Acórdão nº 9758/16.4BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO C....- C...., S.A.

veio deduzir impugnação judicial, na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou relativamente à liquidação da taxa titulada na Guia de Receita nº4…/2002, emitida em 31/10/02, pela Câmara Municipal de Loures, no montante de 256.437.64€.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 24 de Fevereiro de 2016, julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando a liquidação sindicada, na parte correspondente ao montante de €205.150,11, ordenou a devolução desta quantia e reconheceu o direito a juros indemnizatórios «desde a data do pagamento até à respectiva emissão da nota de crédito».

Inconformada com a sentença, na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, veio a Câmara Municipal de Loures recorrer para este Tribunal Central Administrativo, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «1ª.

O presente recurso, ao contrário do que determina o douto despacho de admissão de recurso, deve ter efeito suspensivo.

  1. Quanto à matéria de facto, foi alegado pela Recorrente que o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças se encontrava em vigor à data da liquidação objecto da presente impugnação, sendo que não é feita qualquer referência a tal facto em sede de matéria de facto.

  2. Ora, o referido Regulamento foi aprovado por deliberação da CMLoures de 10 de Janeiro de 2002, tendo sido publicado no Boletim de Deliberações e Despachos nº1… e no Edital nº37, pelo que foi dado cumprimento ao disposto na segunda parte do artº91º da lei n°169/99, de 18/09, aplicável "in casu", encontrando-se em vigor aquando da liquidação em apreço.

  3. A confirmação prevista no artº2º do D. L. 177/2001, de 4 de Junho teve lugar dentro do prazo nele estipulado, já que este diploma legal apenas entrou em vigor em Outubro seguinte.

  4. Por outro lado, as normas da Lei das Finanças Locais referidas no dito Regulamento estabelecem, claramente, os poderes tributários do Município para emissão daquele Regulamento, sendo certo que sob a epígrafe "Lei Habilitante", deu o Município cumprimento ao princípio da primariedade da Lei, não padecendo o referido Regulamento de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, não violando qualquer princípio do Estado de Direito Democrático.

  5. Ao contrário do decidido, não está em causa a criação de um imposto local, só podendo ser criado pela Assembleia da República ou Decreto Lei autorizado, já que a liquidação em apreço não deixa de ter a característica de taxa devida pela emissão de licença, não se tratando de uma situação de agravamento de taxa de licença no âmbito do procedimento para legalização de obra, que não está em causa, mas apenas da emissão da licença em condições particulares, em que a obra já se iniciou ou já está concluída.

  6. Porém, se a obra não estiver conforme as disposições legais aplicáveis, não pode nem é legalizada, independentemente do pagamento de qualquer taxa, sendo que tais licenças, emitidas após a respectiva liquidação da taxa aplicável, apenas o são se a obra estiver em conformidade com a lei.

  7. Deste modo, inexiste inconstitucionalidade formal do Regulamento em apreço, inexistindo o alegado vício sobre os pressupostos do acto de liquidação, sendo que ao decidir neste sentido, a douta sentença recorrida violou os artº103º nº2, 165º, nº1, al. i), da CRP.

  8. E, não padecendo o acto de liquidação de qualquer vício, não são devidos quaisquer juros de mora, pelo que ao decidir nesse sentido, a douta sentença recorrida violou o artº43º, nºl, da LGT.

    Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída por douto acórdão que considere a legalidade e constitucionalidade da liquidação integral da taxa em apreço, com o que se fará a costumada e inteira JUSTIÇA!» * A Recorrida, C…. S.A., veio oferecer as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: «1.ª Os termos da vigência do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures quer para o ano de 2001, quer para o ano de 2002, é uma questão de direito que foi objeto de conhecimento e julgamento pela sentença recorrida, pelo que não há qualquer omissão na matéria de facto determinado pelo Tribunal a quo.

  9. De acordo com o previsto entre outros, no art°266°/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no art°3º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) a Administração Pública - nela se incluindo as autarquias locais - encontra-se sujeita à Lei, que constitui o fundamento e princípio de toda a atuação administrativa.

  10. Significa isso que as autarquias locais só podem liquidar e cobrar taxas que se encontrem expressamente previstas na lei e nos exatos termos em que a lei regule a respetiva cobrança e liquidação, conforme dispõem expressamente os artigos e da Lei Geral Tributária (LGT).Tais normativos consagram o denominado princípio da legalidade tributária, de acordo com o qual só podem ser cobradas taxas que estejam criadas por diploma legal prévio e nos exatos termos preceituados por tal diploma conforme impõe o art°103° da Constituição da República Portuguesa.

