Acórdão nº 41/18.1T9CBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2020

Data06 Maio 2020
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No inquérito nº 41/18.1T9CBR [Actos jurisdicionais], que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – Juiz 1, onde é arguido, RL, em 1 de Outubro de 21019, o Mmo. Juiz de instrução proferiu o seguinte despacho: O Ministério Público veio requerer a declaração de perda a favor do Estado das armas identificadas a fls. 139 ss com os fundamentos que aqui dou por reproduzidos.

Notificado, o arguido, não deduziu oposição.

* Cumpre apreciar e decidir: Nesta matéria dispõe o Código Penal que: Artigo 109.º Perda de instrumentos 1 – São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.

2 – O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.

3 – Se os instrumentos referidos no n.º 1 não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.

4 – Se a lei não fixar destino especial aos instrumentos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.

Embora dos elementos probatórios recolhidos nos autos se verifique o arguido não utilizou na violência exercida em relação às vitimas as referidas armas de fogo, verificando-se o tipo de factos, a personalidade revelada pelo arguido, e ainda a circunstância de a DGRSP informar que existem pendentes vários assuntos familiares por resolver como questões patrimoniais que podem causar tensão entre o casal bem como do processo de divórcio que não se concretizou e existindo deste modo sério risco que o arguido venha a praticar novos factos ilícitos típicos de violência sobre a pessoa da vitima.

Em conformidade, e nos termos do art.º 109º, n.º 1 do Código Penal declaro perdidas a favor do Estado as armas de fogo apreendidas nos autos – cfr. fls. 139-140 por existir concreto risco de serem utilizadas na pratica de factos ilícitos típicos, e a sua entrega à PSP – art.º 78º da Lei das Armas; Notifique.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1ª O presente recurso visa discutir a decisão tomada, por despacho de 01/10/2019 do Tribunal recorrido, que determinou a perda de armas (instrumentos) a favor do Estado, considerando o regime definido pelo art. 109º do Código Penal.

  1. Com efeito, nem a ausência de pronúncia prévia do recorrente à promoção do MP afecta ou preclude o seu direito pleno ao recurso constitucionalmente garantido (art. 32º nº 1 da CRP), sendo que decisão contrária o violaria ostensivamente, 3ª Nem existem razões que permitam questionar a tempestividade da interposição do presente recurso, face à falta de notificação do arguido do despacho que decretou a perda de instrumentos, corrigida posteriormente, considerando-se o arguido notificado deste a 18/11/2019, e daí, nos termos gerais, se contando o prazo de 30 dias para recorrer.

  2. Apesar de se constatar que o arguido não utilizou as armas nem como ameaça nem directamente contra a vítima, que cumpriu as injunções determinadas na suspensão provisória do processo – o que levou ao arquivamento do mesmo –, e que foi o próprio arguido, voluntariamente, a entregar as suas armas no posto da PSP, o Tribunal a quo determinou que, ainda havendo questões patrimoniais por resolver no processo de divórcio, existem razões para determinar a sua perda a favor do Estado.

  3. Para a aplicação da perda de instrumentos permitida pelo art. 109º nº 1 do CP torna-se necessária a verificação de dois requisitos cumulativos: I. Que os objectos em causa tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou que tenham sido seu produto [requisito subjectivo]; e II. Que os objectos sejam perigosos [requisito objectivo].

  4. Ora não consta dos factos indiciados no despacho que promove a suspensão provisória do processo (fls. 170 a 176 verso dos autos) qualquer menção de uso de violência através da utilização das armas apreendidas, ou sequer de ameaça da sua utilização, não existindo, também, um único que consubstancie qualquer violência física ou ameaça da mesma, 7ª Referindo ainda o MP que, ao ponderar os critérios para promover a SPP, concluiu que dos factos indiciados, à luz dos elementos de prova recolhidos, não se verifica grau elevado de culpa nem de ilicitude, e que o arguido, não possuindo quaisquer antecedentes criminais, “não demonstra ser detentor de uma personalidade criminógena”.

