Acórdão nº 1290/18.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução25 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Nos termos do disposto nos artigos 652.º, n.º 1, c) e 656.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, decide-se na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 04/12/2018, que nos autos de processo de contraordenação, instaurado por J........................, na qualidade de Recorrente e em que é Recorrido, o Município de Sintra, julgou o recurso procedente, por prescrição do procedimento contraordenacional instaurado ao Recorrente, anulando a decisão, datada de 07/09/2018, de aplicação de coima, no valor de € 1.500,00, acrescida de custas, pela prática do ilícito previsto e punido no artigo 98.º, n.º 1, d) e n.º 4 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 26/2010, de 30/03, por violação do artigo 4.º, n.º 5 do citado diploma, por ocupação de uma edificação para oficina de reparação automóvel, sem a necessária licença de utilização.

* Formula o aqui Recorrente, Ministério Público, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I.

O Ministério Público vem interpor recurso da “decisão-despacho” proferida nos presentes autos, através da qual o tribunal a quo decidiu conceder provimento ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no valor de € 1.500,00, acrescido de custas, interposto por J........................, e, em consequência, julgou extinto por prescrição o procedimento contraordenacional contra o arguido relativamente à contraordenação que lhe é imputada.

II. Em tal processo de contra-ordenação está em causa a contra-ordenação de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, ilícito previsto e punido pelos artigos 4º, n.º 5 e 98º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro.

III.

Ou seja, como o tribunal a quo concluiu, e bem nessa parte, do auto de notícia e da decisão administrativa em apreço extrai-se o seguinte: “a oficina em causa não possue licença de utilização”.

IV.

Na decisão judicial ora impugnada, o Tribunal a quo entendeu, em nosso entender mal, que o ilícito em causa se consumou ao iniciar-se a respectiva utilização, com as consequências que daí extraiu - derivadas de tal equívoco - também erradas, quanto à conclusão que a data da consumação da infração foi em 14 de Abril de 2000, data da entrada em vigor do RJUE (uma vez que a configurou como ocorrida em 1986 e, como tal antes da entrada em vigor do RJUE, data em que a lei veio prever essa autorização para esse específico fim como contraordenação, punindo a sua falta com uma coima) e quanto à prescrição do procedimento.

V. As questões a decidir no âmbito do presente recurso são, assim, a de aferir pela existência de uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, por um lado, e a de aferir a natureza do ilícito contra-ordenacional de ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem a respectiva autorização de utilização, por outro lado.

VI.

Assim, em primeiro lugar, não podemos deixar de dar nota, com o devido respeito, que é muito, que a decisão recorrida conclui que a infração ocorreu em 1986, partindo do pressuposto que tal seria assim por as instalações serem utilizadas desde essa data.

VII.

Todavia, tal conclusão não tem suporte na matéria de facto dada como provada (constituindo uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - art.º 410º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 74.º, n.º 4, do RGCOC).

VIII.

Com efeito, tal não consta na matéria de facto dada como provada na decisão judicial em apreço, pois aí apenas se dá como provado que o arguido, no exercício do seu direito de defesa no âmbito do processo contra-ordenacional alegou tal situação (o que é substancialmente diferente de se dar como provado que tal efectivamente aconteceu).

IX.

Para além disso, discordamos do entendimento da decisão recorrida de que contra-ordenação em causa é um ilícito de consumação instantânea, porquanto perfilhamos o entendimento que a contra-ordenação em causa é uma contra- ordenação de natureza permanente, que se prolonga no tempo, renovando-se constantemente em todos os seus elementos constitutivos enquanto durar a respectiva utilização.

X.

Em matéria de urbanismo, nomeadamente no que concerne ao licenciamento e autorização, não se pode confundir a situação em apreço nos pressentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - com a situação decorrente de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento.

XI.

Nestas últimas - de realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento - é que, isso sim, estamos perante infracção de consumação instantânea, embora com efeitos duradouros (por subsistirem os efeitos da infracção), desde logo porque a acção antijurídica se esgota com o facto, uma vez que a manutenção da obra ilícita não constitui elemento do tipo.

XII.

Ao invés, na contraordenação em causa nos presentes autos - de ocupação de edifícios sem a respectiva autorização de utilização - estamos claramente perante uma infracção permanente em que a sua consumação material inicia-se com a efectiva ocupação de edifício sem autorização e só termina com o fim dessa ocupação não autorizada, pelo que enquanto a mesma se mantiver subsiste a consumação do ilícito.

XIII.

Os ilícitos permanentes são assim designados por contraposição aos ilícitos instantâneos, ainda que estes possam ter efeitos duradouros.

XIV.

A diferença entre os dois tipos de ilícito reside na relação entre os efeitos do ilícito e a sua consumação.

XV.

Tendo por referência a modalidade de acção normativamente densificada no tipo legal da contra-ordenação em apreço (ocupação de edifício sem autorização), a manutenção do estado antijurídico criado pela ação punível depende da vontade do seu autor, de maneira que, numa determinada perspectiva, pode afirmar-se que o facto se renova continuamente.

XVI.

É este o sentido pacífico da doutrina e jurisprudência dominantes, nomeadamente no que concerne à prática da contra-ordenação em causa nos presentes autos (vide, entre outros, Ac. TR Porto, de 04-12-1996, Processo n.º 9610680, Ac. TR Porto, de 27-05-1998, Processo n.º 9640601, Ac. TR Porto, de 11-01-2001, Processo n.º 0110385, Ac. TR Porto, de 16-10-2001, Processo n.º 0111600).

XVII.

Assim, sendo de qualificar a contra-ordenação em causa nos presentes autos como infracção de natureza permanente, subsiste a consumação do ilícito enquanto se mantiver a ocupação do edifício sem autorização, o que, in casu, conforme consta dos autos, se verificou até à data do auto de notícia.

XVIII.

Desta forma, mal andou o tribunal a quo quando - utilizando o referido pressuposto de consumação instantânea da infração - considerou que a mesma se consumou em 14 de Abril de 2000 (data da entrada em vigor do RJUE), uma vez que o ilícito não se consumou nessa data, mas na data em que cessou a ocupação do edifício sem a correspondente licença de utilização, o que ocorreu na data do auto de notícia em 23/04/2015.

XIX.

Relativamente à prescrição, sendo o RGCO omisso quanto à determinação do início da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, nos termos do art.º 32º desse diploma legal aplica-se, no...

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