Acórdão nº 0579/17.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

***Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), representada pela Exma. Diretora-geral, com apoio no disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, recurso, para uniformização de jurisprudência, da decisão proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade A…………, S.A., processo nº 528/2016-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou procedente o pedido e anulou o ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios referente ao exercício de 2001, no valor de € 6.776.630,85, apontando-lhe contradição/oposição com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 26 de janeiro de 2010 (processo n.º 03222/09).

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « 1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, decisão prolatada pelo tribunal arbitral no âmbito do processo n° 528/2016-TCAAD, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber se as despesas incorridas com serviços médicos prestados a trabalhadores das empresas que fazem parte do grupo A…………, bem como, das despesas incorridas com serviços médicos prestados a ex-trabalhadores (reformados), podiam ser consideradas como custo indispensável, nos termos do art. 23° do CIRC, foram decididas diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.

2) Verifica-se a identidade de situações de facto porquanto, em ambos os processos esteve em causa determinar se dado custo, contabilizado pelas empresas em questão como despesas médicas da sociedade dominante e das sociedades do grupo, podiam ser considerados como custos nos termos do art. 23° do CIRC.

3) De facto, quer no Acórdão recorrido quer no Acórdão fundamento, as sociedades recorrentes eram sociedades dominantes de um grupo de sociedades e, como resultado de uma acção de inspecção, os Serviços da AT efectuaram correcções aos montantes declarados como custos com despesas médicas, hospitalares e medicamentosas com reformados e trabalhadores da empresa, e consideraram que os mesmos não se encontravam abrangidos pelo art. 23° do CIRC.

4) Em ambos os casos estamos perante o mesmo tipo de despesas efectuadas, basicamente com consultas médicas, despesas hospitalares e comparticipações de medicamentos e o mesmo universo de beneficiários, trabalhadores no activo e ex-colaboradores, reformados.

5) Verifica-se a identidade da questão de direito uma vez que quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de saber se tais custos se podiam enquadrar no art. 23° do CIRC tendo, também, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisado a questão de saber se, ao invés, os mesmos se podiam considerar como realizações de utilidade social e enquadrarem-se no então art. 38° do CIRC (Acórdão fundamento) ou no então art. 40º do mesmo CIRC (decisão arbitral recorrida).

6) E, deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram o artigo 23° do CIRC, bem como, a questão de saber se as despesas em causa com médicos, hospitais e medicamentos (medicina assistencial), realizadas com trabalhadores ou reformados da empresa podiam ser consideradas como custos à luz do mesmo artigo.

7) Contudo, o Acórdão fundamento e o Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.

8) Assim, enquanto para a decisão arbitral recorrida as despesas médicas, todas elas, incorridas com trabalhadores e reformados pelo grupo A…………, são custos dedutíveis nos termos do art. 23° do CIRC, atento o carácter da indispensabilidade e por a intenção que presidiu à assunção do encargo ser empresarial, logo, enquadrável no escopo social da empresa, vislumbrando esse carácter ou objectivo empresarial, tendo em vista a prestação de que poderiam beneficiar chegados à reforma, mesmo no caso dos reformados, já para o Acórdão fundamento, tais despesas quer com trabalhadores quer, por maioria de razão com reformados, não revestem tais características, pelo que, não se encontram subsumidas ao art. 23° do CIRC.

9) Por outro lado, também é divergente a interpretação feita pelo Acórdão fundamento e pela decisão arbitral recorrida no que toca a uma eventual consideração de tais despesas como realizações de utilidade social. Assim, enquanto para a decisão arbitral recorrida não são nem nunca seriam enquadráveis como tal, já o acórdão fundamento considera que só como tal poderiam ser consideradas, o que mais uma vez aponta claramente para a conclusão que aí é feita de que tais despesas não podem ser consideradas como custo à luz da cláusula geral do art. 23° do CIRC.

10) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão fundamento e do Acórdão arbitral recorrido, não ocorreu qualquer modificação legislativa que fosse susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida, no sentido de servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados na determinação da solução jurídica.

11) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre o Acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que o art. 23° n° 1 do CIRC foi entendido e aplicado diferentemente, no que toca às despesas médicas incorridas com trabalhadores e reformados, pelos referidos Acórdãos, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

12) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 25° n.° 2 do RJAT, 152° n° 1 do CPTA e 27° n° 1 al. b) do ETAF 13) Por outro lado, o presente Conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que o custo considerado como tal ao abrigo do art. 23° do CIRC podia ser aceite quer quanto a trabalhadores no activo quer quanto a reformados no que toca a despesas médicas com os mesmos suportadas fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação do referido artigo 23° e do art. 40° do CIRC, aos factos.

14) Como defendeu a ora recorrente, em sede de processo arbitral, conjugando o artigo o 23° e o art. 40° do CIRC, facilmente se conclui que as despesas suportadas pela ora recorrida, relacionadas com serviços médicos prestados por uma outra empresa do grupo a trabalhadores e reformados das empresas do grupo A…………, não são subsumíveis no art. 23° do CIRC por não serem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

15) Assim se decidiu, efectivamente, no Acórdão fundamento, ao deliberar que: “E o mesmo acontece quanto à parte dos custos contabilizados dentro do montante total desta verba desconsiderada e relativa a despesas médicas e medicamentosas, desta feita relativa a ex-empregados da própria sociedade dominante e ora recorrente, já que mesmo no critério mais amplo de indispensabilidade, de possível subsunção na norma do art.° 23° do CIRC, no sentido de relação de causalidade económica, com a admissibilidade fiscal dos encargos reputados de indispensáveis pelo órgão de gestão, dado que possam contribuir, ainda que indirecta ou mediatamente, para a percepção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora (9), no caso, tal relação, não vimos que se encontre estabelecida, não se vendo como tal desiderato possa ser alcançado, neste ou nos exercícios seguintes, ou seja a realização destes custos com despesas médicas e medicamentosas relativas a seus ex-empregados, já reformados, com os proveitos ou ganhos ou com a manutenção da fonte produtora da ora recorrente, (...) É que mesmo tais despesas relativas aos mesmos fins destinadas aos próprios trabalhadores no activo, quando facultativas, em que existe um vínculo laboral actual e logo sendo elas, mais facilmente susceptíveis de potenciar ou estimular o desempenho profissional dos mesmos com os inerentes proveitos ou ganhos para a contribuinte, quer nesse exercício, quer nos exercícios seguintes, os seus gastos encontram-se subsumidos como custos, não à sua cláusula geral contida no art.° 23°, mas sim na sua Subsecção V, art.° 37° e segs, no regime de outros encargos, isto é, não contidos nas normas anteriores, mais concretamente na do seu art.° 38°, e em todo o caso, condicionada ao prévio reconhecimento pela DGCI (...)” 16) Donde, contrariamente ao decidido na decisão arbitral recorrida, não é aplicável o art. 23° do CIRC, por faltar o requisito da indispensabilidade quer no que toca a despesas médicas com trabalhadores quer com reformados, sendo que no que toca a estes últimos, desde logo, por serem ex-colaboradores da empresa nunca poderiam tais custos ser considerados como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

17) Por outro lado, existindo no CIRC normas que especificamente prevêem “considerações de certas despesas efectuadas com realizações de utilidade social”, as referidas despesas com medicina assistencial estão directamente previstas no art. 40° do CIRC.

18) O que é certo é que tais despesas não são enquadráveis na al. d) do n° 1 do art. 23° do CIRC. Não só não são directamente pagas ao trabalhador, não constituem rendimento do trabalhador e também não são despesas individualizáveis relativamente a cada um dos beneficiários.

19) Assim, as mesmas despesas por necessariamente excluídas do art. 23° do CIRC, sempre cairiam na previsão constante...

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