Acórdão nº 178/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Data11 Março 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 178/2020

Processo n.º 1214/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acórdão, em conferência, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 5 de novembro de 2019, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. A ora reclamante, na qualidade arguida em processo-crime, foi condenada pelo Tribunal de 1.ª instância numa pena única conjunta de doze anos e quatro meses de prisão pela prática de diversos crimes de burla qualificada, furto e falsificação de documento.

Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora. Por acórdão datado de 12 de março de 2019, esse Tribunal negou provimento ao recurso.

Ainda inconformada, interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

3. Por acórdão datado de 12 de setembro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcial provimento ao recurso, reduzindo a pena única conjunta para dez anos de prisão; no mais, confirmou o acórdão recorrido.

Notificada de tal aresto, a ora reclamante arguiu a respetiva nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

Foi então proferido o acórdão datado de 10 de outubro de 2019, através do qual o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a nulidade arguida.

A reclamante interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«A., Recorrente identificada nos autos supra referenciados,

tendo sido notificada do Acórdão proferido a 12 de setembro de 2019 e entretanto suscitado nulidade atinente a esse aresto e visto, por Acórdão de 10 de outubro de 2019, a mesma decidida,

vem, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.ºs 1, al. b) e 2, 72.º, n.ºs 1, al. b) e 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, apresentar

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

com os seguintes fundamentos:

Colendos Juízes Conselheiros,

1. Por Acórdão de 14 de abril de 2016 foi a Recorrente condenada pela prática de 8 crimes de burla qualificada agravada; um crime de furto simples; um crime de falsificação de documento, numa pena única de 12 anos e 4 meses de prisão.

2. Inconformada, a Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de Évora tendo visto, por Acórdão de 12 de março de 2019, mantida a decisão de primeira instância nos seus precisos termos.

3. Deste último acórdão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que recusou conhecer as questões de direito formuladas no recurso por não terem sido submetidas ao conhecimento do Tribunal da Relação. Por outro lado, recusou conhecer as penas parcelares que não excediam os 8 anos de prisão, abordando apenas o cômputo da pena única porquanto ultrapassava os 8 anos de prisão.

4. Nesse recurso que havia apresentado do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a Recorrente suscitou a apreciação de várias questões de constitucionalidade.

5. Em concreto, face às circunstâncias do caso - particularmente o facto de apenas se encontrar preenchida a qualificativa objetiva do crime de burla-a moldura proposta (tanto a inicial de 12 anos como agora a de 10 anos), em abstrato, sempre que superior a 5 anos, situa-se nos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração e atuam positivamente ao nível da prevenção especial.

6. Nesse segmento, a Recorrente advogou que o entendimento contrário implica a inconstitucionalidade das normas constantes nos artigos, 70.º e 71.º, em conjugação com o artigo 40.º, todos do C. Penal, todos efetivamente aplicados ao caso, na dimensão interpretativa que permita não ter em devida consideração os fundamentos da prevenção especial para determinação da pena concreta não privativa da liberdade por violação do princípio da proporcionalidade em sentido abstrato ou da proibição do excesso nas dimensões de adequação, necessidade, subsidiariedade, exigibilidade, indispensabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, em sentido estrito, consagradas no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

7. Por outro lado, num caso que reúna as premissas do atual, abstratamente considerado, a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão mostra-se ser suficiente para evitar que o Arguido reitere condutas tidas como semelhantes, sendo tal suspensão consentânea com as finalidades da punição, justificando-se que a pena seja reduzida para pena igual a 5 anos e suspensa na sua execução pelo período máximo permitido pelo artigo 50º, n.º 1 e 5 do C. Penal.

8. Neste quadro fáctico, a Recorrente levantou o seguinte problema de constitucionalidade: Entendendo-se em sentido contrário, desde já se suscita a inconstitucionalidade da norma constante no artigo 50.º, em conjugação com o artigo 40.º, todos do C. Penal, na dimensão interpretativa que permita não suspender a pena na sua execução por força valorativa negativa das exigências de prevenção geral em detrimento das especiais por violação do princípio da proporcionalidade em sentido abstrato ou da proibição do excesso nas dimensões de adequação, necessidade, subsidiariedade, exigibilidade, indispensabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, em sentido estrito, consagradas no artigo 18. º, n.º 2 da CRP.

9. As referidas inconstitucionalidades foram direta e indiretamente conhecidas, por via do indeferimento da questão principal à qual as inconstitucionalidades estavam associadas, pois, como resulta do acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2005, proc. 05P2951, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.

10. Não obstante, notificada do Acórdão do STJ, previamente, a Recorrente arguiu nulidade por omissão de pronúncia por entender que impendia sobre o Tribunal a obrigação de emitir pronúncia sobre as questões assinaladas no ponto 3 do presente articulado.

11. Em concreto, o STJ invocou a aplicação direta do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP para não se pronunciar sobre as questões suscitadas.

12. Contudo, salvo melhor opinião, da conjugação das normas que regulam o âmbito dos recursos para o STJ não resulta qualquer das limitações invocadas. Isto é, não resulta que o STJ esteja impedido de conhecer questões de direito novas ou que não possa conhecer das penas parcelares quando as mesmas, individualmente consideradas, não sejam superiores a 8 anos.

13. Não decorre da lei qualquer impedimento de conhecimento das questões supra indicadas, razão por que a interpretação do disposto no artigo 432.º e al. e) e í) do artigo 400.º que preconize existir uma limitação objetiva, nomeadamente quando há passagem recursória pela Relação, de conhecimento de questões de direito não anteriormente suscitadas, é inconstitucional por violação do direito das garantias de defesa, nomeadamente o direito de recurso, constante do artigo 32.º n.º 1 da CRP.

14. Por outro lado, foi ainda suscitado o problema da recusa de conhecimento das questões de direito suscitadas a propósito das penas parcelares.

15. Nesta parte, o STJ indicou expressamente que tendo em atenção que nenhuma das penas parcelares aplicada excede os 8 anos de prisão, o recurso interposto apenas pode ser apreciado na parte em que a decisão recorrida manteve a pena conjunta de 12 anos e 4 meses de prisão.

16. Todavia, de igual modo, não resulta das normas que regulam a competência do STJ qualquer expressa proibição ou limitação objetiva de serem apreciadas as questões de direito suscitadas nestas situações de penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

17. Deste modo, não decorre da lei qualquer impedimento de conhecimento das penas parcelares em medida inferior a 8 anos, razão por que a interpretação do disposto no artigo 432.º e al. e) e f) do artigo 400.º que preconize existir uma limitação objetiva, ainda que tenha havido passagem recursória pela Relação, de conhecimento de questões de direito relativas à aplicação de medidas de pena parcelares inferiores a 8 anos de prisão, é inconstitucional por violação do direito das garantias de defesa, nomeadamente o direito de recurso, constante do artigo 32.º n.º 1 da CRP.

18. As referidas inconstitucionalidades foram direta e indiretamente conhecidas, por via do indeferimento da questão principal a qual as inconstitucionalidades estavam associadas, pois, como resulta do acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2005, proc. 05P2951, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.

Termos em que, por terem sido aplicados critérios normativos inconstitucionais, cuja inconstitucionalidade foi devida e atempadamente suscitada, sendo o recurso ora interposto legal e tempestivo, requer-se a sua admissão, seguindo-se os demais termos até final.»

4. O relator no Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 5 de novembro de 2019, não admitiu o recurso. O despacho tem o seguinte teor:

«A arguida A. veio, a fls. 2123 a 2126, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por este...

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