Acórdão nº 160/19.7T9SCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução25 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT) aplicou ao arguido A., melhor identificado nos autos, uma coima no valor de 700€, pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação prevista no art.º 4º, n.º 1 do DL n.º 126/2009, de 27 de Maio e punida pelo art.º 27º, n.º 1 do mesmo diploma legal (Condução de um veículo sem carta de qualificação de motorista).

O arguido interpôs recurso de impugnação judicial que veio a ser distribuído ao Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão – Juiz 1 que, decidindo o recurso por simples despacho, manteve a decisão administrativa.

Inconformado, recorre o arguido para este Tribunal da Relação retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1ª – O transporte de madeiras (rolos) em veículo pesado, por motorista cuja a atividade principal é a exploração florestal ou madeireiro, está isento de carta de qualificação de motorista, por a condução de tal veículo não ser a sua atividade principal, nos termos do artigo 3º al. i) do D.L 126/2009 de 27/05.

2ª - A interpretação restritiva firmada pelo Tribunal a quo - “a isenção prevista prende-se com a circulação de tais veículos de forma esporádica para permitir a chegada de materiais e equipamentos ao local de trabalho e não de mercadorias que é obtida pela atividade profissional de quem a transporta” – não pode extrair-se do texto da referida norma.

  1. - A decisão do Tribunal violou o disposto no artigo 9º nº2 do CC, e ainda o artigo 3º al. i) do D.L. 126/2009 de 27/05 e bem assim o artigo 2 G) da Diretiva 2003/59/CE; 4ª - Deve, pois, o arguido ser absolvido.

Respondeu o M.P., pronunciando-se pela improcedência do recurso, sustentando, em síntese, que o que legislador pretendeu isentar da exigência de qualificação de motorista, foi o transporte, efetuado por motorista não profissional, para finalidades puramente privadas e, portanto, esporádicas.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhou a posição do M.P. em primeira instância, emitindo parecer no sentido da rejeição do recurso.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente que o âmbito do recurso se afere e delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões formuladas pelo recorrente, a única questão a decidir é a de saber se o motorista cuja atividade principal é a exploração florestal está isento de carta de qualificação de motorista para o transporte de madeiras em veículo pesado por si conduzido, por a condução de tal veículo não ser a sua atividade principal.

II - FUNDAMENTAÇÃO: O teor da decisão recorrida é o seguinte: Considerando as questões colocadas pelo recorrente nas suas conclusões e a prova documental que instrui o presente processo, afigura-se-nos desnecessário proceder a produção de prova, tendo o Ministério Público e o arguido declarado a sua não oposição a que o Tribunal decida mediante simples despacho (cfr. fls. 39 e 46, verso), pelo que se passa a proferir decisão.

  1. RELATÓRIO: 1. O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., (doravante designado, apenas, por IMT), aplicou ao arguido A., melhor identificado nos autos, uma coima no valor de 700€, pela prática da seguinte contraordenação:  Condução de um veículo sem carta qualificação de motorista, prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 126/2009, de 27 de Maio, e punida pelo artigo 27.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

    1. Não se conformando com a decisão condenatória proferida, o arguido interpôs o presente recurso de impugnação judicial, ao abrigo do artigo 59.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que consagra o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (doravante designado RGCO), alegando, em síntese, que: ▪ violação do direito de defesa do arguido por não audição da prova arrolada pelo mesmo, com fundamento na sua inutilidade; ▪ está isento da necessidade de ter carta de qualificação de motorista, dado que a sua actividade principal é madeireiro e não condutor, sendo que, nas circunstâncias em que foi autuado, se encontrava a transportar madeiras originadas da sua actividade profissional.

    Conclui, pedindo, em primeiro lugar, a sua absolvição ou, caso assim não se entenda, a revogação da decisão administrativa, com produção de prova que arrolou.

  2. SANEAMENTO: O Tribunal é competente.

  3. QUESTÃO PRÉVIA: DA ARGUIDA NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS DE PROVA REQUERIDAS PELO ARGUIDO: Veio o arguido pedir que seja dada sem efeito a decisão administrativa pela omissão das diligências por si requeridas, na fase administrativa, tendo sido, assim, violado o princípio do contraditório e da defesa, ao não terem sido ouvidas as testemunhas que indicara na sua defesa escrita.

    Não obstante o arguido pedir seja dada sem efeito a decisão, afigura-se-nos que pretenderia invocar a existência da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, aplicável no processo contra-ordenacional por força do disposto no artigo 41.º do RGCO.

    Há que ver, então, se se verifica tal nulidade.

    O artigo 50.º do RGCO dispõe que: Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

    Por sua vez, o artigo 54.º do mesmo diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa.

    O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contraordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação[1] - artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

    No âmbito do processo de contraordenação, na fase da investigação e instrução, o direito de audição e defesa do arguido tem a sua pedra angular no artigo 50.º do RGCO, no qual se define que não é possível aplicar uma coima, ou uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar e, por tal forma, exercer o contraditório.

    Na...

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