometimento pelo recorrente de um crime (durante o período de cumprimento da pena substitutiva (que foi integralmente cumprida) não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição; 9. A revogação da pena substitutiva pela prática de crime terá que ter na sua base causas que “deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.” (in Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Janeiro de 2006, in www.pglisboa.pt); 10. A decisão recorrida funda-se exclusivamente no teor do CRC (actual), ou seja, aparentemente, o Tribunal a quo limitou-se a considerar que a simples prática de outro crime era suficiente para concluir pela revogação da pena de TFC; 11. O Tribunal a quo limitou-se a revogar a pena substitutiva com base na prática de um novo crime sem explicar fundadamente em que medida o cometimento deste é revelador da falência total da prognose positiva que esteve na base da sua aplicação e, por isso, deveria o Tribunal a quo ter recolhido os elementos necessários para decidir fundamentadamente, mormente, mediante a elaboração de relatório social, o que não aconteceu; 12. A condenação por novo crime cometido no período do cumprimento da pena substitutiva à pena de prisão não ditará, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição, mormente, mediante a aplicação do regime estatuído no do art.º 57.º do Código Penal (por remissão do art.º 59.º, n.º 2).

  2. Deste modo, a condenação posterior, ainda que em pena de prisão efectiva, conforme ocorreu com o recorrente, não permite, de forma automática, considerar que este se encontra definitivamente perdido para a sociedade, até porque, o cumprimento integral da pena de substituição em concreto, como foi o caso, permitirá sinalizar, em princípio, a manutenção da confiança na ressocialização do recorrente em liberdade.

    Por outro lado, 14. A decisão recorrida não revela ter equacionado a possibilidade de a prorrogação do período de trabalho comunitário, acrescido as 180 horas já cumpridas, sujeitando o recorrente a um novo regime de cumprimento, ao abrigo do disposto no art.º 57.º, nº 2 (in fine), por remissão do art.º 59.º, n.º 3, ambos do Código Penal.

  3. Sujeitando-se o recorrente a prorrogação do período do TFC, contado a partir do trânsito da decisão do recurso, permitirá ao Tribunal a quo poder vir a formular, oportunamente, um juízo mais informado e mais esclarecido sobre a eventual frustração, ou não, da prognose inicialmente formulada na sentença; 16. Afigurando-se prematuro, por tudo o que se disse, que o Tribunal a quo determine a revogação da pena de substituição, o recorrente requer V. Exas., Venerandos Desembargadores, a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a prorrogação do período de TFC, fixando-se um novo regime de cumprimento do mesmo.

    Mas, em caso desacolhimento, 17. O recorrente insurge-se, ainda assim, contra o cumprimento efetivo da pena de 6 meses de prisão, pelo que, propugna pelo cumprimento da pena em regime diverso da prisão efetiva, mormente, mediante a aplicação do regime jurídico da Lei n.º 94/2017 de 23/08.

  4. Perante a revogação da pena não privativa da liberdade (em cuja tipologia se enquadra a pena de trabalho a favor da comunidade), admite-se agora expressamente, que a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (artigo 43.º, n.º 1, al. c), do Código Penal).

  5. O novo regime jurídico traduz o entendimento generalizado (um novo pensamento político tendo em vista a diminuição do número de reclusos nos estabelecimentos prisionais, mediante a concretização de meios alternativos para a execução das penas de prisão) de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado.

  6. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.

  7. Assim, considerando, que a referida alteração legislativa entrou em vigor em 22/11/2017, impõe-se que seja equacionada a aplicação do novo regime de permanência na habitação, em termos de aplicação da lei penal no tempo (artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal), na consideração do princípio da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa).

  8. A norma transitória do artigo 12º da citada Lei n.º 94/2017 de 23/08 permite concluir que existe um juízo do legislador sobre o caráter mais favorável ao arguido do regime de obrigação de permanência na habitação em face ao cumprimento da prisão contínua, como nos parece ser claro esse mesmo juízo em face do contexto normativo-legal e também do grau de privação de liberdade que cada uma das penas contém.

  9. Com o regime de permanência na habitação evitam-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de...

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