Acórdão nº 404/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | Cons. Maria José Rangel de Mesquita |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 404/2020
Processo n.º 146/20
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 66 com verso), ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional adiante designada pela sigla LTC).
2. Na Decisão Sumária n.º 209/20 (cf. fls. 74-86), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, 4. e ss):
«II – Fundamentação
4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.
Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 638/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
5. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto.
6. Com relevância para o presente recurso, decorre dos autos o seguinte:
a) O ora recorrente, arguido no âmbito do Processo n.º 626/17.3T9MTJ, requereu a abertura de instrução, tendo, entre o mais, invocado a irregularidade da sua constituição como arguido e a nulidade do inquérito prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal (cf. fls. 24-31).
b) A esse propósito, assim se ponderou na Decisão Instrutória proferida em 27/11/2019 (fls. 32-43, cf. 5-Pressupostos Processuais, fls. 33-35):
O Tribunal é o competente e o assistente tem legitimidade para o exercício da acção penal.
Vem o arguido suscitar a irregularidade da sua constituição como tal, bem como a nulidade do inquérito prevista no art.º 120°, n.° 2, al. d), por insuficiência de inquérito, uma vez que, podia ter sido constituído arguido e interrogado nessa qualidade e não o foi, pelo que a aceitação da acusação particular e o respectivo prosseguimento do procedimento, sendo obrigatórias tais diligências, gera a nulidade por insuficiência do inquérito.
Resulta do ofício de fls. 44 que o OPC encarregado de proceder às diligências no sentido de constituir o denunciado como arguido e proceder ao seu interrogatório, não conseguiu os seus intentos uma vez que aquele nunca respondeu aos avisos convocatórias deixados na sua residência.
Consta ainda de fls. 73 a 82 e 84 a 90, que no dia 29.01.2019, depois de realizadas as diligências referidas acima, agentes da PSP se deslocaram por duas vezes à morada do denunciado, avistaram o veículo automóvel do denunciado estacionado no local, viram luzes acesas e aperceberam-se de movimento no interior da habitação, pelo que bateram à porta daquela residência mas ninguém respondeu aos respectivos chamamentos, pelo que, de viva voz, foram lidas as notificações, o denunciado constituído arguido e prestado TIR, tendo sido entregues, os duplicados respectivos, que foram deixados por debaixo da porta da residência do arguido, que se encontra certificada como sendo "Rua …, n.° …, …, Moita.
Posteriormente, no dia 05.02.2019, foi deixada na Esquadra do Montijo da PSP uma carta assinada com o nome "C.", onde é referido que os agentes deixaram os duplicados debaixo da porta da casa da eventual subscritora, mas que o arguido não é conhecido na morada indicada.
A fis. 111 e ss. consta um requerimento subscrito pelo arguido, no qual o mesmo afirma residir na Rua …, n.° …, …, Moita, o mesmo resultando do texto da procuração junta aos autos a fis. 123, do requerimento de protecção jurídica de fls. 133 e ss., do comprovativo de notificação da decisão da Segurança Social, relativamente ao pedido de protecção jurídica de fls. 154 e ss. e 158.
De acordo com o disposto no art.º 58°, do CPP, a constituição como arguido opera-se através de comunicação oral ou por escrito, efectuada por uma autoridade judiciária ou OPC, (n.° 2).
Por outro lado, de acordo com o disposto no art.º 272°, n.° 1, do CPP, é obrigatório interrogar o suspeito como arguido, salvo se não for possível notificá-lo, entendendo-se que esta notificação deve ser pessoal e obedecer ao preceituado no art.º 112º, n.º 3, do CPP.
Ora, tendo em conta todas as diligências realizadas nos autos e o declarado pelo próprio arguido, este reside, efectivamente, na morada que consta dos autos, onde os elementos do OPC o procuraram e deixaram ficar as notas de notificação, bem como todos os duplicados necessários à constituição como arguido, TIR e demais notificações.
Não foi possível notificar o arguido pessoalmente, pois que este, pese embora os muitos contactos que teve do OPC encarregue de realizar todas as diligências, sempre se furtou, reiterada e conscientemente, aos respectivos contactos.
Verifica-se, sem dúvida, deste modo, a impossibilidade de notificação pessoal do arguido, que é claramente patente dos autos, pelo que improcede a nulidade suscitada pelo arguido.
Sem custas, por o arguido se encontrar isento do pagamento de taxa de justiça.
Inexistem excepções, outras nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.».
c) Da Decisão Instrutória - «na parte que julgou improcedente a arguição de nulidade do vício de constituição de arguido» (cf. fl. 45) - foi interposto recurso para o TRL (cf. fls. 45-48), com as seguintes conclusões (fls. 46-verso-48):
«CONCLUSÕES
1.ª - O Recorrente arguiu a irregularidade da sua constituição como arguido, por entender que não foi constituído arguido, e interrogado nessa qualidade, donde, terem-lhe sido coarctados direitos de defesa dessa constitucionalmente protegidos e, sendo obrigatórias tais diligências, a sua omissão gera a nulidade por insuficiência do inquérito.
2.ª - O Mmo. Juiz de Instrução Criminal julgou improcedente a nulidade suscitada pelo recorrente com os seguintes argumentos:
1.-No que à obrigação de ser interrogado como arguido diz respeito, prevista no art.º 272°/1 do C.P.P , entendeu que a norma estabelece que é obrigatório interrogar o suspeito como arguido , salvo se não for possível notificá-lo, e que essa notificação deve ser pessoal e obedecer ao preceituado no art.º 112°/3 do CPP ;
2.-No que à constituição de arguido diz respeito entendeu que o Recorrente tinha sido validamente constituído como arguido, com a justificação, de que, nos termos do artº 58º/2 do CPP; "A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61,° que por essa razão passam a caber-lhe.
3. Resultando dos autos que não foi possível notificar o arguido porquanto este respondeu aos avisos convocatórias e constando de fls 73 a 82 e 84 a 90 que no dia 29.01.2019 os agentes da PSP se deslocaram, por duas vezes à morada do arguido avistaram o seu veículo automóvel estacionado no local, viram luzes acesas e aperceberam-se de movimento no interior da habitação , pelo que bateram à porta daquela residência , mas ninguém respondeu aos respectivos chamamentos, pelo que de viva voz ,foram lidas as notificações , constituído arguido e prestado TIR , tendo sido entregues os duplicados respectivos , que foram deixados por debaixo da porta da residência do arguido , que se encontra certificada como sendo Rua … , n° .. Moita , pelo não tendo sido possível notificar o arguido pessoalmente , verifica-se a impossibilidade de notificação pessoa do arguido, pelo improcede a nulidade invocada ,sendo VÁLIDA A CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
3.ª É deste despacho que se recorre, relativamente ao qual se verifica uma clara contradição entre o entendimento que o Mmo. Juiz tem do preceituado no art.º 272.°, n.° 1 do CPP, em que entende, e bem que esta notificação deve ser pessoal e obedecer ao preceituado no art.º 112.°, n.° 3 do CPP, e o entendimento que tem do preceituado no artº 58° n.° 2 ,do...
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