Acórdão nº 0368/12.6BEAVR-C de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.
A………………….., LDA.
[doravante Executada], devidamente identificada nos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [doravante TAF/A], por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa que contra si foi movida pelo MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO BAIRRO [doravante Exequente] oposição sob forma de embargos de executado, nos termos do disposto no art. 729.º, al. a), do Código de Processo Civil [CPC] [na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26.06 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário] aplicável ex vi do art. 01.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA] [na redação anterior à alteração introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 (cfr. art. 15.º, n.ºs 1 e 2, do referido DL e art. 13.º, n.º 2, da Lei n.º 118/2019, de 17.09) - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário], peticionando a extinção da referida execução [cfr. requerimento de oposição de fls. 01/09 dos autos - paginação «SITAF» - tal como as referências posteriores a paginação, salvo expressa indicação em contrário].
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O TAF/A por decisão de 09.10.2018 [cfr. fls. 69/83] veio a julgar procedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, declarou «extinta a execução», ordenando «o levantamento da penhora e o cancelamento do respetivo registo».
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O Exequente, inconformado recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N], o qual, por acórdão de 01.03.2019 [cfr. fls. 214/233], concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e determinou a baixa dos autos ao TAF/A «a fim de ser retomada a normal tramitação da execução».
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Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a Executada, agora inconformada com o acórdão proferido pelo TCA/N, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 243/267], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «...
A - O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 1/03/2019, que julgou improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos, em 1.ª instância, pela ora recorrente.
B - O aresto em recurso incorre em erro de julgamento ao considerar, que o exequente e ora recorrido, munido de Acórdão proferido no âmbito de providência cautelar de suspensão de eficácia que estabelece como condição de suspensão o pagamento de uma quantia, tem um título executivo bastante para exigir coercivamente a condição, quanto a própria providência foi revogada em consequência de incumprimento, após pedido para tal formulado pelo Município.
C - Atribuir efeitos condenatórios ao Acórdão dado à execução, distorce por completo a base de uma tutela cautelar administrativa, que foi pedida pelo Administrado contra a Administração.
D - Porque implica, desde logo, considerar que a decisão tanto pudesse ser exigida para por termo aos efeitos suspensivos da providência, como para exigir o cumprimento de uma obrigação, como se de uma condenação em processo comum se tratasse, levando a que de uma tutela cautelar se passasse para uma tutela definitiva (ainda que durante um certo período de tempo).
E - O erro de julgamento que aqui se assinala é patente e existe quando, da fixação de uma condição para manutenção dos efeitos suspensivos de uma providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo, se extrai uma verdadeira condenação que permita a sua executoriedade fora do âmbito da própria providência.
F - A questão que se suscita é a de saber se um Acórdão que estabeleceu como condição de manutenção da suspensão do ato, o pagamento de uma quantia, no âmbito de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de ato, e estabelecida nos termos do disposto no art. 122.º, n.º 2 do CPTA, tem os seus efeitos circunscritos à manutenção da suspensão do ato ou também tem efeitos condenatórios.
G - E, a considerar-se esta última hipótese, se essa condenação pode ser executada autonomamente, mesmo após ter sido pedida e decidida a revogação da providência, por se ter verificado o não pagamento da quantia imposta como condição.
… S - O Acórdão recorrido procede a uma incorreta interpretação dos artigos 270.º e segs. do CC, 122.º e 123.º do CPTA e 703.º, n.º 1, al. a) do CPC.
T - Dado que inexiste qualquer título executivo que legitime o Município recorrido a executar e exigir daquela qualquer preço pela utilização de imóvel, porque o Acórdão dado à execução foi proferido no contexto de um processo cautelar, e estabeleceu uma condição para manter suspenso um ato.
U - A não verificação da condição estabelecida determinou, na sequência do pedido do Município formulado em 18/10/2013, a revogação da providência, sendo esta a única consequência jurídica que naquele concreto contexto processual se poderia retirar do Acórdão que foi dado à execução, não se podendo retirar qualquer outro efeito.
V - O Acórdão dado à execução foi objeto de recurso de revista e o mesmo Tribunal que o emitiu, em 5/04/2013, sustentando-o exarou o seguinte: “Obviamente o seu incumprimento - no caso o não pagamento da importância fixada - não suscita dúvidas de interpretação. Apenas pode suscitar dúvidas da execução. / No caso nem nessa sede se suscita porque, como é evidente, não verificada a condição para a suspensão, o Município pode executar de imediato o ato” (sublinhado nosso).
