Acórdão nº 188/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 188/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento, além do mais, no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, bem como nos artigos 75.º e 75.º-A, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC) da decisão singular proferida pelo relator nas instâncias em 27 de novembro de 2019 (cf. fls. 11-42), na qual se decidiu julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido.

2. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem o seguinte teor (cfr. fls. 45-48):

«A., Recorrente e Arguido nos autos à margem referenciados, notificado do acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Porto e com o mesmo não se conformando, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70.° n.° 1 alínea b) e n.° 2, 72.° n.° 1 alínea b) e n.° 2 bem como artigos 75.° e 75.°-A, todos da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), do mesmo interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, de harmonia com o disposto no artigo 78.° n.° 3 da referida lei, o que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

Exm.° Sr. Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional

Vem o ora Arguido e Recorrente pelo presente suscitar a inconstitucionalidade material cometida peio douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este e pelo douto Tribunal da Relação do Porto, na interpretação efetuada ao preceito legal 370.° do Código de Processo Penal, em violação do artigo 32.° n.° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Tal violação deriva da interpretação perfilhada pelo douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este e pelo douto Tribunal da Relação do Porto ao considerar que, o relatório social previsto no artigo 370.° do Código de Processo Penal é um meio de prova, suscetível de integrar o elenco de factos dados como provados na sentença/acórdão final.

Como deriva da letra da lei, nomeadamente do artigo 370.° do Código de Processo Penal, "O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.".

O relatório social é um documento elaborado pelos serviços de reinserção social, com competência de apoio técnico aos tribunais na aplicação e na execução de sanções criminais, que tem como finalidade auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade, meios sociais e económicos do arguido, servindo de complemento à prova produzida em audiência de julgamento, numa fase destinada à determinação da sanção aplicável, sendo facultativo em função da suficiência ou não da informação relativa à inserção familiar e sócio-profissional do arguido.

Por norma, o relatório social e a informação dos serviços de reinserção social não são [idos em audiência, posto que podem conter elementos que colidem com a vida privada do arguido.

Como deriva do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/04/1999, processo n.° 98PI409, "I — O relatório social destina-se a dar testemunho de factos que interessam para a caracterização da personalidade do arguido e a fixação da pena e não, propriamente, a colocar à disposição do tribunal juízos de valor sobre o passado, o presente e o futuro daquele.

A este propósito, o Acórdão do 5upremo Tribunal de Justiça de 17/11/1999, processo n.° 867/99, entende "O relatório social não constitui prova pericial, mas somente uma informação auxiliar do juiz, a ter em conta no âmbito da livre apreciação da prova a que alude o art. 127° do CPP.", entendimento ainda adotado nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/1994 e

Ora, nem o relatório social nem a informação dos serviços de reinserção social têm o valor de uma prova pericial, na verdade, inexiste menção do relatório social nos elencos de meios de prova e meios de obtenção de prova processualmente possíveis no procedimento criminal, até porque o seu conteúdo normalmente não é sujeito à contraditoriedade prevista no artigo 327.° do Código de Processo Penal, servindo somente como um mecanismo auxiliar na escolha e medida da pena.

Todavia, o douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este e o douto Tribunal da Relação do Porto utilizaram os relatórios sociais dos arguidos como um meio de prova, dando como provados factos que não foram abordados em audiência e que não resultam de qualquer outra prova produzida senão do conteúdo do relatório social. Podemos observar tal utilização nos pontos 53, 60, 62, 64, 66 dos factos dados como provados nos acórdãos recorridos.

Não sendo os relatórios sociais um meio de prova consagrado legalmente, mas sim e somente um auxiliar no momento de determinação da pena e da medida desta, demonstrativo das condições socioeconómicas dos arguidos, produzido perante e por órgãos não judiciais, sem assistência do mandatário, não podia o tribunal da relação atribuir-lhe o valor de uma prova produzida em audiência e com isso, dar como provada certa factualidade de modo a preencher o tipo ilícito imputado ao arguido.

A valoração de ta! instrumento como meio de prova além de exceder por completo as atribuições legais lhe conferidas, coloca desde logo em causa as garantias processuais do arguido no processo penal posto que, recorrendo este ao direito ao silêncio, direito conferido legalmente (61.° n.° 1 alínea d) do Código de Processo Penal), não pode ser prejudicado pelo tribunal com o uso das informações constantes no seu relatório social em suprimento da falta de declarações. Tal utilização além de indevida, põe ainda em causa as garantias de defesa do arguido uma vez que não respeita o princípio do contraditório, nem os meios de prova previstos na lei o que, consubstancia uma inconstitucionalidade dada a violação do disposto no artigo 32.° n.° 1 e 5 da CRP, a qual o Recorrente e arguido expressamente...

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