Acórdão nº 187/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 187/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC) do acórdão daquele Tribunal da Relação, proferido em 10 de outubro de 2019, no qual se decidiu negar provimento ao recurso.

2. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem o seguinte teor (cfr. fl. 432-433 com verso):

«A., Recorrente nos Autos, notificado do Acórdão, deste interpõe recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei 28/82 de 15 de Novembro, redacção actual.

O recurso sobe em imediato e nos próprios autos, tendo efeito suspensivo.

A norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie: art. 49° do C. Penal com o sentido adoptado na Decisão Recorrida é manifestamente inconstitucional por violação designadamente os arts. 1°, 13°, 29°, 32° da Constituição da República Portuguesa (mais especificamente, saber se o n° 3 do artº 49° do actual Código Penal, ao exigir ao Arguido, sob pena de privação da liberdade, a prova de um facto negativo ou seja de que a razão do não pagamento lhe não é imputável equivale à consagração da prisão por dívidas ou à sua possibilidade violando designadamente princípios fundamentais de direito processual penal que têm no nosso direito constitucional consagração inequívoca designadamente os princípios do acusatório, do princípio in dúbio pro reo e o princípio de que o processual penal deverá assegurar todas as garantias de defesa. (Cfr. art°s 29° e 32° da Constituição da República Portuguesa);

Indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado: arts. 1º, 13°, 29°, 32° da Constituição da República Portuguesa;

A peça processual em que o Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade:

Concede, começa por anotar o aqui arguido, não foi previamente suscitada junto do tribunal (recorrido) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, designadamente a que constitui fundamento do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional (infra).

Embora, no caso, importa, analisar, saber se era processualmente exigível ao recorrente que o fizesse, à luz do que dispõe o artigo 72°, n° 2, da LTC, ou se poderá estar em causa uma decisão surpresa que tornasse dispensável o cumprimento desse especial ónus de suscitação.

O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade que o ora recorrente pretende ver admitido tem por objecto apurar se a interpretação e aplicação do art. 49° do C. Penal com o sentido adoptado na Decisão Recorrida é manifestamente inconstitucional por violação designadamente os arts. 1º, 13°, 29°, 32° da Constituição da República Portuguesa (mais especificamente, saber se o n° 3 do artº 49º do actual Código Penal, ao exigir ao Arguido, sob pena de privação da liberdade, a prova de um facto negativo ou seja de que a razão do não pagamento lhe não é imputável equivale à consagração da prisão por dívidas ou à sua possibilidade violando designadamente princípios fundamentais de direito processual penal que têm no nosso direito constitucional consagração inequívoca designadamente os princípios do acusatório, do princípio in dúbio pro reo e o princípio de que o processual penal deverá assegurar todas as garantias de defesa. (Cfr. art°s 29° e 32° da Constituição da República Portuguesa);

Nota finalmente: não foi previamente suscitada junto do tribunal (recorrido) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; porém o Arguido, recorrente, havia antes suscitado a aplicação deste normativo legal, qual seja: O n° 3 do artº 49º do actual Código Penal; e no caso percute-se outrossim, houve, desde logo, efectiva aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma cuja constitucionalidade agora pretende o arguido recorrente suscitar;

Ou seja, em bom rigor, foi proferida decisão «surpresa» com fundamento precisamente nesta norma fundamento (insiste n.º 3 do art.º 49.º do actual Código Penal).

Ora, o acórdão recorrido causa ao recorrente legítima surpresa no que respeita à interpretação/aplicação da citada norma legal: é que o juiz deve conhecer ex officio (independentemente de impugnação pelas partes) a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, não a aplicando - insiste, o n° 3 do artº 49° do actual Código Penal, ao exigir ao Arguido, sob pena de privação da liberdade, a prova de um facto negativo ou seja de que a razão do não pagamento lhe não é imputável equivale à consagração da prisão por dívidas ou à sua possibilidade violando designadamente princípios fundamentais de direito processual penal que têm no nosso direito constitucional consagração inequívoca designadamente os princípios do acusatório, do princípio in dúbio pro reo e o princípio de que o processual penal deverá assegurar todas as garantias de defesa. (Cfr. art°s 29° e 32° da Constituição da República Portuguesa);

Termos em que, respeitosamente, observados que estão os formalismos legais, requer a V. Exa. considere interposto recurso do Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra para o Tribunal Constitucional.

