Acórdão nº 163/19.1JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução27 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No processo supra identificado, por acórdão proferido e depositado em 26/11/2019, o arguido C. N., foi julgado e condenado como autor material de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1 e 2 do Código Penal, e de um crime de evasão, p. e p. pelo artigo 352º, n.º 1 do mesmo diploma legal, nas penas de, respectivamente, 2 anos e 4 meses, 1 ano e 8 meses e 9 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.

  1. O Ministério Público interpôs recurso, cuja motivação delimitou com as conclusões que se extractam: « (…) 2 - Aderindo-se sem rebuços ao julgamento da matéria de facto, o presente recurso não constitui mais que o reafirmar da posição por nós manifestada em sede de alegações finais e naquilo que consideramos ter sido uma conduta de especial censurabilidade e desvalor acentuado espelhado no conjunto de factos dados como provados e pela personalidade ali manifestada, com acentuadas exigências de prevenção especial e geral, tudo isso, diferente do decidido, ingredientes bastantes para afastar a aplicação ao arguido do regime de jovens adultos e a fixação de penas parcelares e única mais elevadas; 3 – Bem presentes que o legislador concedeu uma larga margem de critério para o julgador ao não estabelecer expressamente índices ou factores especificamente definidores da reinserção social do jovem condenado, no subjaz pensamento de que se atingirá melhor, com a pena atenuada, o fim da pena, consagrado no artigo 40º, do Código Penal, da reintegração do agente criminoso, porque jovem, na sociedade, a aplicação deste regime especial passa pela verificação múltipla de factores endógenos (ligados à personalidade) e exógenos (ligados às condições de vida, circunstâncias do crime, etc.) com relação ao jovem agente do ilícito; 4 - Como se afirma, a título de exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2006 (processo nº 06P1771, in www.dgsi.pt) “Com a atenuação especial da pena na delinquência jovem, atendendo às vantagens para a reinserção social do jovem condenado daí advindas, pretende-se evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem. Mas deve ter-se igualmente presente a gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, indicada, aliás, pelo legislador como critério a atender também, sem se comprometer acriticamente aquele desiderato. Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes”.

    5 - Na decisão ora em crise fundamenta-se a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, essencialmente pelo facto de ter confessado e ter praticado os factos no âmbito de uma relação de namoro com a vítima; 6 – Sucede que nesse raciocínio o tribunal a quo equivocou-se quando refere que o mesmo confessou os factos, pois que, tal como decorre da motivação de facto, o arguido apenas confessou um dos crimes de abuso sexual de criança mantendo a posição negatória com relação ao segundo crime; 7 – E muito embora na decisão ora em crise se refiram um conjunto de “fatores severamente negativos” decide aplicar o regime também na consideração que os antecedentes criminais são de “diferente natureza dos crimes cometidos” sem qualquer menção à gravidade dos crimes anteriormente cometidos (alguns deles por crime muito graves - de roubo); 8 – Para além de desconsiderar a postura em julgamento do arguido, a ausência de confissão relativamente ao último ato sexual praticado com a menor na decorrência do qual veio a ser detido e aplicada medida de coação de prisão preventiva, desconsiderou que o mesmo praticou os factos quando cumpria medida de coação privativa da liberdade, reveladora de uma personalidade toda concentrada na sua pessoa e na satisfação dos seus interesses e desejos pessoais e próprios; 9 – Pelo que perante a ausência de quaisquer outras circunstâncias contemporâneas ou posteriores que militem a seu favor tudo é de molde a afirmar, diversamente do decidido pelo tribunal a quo, que a atenuação da pena em nada contribuiria para a reintegração do arguido, não sendo este merecedor da aplicação de um tal instituto.

    10 - Pelo que, sopesadas as aludidas circunstâncias, o grau da ilicitude e da culpa referidas aos atos delituosos, depois de saber que a vítima tinha 12 anos ter voltado a ter relações sexuais por outras duas vezes, não ter manifestado qualquer tipo de arrependimento para valer como sério, verdadeiro e relevante escudando-se na relação de namoro para o cometimento dos crimes em causa e que os mesmos não terminaram por sua iniciativa mas foi impedido de prosseguir pela aplicação da medida de coação, tudo conflui para justificar plenamente decisão de não aplicação in casu do regime penal para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09 e onde qualquer atenuação especial da pena, para além de manifestamente imerecida no caso em apreço, poderia, outrossim, comprometer a necessária e urgente necessidade do arguido interiorizar o respeito por valores fundamentais e elementares da vida em sociedade.

