Acórdão nº 2100/14.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa por si intentada contra S...

(Recorrida), nacional do Bangladesh e filha de A... que adquiriu a nacionalidade portuguesa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I. O disposto no artigo 567º do CPC aplica-se na ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e essa aplicação não é incompatível com o disposto no artº 83º/4 do CPTA, na redação em vigor à data da propositura da ação.

  1. Consequentemente, se a cidadã estrangeira regularmente citada não contestar, como aconteceu no caso dos autos, consideram-se confessados os factos alegados pelo MP na petição inicial, nos termos do artº 567º/1 do Código de Processo Civil.

  2. Devia, por isso, a sentença recorrida ter considerado provados todos os factos articulados pelo MP, designadamente: aqueles que considerou como não provados por exclusão de partes considerando provados os factos descritos nos arts. 8º a 11º da PI, que omitiu do probatório.

  3. A inserção desses factos na matéria não provada deveu-se a um erro de interpretação e aplicação do disposto no artº 567º/1 do CPC, gerando um erro no julgamento de facto efetuado pela sentença recorrida.

  4. Deve, por isso, ser alterado o julgamento da matéria de facto efetuado pela sentença recorrida, nos termos dos arts. 149º do CPTA e 662º/1 do CPC e, consequentemente, devem ser dados como provados e aditados os seguintes factos, nos termos do artº 567º/1 do CPC, mantendo-se os demais considerados provados: 1. A R. nasceu e viveu no seio da comunidade bangladeshiana, dada a sua idade, ambiente, fase de formação, e crescimento em que se encontra, já lhe foram dadas todas as referências sociais e culturais relacionadas com a vivência do povo bangladeshiano (cfr artº 8 da PI); 2. Daí que todo o seu crescimento e desenvolvimento se tenha efectuado no seio da comunidade nacional bangledeshiana, o que faz com que as suas referências familiares, afectivas, sociais e culturais, sejam bangledeshianas e não portuguesas (cfr. Artº 9º da PI); 3. A R. não fala português, mas inglês que é a língua oficial do país de onde é nacional (cfr. Artº 10º da PI); e, 4. Desde o respectivo nascimento a R. viveu, juntamente com a respectiva mãe, no Bangladesch e, a residir em Portugal, essa residência será muito recente, não existindo prova que esteja inscrita em qualquer escola R. nunca residiu, viveu ou trabalhou em Portugal, sendo que os seus contactos, de natureza familiar, não lhe permitiriam qualquer ligação com a realidade, os costumes e a cultura nacionais (cfr. Artº 11º da PI).

  5. Alterada e aditada a matéria de facto provada, nos termos ora descritos, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar a ação improcedente por falta de prova da inexistência de ligação efetiva do R. à comunidade nacional, padece, também, de erro de julgamento de direito.

  6. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo nº 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

  7. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efetivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

  8. Essa ligação revela-se por fatores como o conhecimento da língua portuguesa, oral e escrita, o domicílio, a integração social e cultural, o conhecimento da história e da cultura, os quais, todos conjugados, conferem o sentimento de pertença à comunidade.

  9. Analisando a matéria provada pela sentença recorrida e aqueles que devem a ela ser aditados, supra descritos em V., verificamos que se provou nos autos que: - A R. nasceu no Bangladesh e tem essa nacionalidade; - é filha de pais desse país pese embora o pai tenha adquirido a nacionalidade portuguesa após o seu nascimento; - reside na Bangladesh; - desenvolveu todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, no Bangladesh; - nunca residiu, viveu ou trabalhou em Portugal, sendo que os seus contactos, de natureza familiar, não lhe permitiriam qualquer ligação com a realidade, os costumes e a cultura nacionais; - não tem qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional.

  10. Ante estes factos provados, é manifesto que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Juiz na fundamentação da sentença recorrida, foram alegados e provados factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

  11. Não tem, por isso, qualquer relação com a comunidade portuguesa, para além da circunstância de ser filha de um cidadão nacional que obteve a nacionalidade depois do nascimento da R., o que não é suficiente, por si só e sem mais, para estabelecer a necessária ligação efetiva à comunidade nacional.

  12. Destes factos provados apenas se pode extrair a conclusão de que a R. não tem nem nunca teve qualquer sentimento de pertença ou ligação especial à comunidade portuguesa, designadamente não está a ela ligado pelo domicílio, aspetos de ordem cultural, social, de amizade, económico-profissional ou outros que, de acordo com a jurisprudência, permitem preencher o conceito de “ligação efetiva”.

  13. Pelo exposto, provou-se que a R. não tem ligação efetiva à comunidade portuguesa o que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos dos arts. 9º, a) da LN e artº. 56º/1 e 2, a) do RNP.

  14. Ao considerar o contrário, o Mmo. Juiz fez uma errada interpretação e aplicação do conceito de ligação efetiva e do disposto nos arts. 9º, a) da LN e 56º/1 e 2, a) do RNP.

  15. Nestes termos, deveria o Mmo. Juiz ter considerado provados todos os factos alegados pelo MP, incluindo aqueles que julgou não provados e os que omitiu do probatório, e deveria ter considerado verificado o requisito previsto nos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP, julgando a ação procedente, por provada.

  16. Não o tendo feito, a decisão recorrida incorreu em manifesto erro na fixação da matéria de facto e erro na interpretação e aplicação do direito, violando o disposto, por um lado, nos arts. 83º/4 do CPTA e 567º/1 do CPC e, por outro, nos arts. 9º, a) da LN e 56º/2, a) do RNP.

    • A Recorrida não contra-alegou.

    • Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional).

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: A. A Requerida S..., nasceu a …/2007, em Fazilkhar Hat, Upazilla – Patiya, Chittagong, Bamgladesh – cfr. certidão de nascimento a fls. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B. A Requerida é filha de A... e de K... – cfr. certidão de nascimento a fls. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C. A Requerida tem nacionalidade bangladeshiana – cfr. certidão de nascimento a fls. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D. O pai, A..., adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro – facto não controvertido; E. Em 18 de Setembro de 2013, a Requerida, representada pelos pais, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 2.º, da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, mediante impresso de modelo próprio, no qual assinalou que tem ligação efectiva à comunidade portuguesa – cfr. documento de fls. 3, 4 e 5 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F. A declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa deu origem ao Processo da Conservatória dos Registos Centrais n.º 3.../2013 – cfr. despacho de fls. 29 e...

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