Requer a dispensa ou redução da multa processual devida por ter interposto o recurso do acórdão no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo fixado para a prática desse acto processual, que no caso se cifra em 2UC (cf. art. 107.°-A do CPP): no caso, considerando a situação de insuficiência económica do requerente que é manifesta: integrando o agregado familiar composto pela companheira (B., 22 anos, doméstica) e pelas filhas (C., 9 anos; D.., 7 anos; e E., 3 anos); o agregado habita em casa própria, possuindo precárias condições de habitabilidade; em termos ocupacionais, o arguido nunca exerceu qualquer atividade profissional, vivendo de apoios sociais; o arguido encontra-se inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional; Recebe o RSI no valor de 579€/mês, acrescido de 220€/mês relativos ao abono de família das três filhas menores; oferece prova, testemunhal: B. e F., a apresentar.».

3. Da tramitação subsequente dos autos, com relevância para os presentes autos de recurso, decorre o que de seguida se enuncia.

3.1 Após a interposição do recurso de constitucionalidade (supra transcrito em 2.), o representante do Ministério Publico junto das instâncias proferiu parecer com o teor seguinte (fls. 434 e 436):

«P. não seja admitido o recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional, nos termos do art.º 76º.1 e .2, por referência ao art.º 70º.1, al. b), ambos da Lei 28/82, de 15 de novembro, uma vez que, como o próprio recorrente confessa, em nenhum momento foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo do Código Penal cuja aplicação veio a ser confirmada pelo acórdão deste Tribunal da Relação, sendo irrelevante para este efeito (para além de surpreendente ela mesma) a surpresa que manifesta pela aplicação de uma norma que, afinal de contas, constituiu logo o fundamento da decisão inicialmente recorrida.».

«Invocando uma situação de insuficiência económica, requer o recorrente, a fls. 433, a dispensa ou redução da multa processual devida por ter interposto o recurso no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo fixado para a prática desse ato processual. Sucede que o art.º 107º - A do CPP, relativo à prática extemporânea de atos processuais penais, para além de estabelecer multas de menor montante do que as previstas para a prática extemporânea de atos em processo civil, remete apenas para os nºs 5 a 7 do art.º 145º (atual art.º 139º) do CPC, o que nos conduz à conclusão de não ter sido intenção do legislador estender ao processo penal a possibilidade de redução ou dispensa da multa prevista para o processo civil (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de maio de 2017, proferido no processo 2613j16.0T8MAI-A.P1, consultável em www.dgsi.pt). Assim, pelo exposto, p. se indefira o requerido

3.2 De seguida, foi proferido despacho pelo relator nas instâncias, em 4/12/19, com o seguinte teor (cf. despacho de fl. 437):

«Em 16-10-2019 foi proferido acórdão nesta Relação. Do mesmo, veio o arguido/recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, no 3 º dia útil subsequente ao termo do prazo.

Ora, não tendo pago a multa devida, nos termos do artigo 107º-A, al. c) do CPP, veio o recorrente requerer a dispensa ou redução da multa, invocando a sua insuficiência económica, ainda que não tenha indicado ao abrigo de que disposição legal o fazia.

Acontece que, a possibilidade prevista no artigo 139°, n.° 8 do CPC de, o juiz poder excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica (...), não tem aplicação em processo penal, porquanto, determina o artigo 107°-A do CPP que Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.°s 5 a 7 do 145° (actual 139°) do CPC, com as seguintes alterações: (...) c) Se o acto for praticado no 3o dia, a multa é equivalente a 2 UC..

Portanto, o artigo 107°-A do CPP quando remete para...

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