Acórdão nº 413/14.0IDBRG-BC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução25 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Marinho Desembargador Adjunto: António Teixeira Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Relatório 1.

No incidente a correr por apenso aos autos de inquérito (Actos Jurisdicionais) nº413/14.0IDBRG que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga – Departamento de Investigação e Acção Penal – 1ª Secção de Braga, foi proferido em 29/11/2019, despacho judicial que na sequência do requerimento apresentado pela interveniente X,SA, determinou o levantamento da apreensão dos veículos, marca Mercedes, matricula QG e BMW, matrícula PC e a sua consequente entrega à mencionada interveniente.

  1. Não se conformando com o decidido pelo Mmo Juiz de Instrução, veio o Ministério Público recorrer, extraindo as conclusões que a seguir se transcrevem: «1.Veio a sociedade “X, S.A”, com o NIPC ……, arrogando-se proprietária dos veículos marca Mercedes, matrícula QG e BMW, matrícula PC, requerer o levantamento da apreensão que sobre estes recai e, consequentemente, a sua restituição.

  2. Por decisão proferida no apenso acima identificado, em 29.11.2019, pelo M.mo Juiz de Instrução, foi deferida a pretensão da requerente, sustentando-se a douta decisão recorrida, no facto de os veículos se encontrarem apreendidos na sequência de mandados de busca e apreensão, que se destinaram à recolha de meios de prova, que os veículos se encontram registados em nome da requerente, que esta é terceira em relação aos factos indiciados e que já decorreram mais de dois anos desde que os veículos foram apreendidos.

  3. Os veículos marca Mercedes, matrícula QG e BMW, matrícula PC, foram apreendidos em 28 de Novembro de 2016, data em que se encontravam na posse do arguido N. M..

  4. Este arguido encontra-se indiciado nos autos pela prática, em co-autoria material, dos crimes de Associação criminosa, Fraude Fiscal e de burla tributária contra a segurança social, p. p., respectivamente, pelos arts. 299.º, n.º1, do Código Penal, 104.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e 87.º do RGIT.

  5. Em 2 de Outubro de 2017, por decisão proferida no Apenso AB destes autos, transitada em julgado, foi indeferida idêntica pretensão à agora novamente formulada pela sociedade “X, SA”, no sentido de levantamento da apreensão e restituição destes veículos, considerando-se que, apesar do registo destes veículos a seu favor, estes estavam no domínio do arguido, seu habitual utilizador.

  6. Ora, conforme bem se fez constar da douta decisão recorrida, decorridos mais de dois anos “tudo se manteve igual”.

  7. Assim, não tendo, entretanto, ocorrido nenhuma situação que tenha alterado o estado de coisas subjacente à prolação da decisão proferida em 2 de Outubro de 2017, não se vislumbra razão para que agora seja proferida decisão divergente.

  8. Dispõe o art. 186.º, n.º1, do C.P.P. que, logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito.

  9. Sucede que, no caso, a manutenção da apreensão continua a ser necessária, não sendo suficiente para concluir em sentido contrário, o mero decurso do prazo desde a data em que esta teve lugar.

  10. Efectivamente, a complexidade da presente investigação, demanda essa demora, sendo que, além do mais, importam realizar diligências com vista a aferir se os veículos apreendidos foram utilizados para a prática dos factos em investigação, ou se constituem vantagem, ainda que indirecta, destes.

  11. Dispõe o n.º1, do art. 109.º do Código Penal que, são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou oferecerem sério risco de serem utlizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico, todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para sua prática.

  12. Exige-se assim, nesse normativo, para efeitos de perda, que o objecto tivesse servido para a prática do crime, tendo vindo a entender a jurisprudência, de maneira praticamente unânime, que essa utilização terá que ser ponderada numa graduação de essencialidade, ou seja, que sem a utilização desse objecto o crime dificilmente seria cometido nos moldes em que o foi.

  13. Resulta dessa exigência que não basta a existência de um nexo de causalidade entre o objecto e a prática do acto ilícito, mas que este assuma, relativamente ao mesmo, um carácter significativo, ou seja, que sem a sua utilização o crime sempre seria cometido, mas de um modo totalmente diverso.

