Acórdão nº 23/17.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPATR
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO A sociedade “C….., LDA” veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e respetivos Juros Compensatórios (JC) do exercício de 1992, no valor total de €133.442,85.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1992, com o n.º …..838, de que resultou imposto a pagar no montante de 93.263,07 €, acrescido de derrama no valor de 8.478,46 € e 40.179,78 € a título de juros compensatórios.

B. A Recorrente considera que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, discordando do enquadramento jurídico resultante da valoração que dos factos provados foi efetuada e, em assim, da decisão perfilhada pelo Tribunal a quo.

C. Da matéria assente na sentença recorrida resulta provado: a) A existência de 3 (três) cheques emitidos pelo cauteleiro revendedor ambulante de lotarias J….. à Recorrente; b) A titularidade da Recorrente nos referidos cheques c) A entrega dos cheques no momento do levantamento dos bilhetes como garantia do bom cumprimento do trato, como «vale», até elaboradas as contas; d) A apresentação dos cheques foram a pagamento, tendo os mesmos sido devolvidos por falta de provisão.

D. A luz dos factos que deu como provados não podia o Tribunal a quo decidir, como fez, em evidente oposição com eles, considerando que os cheques foram emitidos à ordem da Recorrente fora do âmbito da sua atividade.

E. O próprio Digno Magistrado do Ministério Público concluiu em douto parecer que se deve concluir que a emissão dos cheques se enquadrou na atividade normal da Recorrente, sendo a provisão legítima.

F. É de facto manifesta e evidente a caracterização das obrigações que ocasionaram a emissão dos cheques, estando esta relacionada com o trato comercial existente entre a Recorrente e o cauteleiro.

G. A jurisprudência assente entende que a contabilidade é eleita como o sustentáculo primeiro e potencialmente decisivo para o apuramento, a determinação, do lucro tributável. Por outro lado, a dedutibilidade dos custos exige, além, do mais, a respetiva comprovação, a qual, regra geral, deve assentar em documentos justificativos de origem externa.

H. O que se reflete, sem margem para dúvidas, no caso da Recorrente, atendendo à existência de documentos externos justificativos que se consubstanciam nos cheques emitidos pelo cauteleiro.

I. O que, efetivamente se verifica, no caso em apreço, através dos cheques emitidos pelo cauteleiro, os quais são inequivocamente documentos justificativos de origem externa, sem qualquer margem para dúvidas.

  1. Efetivamente, os cheques têm uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da Recorrente, atendendo ao facto de terem sido entregues à Recorrente como garantia do bom cumprimento do trato entre esta e o cauteleiro.

  2. Não se vislumbra a possibilidade de apurar outra razão, senão a atividade de vendedor ao serviço da Recorrente, que levaria um cauteleiro a emitir e entregar à Recorrente cheques no valor de 47.216.077 Escudos (quarenta e sete milhões, duzentos e dezasseis mil, e setenta e sete escudos).

L. Resulta também da jurisprudência assente que o documento comprovativo e justificativo dos custos em sede de IRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão só um documento escrito.

M. A AT ao desconsiderar a provisão constituída pela Recorrente, sem demonstrar a factualidade em que se baseava para chegar à conclusão que os cheques emitidos por um cauteleiro, que presta serviços à Recorrente, e que foram devidamente inscritos na contabilidade não se enquadram no âmbito da sua atividade.

N. A AT, ao atuar deste modo, violou expressamente o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito conforme artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

O. Neste sentido, a doutrina e jurisprudência assente consideram que a AT está onerada em demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados, prejudicando assim a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recontente e dos respetivos documentos de suporte de que aquela goza, em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito.

P. Extraindo dos factos considerados provados conclusões opostas ao que deles resulta o Tribunal a quo incorre inevitavelmente em erro de julgamento, devendo a sentença recorrida ser revogada e o ato de liquidação adicional ser consequentemente anulado.

