Acórdão nº 221/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 221/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os cinco juízes integrantes do Pleno da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pelo Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro (relator) e pelos Conselheiros Lino Rodrigues Ribeiro, Joana Fernandes Costa e Maria José Rangel de Mesquita, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 116/2020, previamente distribuído pelo relator, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pelo recorrente A. [artigo 70.º, n.º1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril)].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO Nº 221/2020

Processo n.º 116/2020

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público e outros, foi interposto o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 28 de maio de 2019.

2. O aqui recorrente, na qualidade de arguido em processo criminal, foi condenado pelo Tribunal de 1.ª instância numa pena única conjunta de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período e sujeita ao cumprimento de determinadas condições, pela prática de diversos crimes de falsificação de documento e de burla qualificada.

O acórdão condenatório foi publicado e depositado no dia 23 de julho de 2018.

No dia 30 de julho de 2018, a defensora oficiosa do arguido, ora recorrente, deu entrada em juízo de um requerimento onde comprova ter, nesse mesmo dia, requerido à Ordem dos Advogados a dispensa do patrocínio, aguardando a respetiva decisão (fls. 23406v).

Por ofício datado de 2 de agosto de 2018 e entrado em juízo na mesma data, a Ordem dos Advogados informou os autos de que havia nomeado novo defensor para patrocinar o arguido, ora recorrente (fls. 23450). Tal nomeação foi confirmada por despacho judicial com a mesma data (fls. 23457).

Por despacho judicial datado de 20 de agosto de 2018, foi prorrogado por mais trinta dias o prazo para interposição de recurso do acórdão condenatório.

O ora recorrente viria a interpor recurso da decisão da 1.ª instância no dia 3 de outubro de 2018.

Por decisão singular do relator no Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 28 de fevereiro de 2019, o recurso foi rejeitado com fundamento em extemporaneidade.

Inconformado com tal decisão, o arguido, ora recorrente, dela reclamou para a conferência.

Por acórdão datado de 28 de maio de 2019, o Tribunal da Relação indeferiu tal reclamação, confirmando a decisão do relator de rejeitar o recurso com fundamento em extemporaneidade.

Com interesse para os autos, pode ler-se no aresto:

«Este arguido considera, pois, que, com o pedido de dispensa de patrocínio apresentado pela anterior defensora na Ordem dos Advogados e, bem assim, com o requerimento de pedido de apoio judiciário formulado pelo referido arguido para nomeação de novo defensor, aliado ao teor do requerimento pelo mesmo apresentado, o prazo de recurso que estava em curso aquando do pedido de escusa deveria considerar- se interrompido, atento o disposto nos arts. 34.º, n.º 2 e 24.º, n.º 5, da Lei 34/2004 de 29 de julho, mais acrescentando que a interpretação preconizada pela decisão reclamada, ainda que se entenda ter cobertura na letra da Lei, é contrária a princípios e normas constitucionais, sendo por isso, inconstitucional, por violação:

i) do art.º 32.º, n.º 1 da CRP (limitando as garantias de defesa deste, nomeadamente o direito ao recurso);

ii) do art.º 13.º, n.º 1 da CRP (por consubstanciar uma interpretação geradora de desigualdade injustificada entre os direitos conferidos ao arguido e aos demais coarguidos, visto que o prazo de 60 dias conferido ao primeiro é menor - na prática, entenda-se - que o prazo de 60 dias conferidos aos demais) e

iii) do art.º 20.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP (por restringir a liberdade de acesso ao Direito e aos Tribunais pelo arguido representado no âmbito do apoio judiciário, não lhe permitindo ser julgado através de um processo equitativo que lhe permita, entre outros, um efetivo direito a sindicar as decisões contra si proferidas nos termos que a Lei permite a quaisquer outros cidadãos, além de o discriminar negativamente face à sua incapacidade económica para livremente constituir um mandatário - contratado, entenda-se - que pudesse assumir o processo sem a dependência de entidades terceiras que assegurem a nomeação).

Entendemos, porém, que não assiste razão ao reclamante e que a decisão sumária reclamada não merece censura, devendo, por isso ser ratificada.