  14. Não obstante, a ser assim, como se compagina então a exigência desta relação de essencialidade com o segmento do normativo em análise que consagra a perda do objecto que estando destinado a servir a prática de uma infracção ali prevista, não chegou a ser utilizado? 15.Sobre a natureza do instituto da perda de bens escrevem Leal Henriques e Simas Santos que “... a perda dos objectos não tem uma natureza jurídica unitária. Tem um carácter quase-penal, quando se dirige contra o autor ou comparticipante no delito, a quem no momento da sentença pertencem os objectos, mesmo que sirva então, ao mesmo tempo, os fins de prevenção geral e a ideia de que essa perda ao incidir sobre o réu o pode afectar de forma mais severa do que a própria pena [...]. Mas apresenta-se como medida de segurança, quando é imposta sem ter em conta a questão da propriedade ou da má procedência; quando é imposta para proteger a comunidade, porque esta é posta em perigo pelos mesmos objectos ou quando existe o perigo de que possam servir para a comissão de outros factos antijurídicos. Conexionando os objectos com o perigo típico que acarretam para a prática de crimes, a medida deve essencialmente ser vista como medida preventiva e não como reacção contra o crime – o que explica que ela não esteja na dependência da efectiva condenação do arguido (n.º 2) [do art.º 109.ºdo Cód. Penal], podendo compreender-se perfeitamente que a perda deve ainda ser levada a cabo quando o arguido é absolutamente inimputável.” (Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos – Código Penal Anotado, 1.º Volume, 2.ª Ed., Rei dos Livros, Lisboa, 1997, p. 745.).

  15. Ora, o objectivo último do regime de perda de objectos como reacção à prática do crime é, na senda do interesse geral da comunidade, assegurar e garantir o combate ao crime, privando o agente dos bens que serviram para a sua prática e dos que foram seu produto, como medida dissuasora.

  16. Assim, fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade como princípio geral do direito, na sua tripla dimensão: adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito, tal significaria que o bem seria apenas declarado perdido quando tal medida fosse adequada e necessária à prossecução desse fim, mas também proporcional à medida resultante da ponderação do interesse geral da comunidade com direitos individuais, como por exemplo, o do direito de propriedade (que adveio por meios lícitos de aquisição).

  17. Ora, no caso em apreço, cumpre apurar, em sede da investigação em curso, se os veículos apreendidos, à data, utilizados pelo arguido N. M., foram ou não usados para o desenvolvimento da actividade delituosa denunciada e se existe, relativamente aos mesmos, o risco de serem utlizados para prática de crimes idênticos, sendo que, em caso afirmativo, a eventual perda dos mesmos a favor do Estado, caso venha a ter lugar, é necessariamente proporcional à medida resultante da ponderação do interesse geral da comunidade com os direitos individuais, como por exemplo, o do direito de propriedade (que advém por meios lícitos de aquisição), tendo em conta, desde logo, o valor total da liquidação provisória já apurado, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 1.º, n.º1, als. i) e e) e 7.º, da Lei 5.º/2002, de 11.01: €5. 546.713,80.

  18. Não obstante, ainda que assim não se conclua (que os veículos reúnem as condições para serem declarados perdidos a favor do Estado, ao abrigo do disposto no art. 109.º do Código Penal), há ainda que averiguar, em sede de investigação, se estes constituem ou não, vantagem, directa ou indirecta, da prática dos crimes indiciados.

  19. Efectivamente, resulta dos pontos 20 e 21, da factualidade indiciada, do auto de interrogatório judicial, que o arguido N. M. foi angariado para o cometimento dos factos indiciados, a troco de compensações monetárias e materiais.

  20. Assim, apenas a investigação em curso, poderá vir a esclarecer se o uso dos veículos apreendidos constituiu para este uma dessas compensações, ou se foram adquiridos com dinheiro proveniente da prática dos crimes indiciados.

  21. De harmonia com o disposto no n.º1, do art. 178.º do...

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