  11. As taxas consubstanciam prestações pecuniárias e coativas, exigidas por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada por um sujeito passivo, devendo nessa medida verificar-se uma conexão entre o montante cobrado e o custo da prestação efetuada.

  12. A taxa não é um tributo que visa arrecadar receita para fazer face às necessidades financeiras do Município, mas sim, de um tributo bilateral, pretendendo-se, assim, exprimir a ideia, que a taxa constitui um tributo comutativo não simplesmente porque seja exigida por ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte.

  13. O artº19°/4 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures quer para o ano de 2001 quer para o ano de 2002 dispõe que "quando a obra tenha sido ou esteja sendo executada sem licença ou autorização, ou com a licença caducada as taxas a aplicar às licenças a conceder serão iguais, ao quíntuplo das taxas previstas e aplicáveis por força dos arts 18° ou 19°".

  14. A análise do regime jurídico da urbanização e da edificação permite concluir que os procedimentos de legalização de obras revestem a mesma natureza que os procedimentos de licenciamento ou autorização de obras (cf. art°4° e art°116° do RJUE).

  15. Esta idêntica natureza foi confirmada pelas testemunhas do próprio Município — o Arq. F….. e o Senhor H……, que confirmaram que não há para esta entidade nos projetos de "legalização" um custo de apreciação superior ao custo suportado na apreciação dos projetos de licenciamento, e que a liquidação da taxa de pelo quíntuplo visava apenas "penalizar" os requerentes e, simultaneamente, arrecadar receitas.

  16. O mesmo significa dizer que não há qualquer prestação de serviços adicional do Município no caso de ser uma legalização de obra face àquela que existe no caso de licenciamento prévio que justifique o pagamento de um montante superior a título de taxa que justifique a liquidação de taxas pelo quíntuplo.

  17. O art.19°/b) da Lei das Finanças Locais não oferece cobertura legal que justifique a distinção entre os montantes a liquidar como taxa pela emissão prévia ou a posteriori de alvará de licença ou de autorização.

  18. Com efeito, como evidenciou a sentença recorrida "consta dos autos de fls. 94 a 107, referente ao processo n°R-1682/99; R-2297/99 a referida Recomendação do Provedor de Justiça com o nº12/A/03, cuja entidade visada é o Presidente da Câmara Municipal de Loures, alertando para o facto de que «As taxas previstas quer no regime de licenciamento aprovado pelo Decreto-Lei n.445/91 de 20 de Novembro, quer no Decreto-Lei n.555/99 de 16 de Dezembro, são taxas por emissão de licença ou autorização de construção, e de licença ou autorização de utilização, as únicas que, por seu turno, se encontram previstas na Lei da Finanças Locais» 12.ª E prossegue a sentença recorrida sem qualquer censura: "as normas regulamentares que servem de base à liquidação sindicada, por preverem taxas diferenciadas e mais onerosas no procedimento de legalização devido à existência material da edificação, têm como objectivo o sancionamento de tal situação, o que não se consubstancia com a atividade de licenciamento desempenhada pela CML.

    Assim sendo, não podem servir de fundamento para a determinação do tributo em causa, atendendo à bilateralidade do conceito de taxa".

  19. Por outro lado, as taxas não podem revestir um carácter sancionatório, não só porque este carácter é completamente estranho à natureza dos tributo mas também, e essencialmente, porque no nosso ordenamento jurídico as medidas sancionatórias encontram-se tipificadas e a sua aplicação pressupõe a prévia abertura de um procedimento contraordenacional (cfr. neste sentido igualmente o relatório final do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA), no âmbito do protocolo celebrado com a Inspeção-Geral da Administração do Território (IGAT) em 4 de Maio de 2004).

  20. É ao direito contraordenacional que cabe desincentivar os ilícitos urbanísticos e absorver os benefícios económicos que provêem da sua prática, finalidade esta não consentida às taxas (cf. neste sentido a Recomendação n°12/A/03, do Provedor de Justiça, de 29 de Setembro de 2003).

  21. A liquidação impugnada é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da legalidade, face ao estatuído no artigo 103°, n°2 conjugado com a alínea i) do n°l do artigo 165° da Constituição da República Portuguesa, bem como no artº19º/b) da Lei das Finanças Locais.

  22. Finalmente, ao criar-se uma taxa pelo quíntuplo do valor normalmente...

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