Na verdade:

Não houve qualquer limitação das garantias de defesa do arguido A., o qual dispôs do prazo de 60 dias para interpor o seu recurso da decisão condenatória, tendo beneficiado precisamente do mesmo prazo que os demais recorrentes - os normais 30 dias, acrescidos de prorrogação pelo período máximo previsto na lei, que é de 30 dias -, pelo que houve igualdade de tratamento quanto a todos os recorrentes no que respeita ao prazo para interporem o respetivo recurso, e não foi, por isso, restringida a liberdade de acesso deste arguido ao Direito e aos Tribunais, o qual esteve sempre representado por defensor, no aludido período de 60 dias, sem qualquer interrupção.

O pedido de escusa, seja qual for o seu fundamento, dirigido à Ordem dos Advogados, ainda que deferido e implicando a nomeação de outro defensor em substituição do anterior, não faz cessar de imediato as funções do escusado, o qual continua com a incumbência de defender os interesses do representado, até à nomeação do novo defensor. Se aquele, no exercício da defesa de que está incumbido, não tiver exercido diligentemente as respetivas competências no período de vigência do seu mandato, nomeadamente, não dando execução às instruções que lhe foram transmitidas pelo representado para a prática de determinado ato processual, a eventual responsabilidade que daí decorre é alheia ao tribunal e terá de ser apurada no lugar e pelos meios próprios, não o sendo no processo criminal, quer se trate de mandatário constituído ou de defensor nomeado, seja dentro ou fora do apoio judiciário.

Por isso, para o tribunal criminal é completamente irrelevante que tenha havido divergências entre o arguido e o seu defensor quanto à interposição do recurso, ou se esse foi o verdadeiro fundamento para o pedido de escusa, como agora alega na reclamação, sendo, por essa razão, igualmente irrelevantes as diligências requeridas.

O arguido A. dispunha, tal como os demais, de um prazo para recorrer - que era de 60 dias, face à prorrogação -, nada impedindo que o fizesse nesse prazo, porque esteve sempre representado por advogado. A pretendida interrupção do prazo, na sequência do pedido de escusa do primitivo defensor, implicando que se iniciasse a contagem de novo prazo a partir da última nomeação de defensor, é que seria discriminatória, porquanto, beneficiaria o ora reclamante de prazo muito mais dilatado que os demais recorrentes. Se no mesmo processo ocorressem várias recusas ou pedidos de escusa dos defensores sucessivamente nomeados ao mesmo arguido, com efeitos interruptivos de cada vez que tal substituição ocorresse, estaria encontrado o meio mais eficaz de impedir o prosseguimento de qualquer processo e de este atingir o seu fim, o que iria contra o pensamento do legislador subjacente a todas as recentes reformas da lei processual penal, as quais visaram dar maior celeridade ao procedimento, pondo termo a todos os atos dispensáveis, que o pudessem retardar, sempre com o cuidado de não limitar as aludidas garantias de defesa.

Obviamente que, apesar daquela nossa posição, reconhecemos que possam eventualmente surgir situações em que a substituição de defensor ocorra, por motivos imprevistos, no final do prazo para recorrer, ficando o último defensor nomeado sem oportunidade de, dentro do prazo em curso, preparar o recurso que pretende interpor.

Todavia, tais situações excecionais têm solução legal. As concretas razões que impossibilitam ou que, pelo menos, tornam irrazoável a exigência do cumprimento do prazo de recurso, têm de ser devida e tempestivamente alegadas, invocando-se e demonstrando-se que aquelas mesmas razões constituem fundamento de "justo impedimento", ao abrigo do artigo 107.º, n.rs 2 e 3, do CPP. Tal não ocorre no presente caso, em que não foi invocado qualquer "justo impedimento" fundado na impossibilidade de, no prazo concedido (60 dias), apresentar um recurso devidamente fundamentado, nem tal impossibilidade ou irrazoabilidade decorre do tempo de que dispôs aquele arguido, para o efeito, após a nomeação do novo defensor, na medida em que esta ocorreu logo no início daquele dilatado prazo.

Contrariamente ao alegado pelo reclamante, a diferença de regimes nas ações cíveis e no processo criminal, quanto a esta matéria, e que foi assinalada na decisão reclamada, tem toda a razão de ser, dada a diferente natureza de tais processos e os interesses que em cada um deles importa acautelar. Tal como referimos no nosso...

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