W - Ora, o que é estabelecido pelo Acórdão dado à execução é uma verdadeira condição suspensiva, de que, para permitir a manutenção da suspensão do ato administrativo, se estabelece a dependência dum acontecimento futuro e incerto, de forma a que, só verificado tal acontecimento é que a sentença produziria os seus efeitos suspensivos.
X - A providência cautelar foi intentada pela requerente e ora recorrente e era a ela, e só a ela, que se atribuía um direito: o de ver suspenso o ato administrativo, condicionado a um determinado pagamento.
Y - Desta forma, o único efeito do Acórdão dado à execução era de que a própria recorrente, pagando os 4.000 €, gozaria dos efeitos suspensivos da providência, sem ficar dependente de qual iniciativa processual do Município até à decisão da causa principal, não pagando, conforme se citou supra do próprio TCA-N o Município poderia executar de imediato o ato.
Z - Pelo que, a condição fixada pelo Acórdão teria como único efeito a não produção dos efeitos suspensivos da providência enquanto não fosse paga a quantia de 4.000 €.
AA - Não podendo por conseguinte, produzir efeitos condenatórios do Administrado no âmbito de providência cautelar em que era requerente.
BB - E, em nenhuma circunstância, servir para dar cobertura a duas atitudes processuais do Município: a de verificar o incumprimento da condição e a de exigir o valor da condição.
CC - Porque, assumindo o Município que não lhe interessava exigir coercivamente a condição, ao ter peticionado a revogação da providência pela sua não verificação, posteriormente, cerca de dois anos depois, também não podia pedir os valores da condição incumprida.
DD - De todo o exposto, resulta que o Acórdão exequendo não é título executivo para exigir coercivamente a quantia mensal de 4.000 €, jamais o podendo ser depois de a providência cautelar ter sido revogada.
EE - E também porque a cessação da utilização das instalações foi determinada nos termos do art. 109.º do RJUE, norma de ordem pública insuprível pelo pagamento de qualquer quantia monetária! FF - Diferente entendimento, constitui errada interpretação do disposto nos artigos 270.º do CC, 122.º e 123.º do CPTA e 703.º, n.º 1, al. a), 705.º do CPC e 109.º do RJUE, preceitos incorretamente interpretados na decisão inserta no Acórdão recorrido.
GG - Sendo mesmo inconstitucional, por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP e concretizado no artigo 2.º do CPTA, as normas dos art. 270.º CC, 122.º, n.º 2 do CPTA e 703.º, n.º 1 al. a) do CPC quando interpretadas conjugadamente no sentido de que a condição suspensiva de natureza pecuniária inserta em sentença proferida em providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo pode servir de base a execução da condição após ter sido pedida e decidida a revogação da providência com fundamento em se ter verificado o não pagamento do quantitativo pecuniário estabelecido …».
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Devidamente notificado o Exequente, aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 278/296], concluindo nos seguintes termos: «...
1) Sumariamente e se bem percebemos, o que defende a Executada é que o Município só podia executá-la pela dívida enquanto a mesma se mantivesse a utilizar o prédio, o que é contraditório, pois tal seria sempre admitir os efeitos condenatórios que a Executada nega e, por outro lado, seria admitir que o Município, para poder executar a decisão judicial, tinha que continuar a tolerar a ocupação ilegal e abusiva da Recorrente.
2) Como bem refere o digníssimo TCA-Norte, a Recorrente não pode ignorar e optar por não cumprir parte da decisão judicial, escolhendo apenas a parte que lhe convém, tanto mais que, para além de nunca ter pago um cêntimo que fosse do montante mensal judicialmente fixado para se manter no imóvel, ainda veio a recorrer da decisão judicial do TAF-Aveiro que, a instâncias do Município, declarou a revogação da providência cautelar (cfr. factos provados nas alíneas J), K) e L), e só cessou a utilização do prédio na sequência de execução coerciva do ato.
3) A posição da Executada é, pois, a de recusa de cumprimento da decisão do Tribunal - por discordar da fixação da condição de pagamento dos € 4.000 mensais, entendeu e entende que não lhe é exigível e não tem que a cumprir, pois pretendia manter-se a utilizar o imóvel, indefinidamente, sem qualquer contrapartida, como aliás vinha...
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