Acórdão nº 83/20 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 83/2020

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A., Lda. e são recorridos o Ministério Público, B., C., S.A., D., Lda., E., F., Lda., G., CRL, H., I., J., K., L. e M., foi pela primeira interposto recurso (cfr. fls. 211-212), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal, proferido em conferência em 11 de julho de 2019 (cfr. fls. 188-192), que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente da decisão singular de 15 de maio de 2019 (fls. 161) que julgou inadmissível o recurso interposto para o STJ, não conhecendo do respetivo objeto.

2. Na Decisão Sumária n.º 832/2019 (cfr. fls. 263-274), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 5. e ss.):

«II – Fundamentação

5. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal a quo (cfr. fls. 246), com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Assim, cumpre, antes de mais, apreciar e decidir se é possível conhecer do objeto do recurso.

6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

7. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto – in casu o acórdão proferido pelo STJ em 11/7/2019.

7.1 No requerimento de recurso, a recorrente identifica a alegada questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada por este Tribunal do seguinte modo (cfr. requerimento, supra transcrito em I, 2): «a interpretação dos preceitos 15.º e 17.º do CIRE e 299.º e seguintes, 643.º e 629.º, n.º 1, do CPC, realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 11 de julho de 2019), suscitada no Requerimento apresentado a 02 de Maio de 2019 (…), é inconstitucional, por violação da Tutela Jurisdicional Efectiva e do Direito do Acesso ao Direito e ao Tribunal, previsto e consagrados nos artigos 2.º e 20.º do Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicáveis via artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa».

Nas «Alegações e Conclusões do Recurso», a recorrente enuncia deste modo a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada (cfr. Conclusão 24.º, fls. 234-235):

«24.º - Assim, a interpretação segunda a qual numa acção como a presente, ou seja, num Processo de Insolvência, não cabe ao Tribunal da Relação e/ou (sub indice, face à reclamação) do Supremo Tribunal de Justiça definir novo valor aos autos (nos termos dos artigos 15.º e 17 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas e dos artigos 299.º, n.º 4, 306.º, n.º 3 e 641.º do Código do Processo Civil) é inconstitucional, já que barra o acesso aos Tribunais e não permite uma Tutela Jurisdicional Efectiva.»

Concluindo, a final (cfr. Conclusão 30.º, fls. 235-236):

«30.º - Por todo o exposto, considera a Recorrente que a interpretação segunda a qual o valor dos presentes autos (a saber, do Processo de Insolvência) não é de conhecimento das instâncias superiores, sendo-o apenas de 1ª instância e, por via disso, não sendo admissível o Recurso de Revista Excepcional por os presentes autos não terem valor da alçada do Tribunal da Relação, é violadora do Princípio do Estado de Direito, da Tutela Jurisdicional Efectiva e do Acesso ao Direitos e aos Tribunal, previsto e consagrados nos artigos 2.º e 20.º do Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicáveis via artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.»

7.2 Perante o STJ, a recorrente, notificada do despacho de inadmissibilidade do recurso de revista por si interposto, requereu que sobre a matéria daquele recaia acórdão, nos termos seguintes (cfr. fls. 179-182):

«A., Ld.ª, insolvente no processo à margem referenciado onde é requerente E.,

Notificado da inadmissibilidade do recurso em presença, nomeadamente porque o mesmo não cumpre os requisitos gerais da admissibilidade dos recursos nos termos do número 1 do artigo 629°,

discordando com a posição versada em decisão singular, vem nos termos do artigo 679°, e número 3 do 652° requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

São fundamentos:

Nos termos do artigo 15° do CIRE, "Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real."

O valor real corresponde ao valor do ativo da insolvente.

Conforme consta do relatório do administrador de insolvência nos termos do artigo 155° do CIRE a fls. com referência 6514470, datado de 11/01/2008, o património está inventariado pelo valor de € 1.079,241,15 (um milhão, setenta e nove mil e duzentos e quarenta e um euros e quinze cêntimos.

Nos termos do número 1 do artigo 306° do código de processo civil, "Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes."

Por outro lado, diz-nos o número 2 do mesmo artigo que "2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.° 4 do artigo 299.° e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença"

Há uma clara discrepância entre o valor atribuído pelas partes e o valor real.

Assim, sempre haveria o poder-dever de alteração do valor da acção por parte da Exma. Senhora Juiz de primeira instância. O valor da acção corresponde a € 1.079,241,15, em larga medida superior à alçada do Supremo Tribunal de Justiça.

A omissão da alteração do valor, salvo opinião diversa, constitui nulidade por omissão de pronúncia.

Por outro lado, e em concreto, a omissão do dever de alteração do valor da acção consubstancia um impedimento à tutela jurisdicional efetiva nos termos do artigo 20° da CRP, tutela essa acautelada pela lei atento ao valor real da acção,

O valor deverá representar a utilidade económica do pedido, nos termos do número 1 do artigo 296° CPC, o que in casu não se verifica.

Ao demais, entende-se como inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, proporcionalidade, proibição do excesso e ofensa mínima da restrição de direitos fundamentais, a dimensão normativa e entendimento do art. 17.° CIRE no sentido de a remissão plasmada em tal norma legal para o CPC englobar igualmente a matéria dos recursos e seus requisitos de admissibilidade atentas as diferenças específicas face aos demais processos cíveis bem como a consagração especial, específica e já restritiva dos efeitos do recurso de douta sentença de insolvência;

Termos pelos quais, deverá o recurso ser apreciado, e como tal deverá ser alterado o valor da acção correspondendo o mesmo ao valor do ativo, caindo o impedimento de apreciação do recurso em virtude do valor ser inferior ao da alçada do Supremo Tribunal de Justiça.

DA TAXA DE JUSTIÇA: A insolvente está isenta do pagamento de taxa de justiça inicial nos termos da alínea u) do número 1 do artigo 4° do RCP.».

7.3 E, no acórdão do STJ de 11/7/2019, ora recorrido, assim se decidiu:

«Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

Notificada que foi do despacho do relator que considerou inadmissível o recurso de revista que interpôs, vem a Recorrente A., Lda. requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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A decisão do relator - formada pelos despachos de 23 de abril de 2019 (fls. 133 e 134) e de 15 de maio de 2019 (fls. 161) - é do seguinte teor:

Despacho de 23 de abril de 2019

«A., Lda. recorre de revista contra o acórdão da Relação de Guimarães proferido nos...

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