Q. A interpretação que AT parece preconizar da alínea a) do n.º 1do artigo 33.º do Código do IRC, na sua redação em vigor à data dos factos, no sentido de este permitir que os valores inscritos como incobráveis e a correspondente provisão contabilizada sobre cheques sem provisão, não sejam dedutíveis para efeitos fiscais, realizados no âmbito da atividade da Recorrente, mostra-se inconstitucional, por violação do direito das empresas da Tributação pelo Lucro Real, nos termos que este verte do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se argui para todos os efeitos legais.

R. A liquidação de juros compensatórios apenas seria possível se se considerasse que é devido o imposto em crise, o que já vimos não poder justificar-se ou ter qualquer base legal.

S. Não se verifica o nexo de causalidade adequada entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação nem a censurabilidade, a título de dolo ou negligência, da conduta do contribuinte.

T. Não deverá ser imputada responsabilidade por juros compensatórios caso o atraso na liquidação e o respetivo reembolso de recebimento alegadamente indevido seja provado pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, mas ele tenha atuado de boa-fé e o erro seja desculpável.

U. A liquidação de juros compensatórios de que a Recorrente foi alvo é absolutamente ilegal, por erro dobre os pressupostos de facto e de direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e deve ser anulada.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e em consequência a sentença recorrida ser revogada, tudo com as devidas consequências legais, designadamente, a anulação da liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios e o pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA” *** A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

*** A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

*** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: 1. A Impugnante, C…..

, Lda, dedica-se ao comércio de lotarias, títulos, cupões, metais precisos, moedas, câmbio de divisas [lotaria, totobola, totoloto CAB 959950].

  1. Em 7 de março de 1986 faleceu o respetivo sócio-gerente, J….., que possuía à sua guarda, no cofre da sociedade, o cheque n°….., sacado sobre a União de Bancos Portugueses, titulando 5.850.000$00, o cheque n°….. sacado também sobre aquele banco e titulando 36.566.077$00, e o cheque n°….., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, titulando 4.800.000$00, todos emitidos pelo cauteleiro revendedor ambulante de lotarias J….. à ordem da Impugnante e datados, o primeiro, de 18 de fevereiro de 1986, e de 6 de março de 1986 os outros dois.

  2. Tais cheques haviam sido apresentados a pagamento, respetivamente, a 26 de fevereiro de 1986, a 10 de março de 1986 e a 11 de março de 1986, mas todos haviam sido devolvidos por falta de provisão.

  3. Em 10 de abril de 1986 a Impugnante denunciou criminalmente o citado J….., o que deu origem ao processo de querela n°792/86, que correu termos perante a 8ª Vara Criminal de Lisboa, pela emissão dos cheques que se revelarem não ter provisão nos bancos sacados, no âmbito da qual o seu emitente foi julgado «à revelia» como autor de três crimes de emissão de cheque sem provisão [segundo o então previsto nos arts. 23º e 24º do Decreto-Lei 13.004 de 12 de janeiro de 1927, na redação conferida pelo Decreto-Lei 400/82 de 23 de setembro, que introduziu o atual Código Penal], e como tal condenado, por sentença de 7 de novembro de 1994, numa pena de prisão de cúmulo, bem como a indemnizar a Impugnante na medida das quantias inscritas nos cheques, na dos juros vencidos desde a data da dedução do pedido cível enxerto naqueles autos e ainda na medida dos que viessem a vencer se ainda até integral pagamento.

  4. A outra das ações foi de natureza cível, intentada em data não apurada, mas do ano de 1993, a qual tomou o n°52/93 perante o 17° Juízo Cível 1ª Secção do Tribunal de comarca de Lisboa, na qual terá sido invocado um contrato de compra e venda, a qual foi contestada pelo mencionado J….., que negou esse contrato, expondo que apenas revendia bilhetes de lotaria que obtinha junto da Impugnante, ganhando em função das percentagens atribuídas aos revendedores pelos títulos vendidos ao público e devolvendo-lhe os bilhetes que não vendesse, passando a partir de determinada data a entregar um cheque no momento do levantamento dos bilhetes, que não era para pagamento, antes ficava na posse da Impugnante como garantia do bom cumprimento do trato, como «vale», até que fossem elaboradas as cantas, depois de apurados os montantes a atribuir a cada um, Impugnante e cauteleiro, aquando da conclusão da venda dos bilhetes...

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