Acórdão nº 39/17.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 16 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
O Ministério Público vem reclamar para a conferência da decisão sumária proferida pelo relator, que julgou improcedente o recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Sintra, em que se anulou o despacho proferido pelo Município de Sintra que havia aplicado a J... a coima de 3.500,00€ pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4°, n.° 5 e 98°, n.° 1, al. d) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro.
Requer o Ministério Público que seja proferido acórdão em conferência.
No recurso que interpôs da sentença proferida pelo TAF de Sintra, formulou as seguintes conclusões: I. O Ministério Público vem interpor recurso da "decisão-despacho" proferida nos presentes autos, através da qual o tribunal a quo decidiu conceder provimento ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no valor de € 3.500,00, acrescido de custas, interposto por J..., e, em consequência, absolveu o arguido da infracção que lhe vinha imputada, revogando a decisão recorrida.
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Em tal processo de contra-ordenação está em causa a contra-ordenação de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, ilícito previsto e punido pelos artigos 4°, n.° 5 e 98°, n.° 1, al. d) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro.
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Ou seja, como o tribunal a quo concluiu, e bem nessa parte, do auto de notícia e da decisão administrativa em apreço extrai-se o seguinte: "as oficinas em causa não possuem licença de utilização".
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Na decisão judicial ora impugnada, o Tribunal a quo entendeu, em nosso entender mal, que o ilícito em causa se consumou ao iniciar-se a respectiva utilização, com as consequências que daí extraiu - derivadas de tal equívoco - também erradas, quanto à impossibilidade de concluir pela existência do tipo de ilícito respectivo à data da consumação (que configurou como ocorrida em 1987 e, como tal antes da entrada em vigor do RJUE, considerando que a autoridade administrativa não demonstrou que o regime legal vigente em 1987 exigisse uma «autorização de utilização» e punisse a sua falta) e quanto à prescrição do procedimento.
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As questões a decidir no âmbito do presente recurso são, assim, a de aferir pela existência de uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, por um lado, e a de aferir a natureza do ilícito contra-ordenacional de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, por outro lado.
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Assim, em primeiro lugar, não podemos deixar de dar nota, com o devido respeito, que é muito, que a decisão recorrida conclui que a infracção se consumou em 1987, partindo do pressuposto que tal seria assim por as instalações serem utilizadas desde essa data.
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Todavia, tal conclusão não tem suporte na matéria de facto dada como provada (constituindo uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - art.° 410°, n.° 2, ai. a) do Código de Processo Penal, ex vi o artigo 74.°, n.° 4, do RGCOC).
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Com efeito, tal não consta na matéria de facto dada como provada na decisão judicial em apreço, pois aí apenas se dá como provado que o arguido, no exercício do seu direito de defesa no âmbito do processo contra-ordenacional alegou tal situação (o que é substancialmente diferente de se dar como provado que tal efectivamente aconteceu).
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Para além disso, discordamos do entendimento da decisão recorrida de que contra- ordenação em causa é um ilícito de consumação instantânea, porquanto perfilhamos o entendimento que a contra-ordenação em causa é uma contra- ordenação de natureza permanente, que se prolonga no tempo, renovando-se constantemente em todos os seus elementos constitutivos enquanto durar a respectiva utilização.
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Em matéria de urbanismo, nomeadamente no que concerne ao licenciamento e autorização, não se pode confundir a situação em apreço nos pressentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - com a situação decorrente de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento.
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Nestas últimas - de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento - é que, isso sim, estamos perante infracção de consumação instantânea, embora com efeitos duradouros (por subsistirem os efeitos da infracção), desde logo porque a acção antijurídica se esgota com o facto, uma vez que a manutenção da obra ilícita não constitui elemento do tipo.
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Ao invés, na contra-ordenação em causa nos presentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - estamos claramente perante uma infracção permanente em que a sua consumação material inicia-se com a efectiva ocupação de edifício sem autorização e só termina com o fim dessa ocupação não autorizada, pelo que enquanto a mesma se mantiver subsiste a consumação do ilícito.
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Os ilícitos permanentes são assim designados por contraposição aos ilícitos instantâneos, ainda que estes possam ter efeitos duradouros.
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A diferença...
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