Acórdão nº 00228/09.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 02/09/2019, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A. e Outra, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativas aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1 – A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, em primeiro lugar, por ter considerado que não existe fundamentos para a tributação como adiantamento por conta de lucros, por a AT ter considerado existir tal adiantamento em função da mera liquidez da sociedade E (...), Lda., sem observação das regras que depende o mesmo, coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos Impugnantes, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS, baseando-se no entendimento consignado no douto Acórdão do TCA Norte de 08/03/2018, proferido no P.º n.º 00865/13.6BEPRT.

2- Com efeito, entendeu a Mma. Juíza, em face do probatório produzido nos autos que:”(…) No caso dos autos, ao contrário do firmado no aresto acabado de aludir, a Autoridade Tributária desconsiderou a necessidade de observação das citadas “regras a que está sujeito o adiantamento sobre os lucros”, concluindo pela verificação daquele, em função de uma mera “liquidez” da “ E (...), Lda.”.

Não obstante, extrai-se da factualidade provada que nos exercícios de 2006 e 2007 a sociedade “E..

Lda.” não apresentou lucro tributável e, por outra via, que nos exercícios de 2004 e 2005, apesar da existência daquele, foi deliberado em assembleia geral da citada sociedade, “não haver distribuição de resultados” pelos sócios [conforme alíneas J) a O) do probatório], do que decorre a não verificação, nos anos em crise, de adiantamentos por conta de lucros a favor dos Impugnantes.

Face ao exposto, impõe-se concluir pela procedência da pretensão dos Impugnantes, o que se decide.” 3- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juíza, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova que conduziu à decisão por tal procedência, fundada no entendimento da inexistência de factos-índice, que conduzam ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição do sócio da Impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS.

4- Com efeito, é entendimento desta Representação que existem factos provados, constantes do Relatório de Inspecção, que permitem concluir de forma suficientemente consistente pela transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para os sócio-gerentes e dos mesmos para outras sociedades nas quais são sócios-gerentes, a título de suprimentos, aceitando o entendimento explanado na douta jurisprudência citada.

5- Desde logo, não é de exigir que exista um adiantamento sobre lucros em termos formais, com recurso ao disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais(CSC), desde que materialmente esteja demonstrada essa saída de fluxos financeiros, como entendemos suceder na situação concreta.

6- Sendo que no Acórdão do TCA Norte, de 08/03/2018, proferido no P.º 00865/13.6BEPRT, citado pela Mma. Juíza, também é referido:” Segundo a AT, existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquela quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.

Em tal situação, a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.

É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.” 7- Ora, esses indícios concretos e suficientes, estão presentes no caso concreto, sendo que as saídas contabilizadas como saída de bancos e entrada em caixa, são levantamentos por parte do impugnante A.

, e posteriormente depositados nas contas de outras entidades a título de empréstimos de sócios: F (…) e LDA.

8- Tal situação configura uma apropriação de valores dessa sociedade, permitindo a criação de um crédito dos impugnantes sobre as outras entidades, não reflectindo a contabilidade da E (...), LDA. a realidade material dos exercícios dos exercícios de 2004 a 2007.

9- Sendo que se encontra demonstrada no Relatório de Inspecção a existência de lucros nos exercícios de 2004 e 2005, não podendo a deliberação de não distribuição de lucros, tomada pelos próprios sócios, ser impeditivo da tributação levada a cabo, pois a tributação deve assentar na materialidade.

10- E se há uma retirada de dinheiro da sociedade, esses montantes não são contabilizados como resultados para o apuramento do lucro, quando evidentemente o deveriam ser e o seriam se, correctamente, tivessem ido a uma conta de sócios.

11- Aceita-se que, tal como defendido no Acórdão e na douta sentença “a quo”, que o ónus de alegar e provar factos índice de onde se possa extrair a conclusão de que foram postos à disposição do sócio-gerente, proveitos auferidos pela recorrida era da AT, mas tal ónus, salvo melhor entendimento, encontra-se cumprido, face ao supra exposto.

12- Não o admitir, é permitir uma fuga à tributação, pois se a contabilização tivesse sido a correcta, funcionaria desde logo a tributação, como adiantamento por conta de lucros.

13- E como é que se demonstra que um montante saiu de resultados, se por actuação ilegal do sujeito passivo o mesmo não foi a resultados, quando deveria ter ido? 14- Tal materialmente, é e não poderia deixar de ser um fluxo com origem em resultados, tanto mais que um dos princípios enformadores do sistema fiscal português, o da tributação do rendimento real (rendimento-acréscimo), incidindo mo IRC e o IRS sobre a manifestação directa ou imediata da capacidade contributiva (cfr. Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, pp. 122 e seg.).

15- Tanto mais que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º do CIRS: “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e...

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