Acórdão nº 359/20.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O…..

instaurou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna / SEF, na qual vem impugnar a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) datada de 06/01/2020, na qual se considerou inadmissível o seu pedido de proteção internacional, pedindo a sua anulação e substituição desse por outro ato que permita a análise do seu pedido.

Alega, em síntese, a existência de falhas sistémicas no que respeita ao procedimento de asilo e garantais processuais e na política de acolhimento dos requerentes de asilo em Itália, pelo que se impunha instruir o procedimento com informação sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes naquele país.

Citada, a entidade requerida apresentou resposta no sentido da improcedência do pedido.

Por sentença de 31/03/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a entidade requerida do pedido.

Inconformado com esta decisão, o requerente interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A. As questões suscitadas no presente recurso são as seguintes: a) do erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto dada por provada; b) do erro de julgamento de direito ao se entender que inexiste obrigação de indagação, por parte do SEF, enquanto órgão instrutor do pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente, das circunstâncias previstas no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin; - DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO, POR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO DADA POR PROVADA B. Compulsada a matéria de facto alegada pela Recorrente na Petição Inicial e aquele que é o julgamento de facto constante da sentença recorrida, assim como, considerando o objeto do litígio, é mister concluir que foi omitido do julgamento de facto matéria factual com relevo para a decisão a proferir, que fora alegada pelo Recorrente, no respectivo articulado, a qual respeita ao mérito do litígio e que se encontra demonstrada documentalmente (através do acesso aos endereços web indicados naquela peça processual); C. Com efeito, o Tribunal a quo não apreciou factos alegados pelo Recorrente (em particular, os constantes nos artigos 12.º, 13.º e 14.º da Petição Inicial) que eram de grande relevância para a decisão da causa; D. Assim, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto dada como provada no julgamento de facto da sentença recorrida, porquanto, de entre essa matéria, não foram considerados aqueles factos alegados pela Recorrente na Petição Inicial; E. Destarte, e ao abrigo do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, deve a matéria de facto provada ser aditada, para que dela passem a constar os factos vertidos nos artigos 12.º a 14.º da Petição Inicial, porque provados, com interesse para a decisão a proferir, cuja redacção proposta se apresentou com a alegação; - DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO AO SE ENTENDER QUE INEXISTE OBRIGAÇÃO DE INDAGAÇÃO, POR PARTE DO SEF, ENQUANTO ÓRGÃO INSTRUTOR DO PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL FORMULADO PELO RECORRENTE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 3.º, N.º 2 DO REGULAMENTO DE DUBLIN F. Conforme decorre do procedimento administrativo que foi levado a cabo pelo SEF, estes serviços não procederam a nenhuma indagação acerca da existência de falhas sistémicas no tratamento dos requerentes de proteção internacional em Itália; G. As circunstâncias políticas, de pressão migratória e de acolhimento a migrantes, existentes em Itália, são factos notórios, porque do conhecimento geral, sendo realidades facilmente acessíveis a qualquer cidadão mediamente informado, à Administração, designadamente ao SEF, ou a este Tribunal (artigo 412.º, n.º 1, do CPC); H. A prolação do “Decreto Salvini”, associado ao actual quadro político de Itália e à pressão migratória que continua a impender sobre este país, faz crer que as indicadas condições de acolhimento aos migrantes e requerentes de proteção internacional se mantenham deficitárias e cada vez mais debilitadas. Estas circunstâncias podem ser presumidas pelas regras da experiência comum, constituindo presunção judicial (artigos 349.º e 351.º do Código Civil); I. Não obstante, o Tribunal a quo decidiu (mal) que, na situação em discussão nos presentes autos, não impendia sobre o SEF qualquer obrigação de promover diligências instrutórias para aferir se deveria ser aplicada a “cláusula de salvaguarda” prevista no 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 3.º, do Regulamento de Dublin, previamente a proferir a decisão administrativa impugnada; J. Assim, ao contrário do sustentado na decisão ora recorrida, e na senda da posição defendida em diversa jurisprudência dos N/ Tribunais (citada no corpo das alegações), “não obstante o disposto nos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, e 25.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, não é verdade que tendo ocorrido uma situação de admissão tácita, se impõe ao Estado Português, de uma forma vinculada e sem mais, a tomada de decisão de transferência do requerente de proteção internacional”; K. De facto, tal decisão não poderia ser tomada “sem antes o SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em Itália, aferindo sobre eventuais falhas sistémicas nas condições de acolhimento, muito em particular quando o país de transferência seja algum país em relação ao qual sejam conhecidas ocorrências que podem justificar a ponderação prevista no n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Dublin, como é o caso de Itália.”; L. No sentido de tal obrigação, também o disposto no artigo 58.º do CPA, ao estatuir expressamente que “(...) mesmo que procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, [o responsável pela direção do procedimento e outros órgãos que participem na instrução, podem] proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados”, sendo que a violação de tal disposição legal pela Administração, como no caso em discussão nos autos, implica a anulação do acto praticado nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de carecer de qualquer sustentação a alegada insuficiência da matéria de facto dada como provada em sede de 1ª instância, pois na decisão foi vertida fundamentação com os necessários elementos, e sobre o alegado erro de direito, a decisão impugnada se mostra bem fundamentada e sem qualquer erro/vício passível de merecer reparo por parte deste Tribunal Central.

* Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir: - do erro de julgamento de facto da sentença por insuficiência da matéria de facto dada por provada; - do erro de julgamento de direito da sentença ao se entender que inexiste obrigação de indagação, por parte do SEF, enquanto órgão instrutor do pedido de proteção internacional formulado pelo recorrente, das circunstâncias previstas no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. A 5 de Dezembro de 2014, o A. formulou pedido de proteção internacional e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC em Itália, em Novara, registo esse que foi associado à referência …..

; Cf.

fingerprint form do EURODAC de fls. 3, questionário preliminar de fls. 5 e ss. e entrevista de fls. 20 e ss. [a numeração será, salvo menção em sentido contrário, do p.a., por referência à numeração do pdf disponível no SITAF, intitulado «Processo Administrativo "Instrutor"» a fls. 89 e ss.].

  1. O A. apresentou pedido de proteção internacional junto dos serviços do SEF, em Lisboa, no dia 18 de Novembro de 2019, declarando junto daqueles ser O…..

    , ser nacional do Gâmbia e ter nascido a 20-2-1994 em Latikunda Sabiji; Cf. formulário de fls. 1, o fingerprint form do EURODAC de fls. 2, o questionário de fls. 5 e ss. e a declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional de fls. 14.

  2. Aquando do pedido formulado em Portugal, foram recolhidas e registadas na base de dados do sistema EURODAC as impressões digitais do A.; Idem.

  3. Em 29 de Novembro de 2019, o A. foi entrevistado e, tendo sido perguntado sobre a saída do seu país e entrada e estadia no espaço da União Europeia, o A. respondeu, tendo ficado consignado no auto de entrevista, entre o mais, o seguinte: «(…) Data de saída do país de nacionalidade/origem? Saída Gâmbia em 10-06-2012 (…) Qual o percurso efetuado desde o país de origem até chegar a Portugal? Saí da Gâmbia e fui para a Líbia. Fui para o Senegal de autocarro e fiquei lá uma semana. De lá fui para o Mali de autocarro e fiquei 1 mês e duas semanas. Do Mali fui para o Níger de autocarro, fiquei uma noite e fui de pik-up para a Líbia onde vivi 2 anos e alguns meses. Fui para Itália de barco de fibra e passado um dia fomos resgatados do mar por um navio onde fiquei 4 dias até que cheguei a Taranto na Itália. De lá mandaram-me para um campo em Turim onde fiquei duas noites. De lá mandaram-me para um campo em Novara onde fiz o meu pedido de asilo e tiraram-me as impressões digitais. Fiquei num campo onde tinha alojamento e comida e assistência médica. Fui entrevistado mas não tive a sorte de obter documento. Recorri aos tribunais e obtive um documento válido por 2 anos por razões humanitárias. Quando o governo de Salvini veio...

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