  5. Não existe, no caso dos autos, nenhum “perigo concreto” de utilização das referidas armas, uma vez que, para além de nada a esse respeito vir indiciado, podemos retirar da prova constante dos autos que: I. A própria ofendida (cfr. fls. 72 e 73), apesar de referir que lhe foram feitas ameaças pelo seu marido, afirma claramente, sem margem para dúvidas, que “o seu marido é caçador, tem várias armas de caça e outras, no entanto nunca as utilizou nem fez referência às mesmas nas ameaças que lhe tem feito”; II. Foi o próprio recorrente quem as decidiu entregar voluntariamente na esquadra da PSP (cfr. ofício constante nos autos, datado de 22/03/2018, a fls. 136); III. O arguido encontra-se devidamente licenciado para a detenção de todas estas armas (cfr. fls. 136); IV. O arguido cumpriu as injunções e regras de conduta prescritas no âmbito da suspensão provisória do processo, de tal modo que o processo se encontra arquivado (cfr. fls. 227); V. No Relatório Final de Acompanhamento da SPP, elaborado pela DGRSP, e constante a fls. 205 dos autos, pode ler-se, para lá da referência às possíveis tensões futuras relacionadas com o processo de divórcio, que o arguido compareceu às entrevistas, colaborou com os técnicos, cumpriu as injunções, demonstrou respeito pelo sistema judicial, e que, já não existindo residência conjunta com a vítima, não houve notícia da parte desta de ter sido importunada.

  6. Deve referir-se que o processo de divórcio de arguido e ofendida, autuado com o nº (…), e que corre os seus termos no Juízo de Família e Menores de (…), tem julgamento marcado para o próximo dia 16/01/2020, e nele já se encontra aceite, como data da separação de facto do casal, o dia 19/08/2016.

  7. Acresce que, boa parte das armas são herança de família do recorrente, tendo por elas uma especial afectação emocional e sentimental; 11ª O nosso legislador adoptou um critério de razoabilidade na aplicabilidade do “confisco” de instrumentos, exigindo, não apenas que estes sejam objectivamente susceptíveis de ser considerados perigosos por si, mas que tenham sido utilizados na prática de um facto ilícito típico, ou estivessem destinados a sê-lo.

  8. Tal consideração é de aceitação praticamente unânime, quer na doutrina – cfr. JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição do confisco à perda alargada, 1ª Edição, INCM, Lisboa, 2012, pp. 70 a 72, ponto 2.2 –, quer na jurisprudência – vejam-se essencialmente os Acórdãos da Relação de Coimbra de 04/11/2015 (VASQUES OSÓRIO) e da Relação do Porto de 25/03/2015 (ARTUR OLIVEIRA).

  9. A situação decidida no Acórdão da Relação de Coimbra de 04/11/2015 (VASQUES OSÓRIO) é em tudo análoga àquela que aqui se discute uma vez que tratamos do mesmo tipo de ilícito (violência doméstica), da mesma situação processual (aplicação bem-sucedida de suspensão provisória do processo), dos mesmos objectos (armas de fogo), e da omissão nos factos indiciados de qualquer referência à utilização de armas de fogo ou ameaça da sua utilização.

  10. No caso dos autos não se acha verificado o requisito subjectivo/destinação da perda de instrumentos, não havendo razões que justifiquem, em concreto, a existência de qualquer perigo de utilização das referidas armas.

  11. Entende o recorrente que o despacho deste Douto Tribunal de 01/10/2019 violou, assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art. 109º nº 1 do CP, ao decretar a perda de objectos que se não destinaram à prática de um facto ilícito típico, pelo que deve ser revogada, por ilegal, e substituída por uma que mande entregar ao recorrente as armas apreendidas e legalizadas, licitamente detidas pelo mesmo, identificadas...

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