    11 - De outro modo, tal como a decisão se apresenta, no “cardápio” de bens jurídicos que o código penal apresenta e até o mesmo completar 21 anos o jovem arguido, qual exercício de um direito, pode fazer as suas experimentações nos vários tipos de crime independentemente da sua gravidade porque verá ser sempre especialmente atenuada a sua pena, apenas única e simplesmente porque se tem menos de 21 anos de idade; 12 - Se é certo que as reações penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção evitar as penas privativas de liberdade, também teremos que salientar que importa também salvaguardar naturalmente as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, ponderando-se a importância fundamental que para essa proteção assume a reinserção do agente.

    13 –Assim, numa avaliação global dos factos dados como provados, a natureza e modo de execução dos crimes, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior aos crimes, bem como condições de vida, tudo ponderado resulta líquida a afirmação que a moldura penal dos crimes em questão não é excessiva tendo em vista os fins de socialização do jovem condenado.

    14 - Na ponderação das mencionadas circunstâncias concretas do presente caso, não se está na presença de um qualquer desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, nem estamos perante uma conduta isolada ou ocasional, mas sim, perante um comportamento próprio de alguém que faz o que lhe apetece, praticando uma série de factos desvaliosos, não se abstendo de os consecutivamente realizar a despeito da medida de coação que estava sujeito e depois da confirmação pela própria ofendida e pelas respetivas mães que a mesma tinha apenas 12 anos de idade; 15 - Cremos, assim, acentuada a ponderação, por um lado, das exigências de prevenção especial e, por outro, das exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e de garantia de proteção dos bens jurídicos, assumidas, em sede de prevenção geral, pelo que se justifica a conclusão de que da atenuação não resultariam vantagens para a sua reinserção.

    16 – Acresce ainda o facto da aplicação do instituto do regime especial para jovens e, por força dele, a beneficiar de uma atenuação especial da pena, esbarrar nas elevadas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir em consequência do qual deve ser afastada do caso dos autos a aplicação do regime de jovens delinquentes e com isso a atenuação especial de pena prevista no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9.

    17 – Afastada a atenuação especial decorrente da aplicação do estatuído no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9, perante a moldura abstrata que corresponde a cada um dos crimes, efetuando a pertinente ponderação pelos critérios de individualização das penas previstos nos normativos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, do Código Penal, entendemos que para a prossecução daqueles objetivos, repressivos e preventivos, e proporcionais ao desvalor comportamental, respetivo nexo de imputação (dolo direto) e culpa pessoal, a cominação pelo cometimento daqueles crimes, afigura-se-nos adequada, necessária e proporcional a aplicação a cada um dos crimes de abuso sexual de criança seja fixada uma pena de prisão próximo dos cinco anos, uma pena próxima de 1 ano de prisão para o crime de evasão e em cúmulo jurídico uma pena única situada entre os 7 anos e 6 meses e os 8 anos e 6 meses de prisão.

    18 – Contudo no entendimento de ser mantida a aplicação do regime para jovens adolescentes, sempre a pena aplicada pelo segundo crime de abuso sexual de criança nunca deveria ficar em medida inferior à do primeiro crime de abuso sexual, mas antes mais próxima dos 3 anos e 6 meses e com isso uma pena única mais próxima dos 5 anos de prisão, igualmente efetiva.

    19 - Assim, ao ter aplicado aquele regime e ao ter fixado aquelas penas parcelares e única o douto acórdão violou, para além dos preceitos incriminadores acima mencionados, o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º e 77.º todos do Código Penal e o disposto no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9.» 3. Admitido o recurso, o arguido respondeu, pugnando pela manutenção da aplicação do regime de jovens adultos e pelas penas parcelares e única impostas em primeira instância.

  2. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer secundando a argumentação apresentada no recurso quanto à não aplicabilidade do regime de jovens delinquentes, mas, quanto à medida...

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