Acórdão nº 22/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 22/2020

Processo n.º 1090/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., Lda., notificada da Decisão Sumária n.º 823/2019, que não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade por si interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

A ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho proferido em 1.ª instância que, na sequência da falta de prova do depósito da caução prevista no artigo 15.º-F, n.º 3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (“NRAU”), considerou não deduzida a oposição apresentada pela ora reclamante, nos termos do disposto no n.º 4 do referido artigo.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de outubro de 2019, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«5. Tendo em atenção o que consta do requerimento de interposição de recurso, verifica-se que o mesmo tem por objeto as seguintes questões:

i) A conformidade constitucional da norma «do nº 4 do artº 15°-F do NRAU segundo o qual o pagamento de rendas pode ser a pretensão principal que fundamente admissibilidade do procedimento especial de despejo, ao invés de consistir em pretensão dependente e acessória da intenção de despejo, ao abrigo do contrato de arrendamento que se encontre em vigor»;

ii) A conformidade constitucional da norma do mesmo n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU «quando interpretado no sentido de ser exigível a prestação de caução, como pressuposto de admissibilidade de apresentação de oposição nos autos, em que não vem provada, nem tampouco alegada, a existência ou subsistência de contrato de arrendamento, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa».

6. No que respeita à primeira questão de constitucionalidade acima identificada, não se poderá conhecer do objeto do recurso por falta de legitimidade da recorrente, na medida em que, perante o tribunal a quo, tal questão não chegou a ser suscitada de forma processualmente adequada (cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Com efeito, sendo a decisão recorrida o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o momento processual adequado para suscitar qualquer questão de constitucionalidade sobre a qual aquela instância tivesse o dever de se pronunciar, seria o da apresentação da alegação e respetivas conclusões do recurso interposto para aquela instância (cf. fls. 47-56).

Contudo, nessa peça processual a recorrente não chegou a levantar qualquer problema de constitucionalidade respeitante à interpretação do n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU no sentido de «o pagamento de rendas pode ser a pretensão principal que fundamente admissibilidade do procedimento especial de despejo, ao invés de consistir em pretensão dependente e acessória da intenção de despejo, ao abrigo do contrato de arrendamento que se encontre em vigor».

Na verdade, a recorrente limitou-se a concluir, genericamente, que «a decisão recorrida viola, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artºs 15º da Lei 31/2012 de 14/08; 13º, 18º, nºs 2 e 3 e 20º da CRP; 289º, nº 1, 310.º, 334º e 1070º do Cód. Civil e 607º, nº 2, 608º e 615º, nº 1 – d) do Cód. Proc. Civil», imputando, assim, à decisão em si mesma considerada, a violação dos referidos preceitos legais e constitucionais.

Ora, pretendendo, in casu, questionar a mencionada interpretação do n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU, deveria a recorrente especificar claramente que era essa a dimensão normativa que considerava violadora da Constituição, enunciando-a cabalmente, com precisão e rigor, indicando ainda as razões em que, em seu entender, assentava essa inconstitucionalidade.

Não se mostrando cumprido o ónus de suscitação prévia, a recorrente carece de legitimidade para interpor o presente recurso (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2 da LTC), não se podendo, por isso, conhecer do seu objeto quanto à questão em apreço.

7. No que respeita à segunda questão de constitucionalidade, acima referida, verifica-se que também não se pode conhecer do mérito do recurso, por inutilidade do mesmo, uma vez que o tribunal recorrido não aplicou o n.º 4 do artigo 15.º-F do NRAU na dimensão sindicada.

Sobre essa matéria, depois de se transcrever os n.ºs 1 a 5 do referido artigo, afirma-se o seguinte na decisão recorrida:

«É bem claro, pois, o consignado no citado normativo, nomeadamente em 3 e 4, sobre o exercício do direito de oposição, por parte do(s) arrendatário(s), no âmbito do processo especial da presente natureza.

Assim, em casos como o sub judicie, i.e., “na hipótese de o senhorio ter invocado a resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, o arrendatário poderá entender ter alguma razão para não proceder a esse pagamento.

Todavia, como refere Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 211, «mesmo tendo um motivo legítimo para, temporalmente, não pagar rendas, o arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas» (cfr., no mesmo sentido, Manteigas Martins, Carlos Nabais, Carla Santos Freire e José M. Raimundo, in Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, Vida Económica, 3ª ed., pág. 39, e Rui Pinto (coordenação António Menezes Cordeiro), in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, pág. 441).

É o que resulta do disposto no citado art. 15º-F, nº 3, nos termos do qual, nos casos previstos nos nºs 3 e 4, do art.1083º, do C. Civil, com a oposição deve o requerido proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário.

Isto é, apenas na hipótese de ter havido resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, nos termos do citado art. 1083º, nºs 3 e 4, é que o arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas ou encargos em atraso, até ao valor de seis meses de rendas, exceto tendo apoio judiciário.” (cfr., entre outros, Ac. da Rel. Lx, de 11-10-2018, proferido no processo 4008/17.9YLPRT-A.L1-8, acessível in www.dgsi.pt, cujo entendimento sobre esta questão sufragamos na íntegra).

É o que se verifica aqui.

Pelo que, neste...

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