Acórdão nº 453/18.0T8VLN.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Fevereiro de 2020

Data26 Fevereiro 2020

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

Por decisão da autoridade administrativa (Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território), de 05/02/2018, constante de fls. 286/293 Vº, foi a arguida “Sucata ..., Lda.” condenada pela prática: - De uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pelo nº 2 do Artº 19º, nos nºs. 4, 5 e 6 do Artº 20º, e nos nºs. 1, 3, 5 e 6 Artº 18º e al. g), do nº 2, do Artº 24º, do Dec.-Lei nº 196/2003, de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 64/2008, de 8 de Abril, e pelo Dec.-Lei nº 73/2011, de 17 de Junho, na coima de € 12.000,00; e - De uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pelos nºs. 2 e 4 do Artº 3º, e Artº 18º do Regulamento (CE) nº 103/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14/06/2006, e al. d), do nº 2, do Artº 9º, do Dec.-Lei nº 45/2008, de 11 de Março, na coima de € 12.000,00.

E, em cúmulo jurídico das mencionadas coimas, foi a arguida condenada na coima única de € 18.000,00.

*2.

Não se conformando com tal condenação, dela interpôs a arguida impugnação judicial, nos termos constantes de fls. 297/305.

*3.

Remetidos os autos ao Ministério Público de Valença, em 03/07/2018 foram os mesmos presentes a Juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 62º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (doravante RGCO), tendo sido distribuídos ao Juízo de Competência Genérica de Valença, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob o número 453/18.0T8VLN.

*4.

Admitido o recurso, por despacho de 01/10/2018 foi designada data para a audiência de discussão e julgamento.

*5.

Nessa sequência, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, após várias vicissitudes processuais que ora não interessa considerar, em 08/10/2019 a Mmª Juíza proferiu a sentença que consta de fls. 435/437, publicamente lida e depositada nessa mesma data, em cujo âmbito julgou procedente o recurso e, em consequência, revogou a aludida decisão administrativa, em virtude de, em síntese, a mesma enfermar de nulidade, por dela não constar nenhum facto que permita concluir pela imputação à arguida do elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional.

*6.

Inconformada com tal decisão, dela veio a Digna Magistrada do Ministério Púbico interpor o presente recurso, que consta de fls. 440/456, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição 1): “1. Por sentença proferida, no dia 8 de Outubro de 2019 (fls. 434 a 437), o Tribunal a quo, decidiu revogar a decisão proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do ambiente e do Ordenamento do Território, no processo de contraordenação nº CO/001345/12, que condenara Sucata ..., Ldª., pela prática uma contraordenação ambiental grave prevista e punida pelo artigo 33º alínea n) do nº 2 do artigo 67º do DL n.º178/2006, de 05 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 73/2011, de 7 de Junho; uma contraordenação ambiental grave, p. e p. pelo nº 2 do artigo 19º, nº 4, nº 5 e Nº 6 do artigo 20º e nº1, nº 3, nº 5 e nº 6 do artigo 18º alínea g) do nº 2 do artigo 24º do DL nº 196/2003, de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo DL nº 64/2008, de 08 Abril e pelo DL nº 73/2011, de 17 Junho, e de uma contraordenação ambiental grave, p. e p. pelo nº 2 e nº 4 do artigo 3º e artigo 18º do Regulamento (CE) n.º103/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14.06.2006 e alínea d) do n.º2 do artigo 9º do DL nº 45/2008, de 11 de Março.

  1. A questão que, desde logo, suscitamos é a de saber se a decisão proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do ambiente e do Ordenamento do Território, que consta a fls. 286 a 293, padece de alguma nulidade, designadamente aquela a que se faz referência na sentença ora colocada em crise (violação do disposto no artigo 58º, n.º1 do RGCO).

  2. A este respeito dispõe o artigo 58º, nº 1 do RGCO: “A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias.

    ”.

  3. Exige-se que na narração acusatória constem os factos relativos à culpabilidade, onde se reconheça o conhecimento (representação) e a vontade de realização do facto material típico do tipo objetivo (elementos objetivos, naturalísticos ou normativos) de uma infracção.

  4. Veja-se a este respeito a anotação ao artigo 58º do RGCO - in Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 3ª Edição, 2006, Vislis Editores – onde se pode ler que “Os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contraordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.” 6. A lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, porém, a jurisprudência tem entendido que não se impõe uma fundamentação com o rigor e a exigência que se impõe no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, por várias razões, desde logo, por se tratar de decisão administrativa, que não se confunde com a sentença penal, como o ilícito contraordenacional não se confunde com o ilícito penal, pois, são realidades distintas (a sentença penal reveste uma maior solenidade, atenta a supremacia dos interesses em causa) e, ainda, porque aquela decisão, quando impugnada «converte-se em acusação, passando o processo assumir uma natureza judicial – artigo 62º, nº 1 do RGCO. Ora, não faz qualquer sentido que a decisão administrativa, que em caso de impugnação se converte em acusação, tenha que obedecer a um rigorismo de fundamentação semelhante ao da sentença penal.

    Mais.

  5. Seria até incongruente que a fundamentação exigida no artigo em causa tivesse a amplitude prevista no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, relativamente à fundamentação da sentença, quando naquele se estabelecem os elementos que deve conter a decisão administrativa, essa exigência não faria sentido se ao dever de fundamentar que aí se prevê se atribuísse o alcance que resulta do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, retirando, dessa forma, sentido à exigência contida no artigo 58º, nº 1, alíneas b) e c) do RGCO.

  6. As condutas ou comportamentos contraordenacionais, em si mesmos, são axiologicamente neutros e, daí que, a coima represente um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como mera “admonição”, como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais.

  7. A génese e teleologia do procedimento contraordenacional, a fundamentação, tal como está estabelecida no artigo 58º do RGCO, será, pois, suficiente desde que justifique as razões pelas quais, atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas, é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos.

  8. Por outras palavras, exige-se uma fundamentação mínima indispensável ao exercício de defesa do arguido, sob pena de manifesta violação do artigo 32º, n.º10 da CRP.

  9. Na sentença ora colocada em crise, mais concretamente a fls.435/verso, pode ler-se o seguinte: ”Tal conduz, inapelavelmente, à nulidade daquela decisão, por via dos art.ºs 58º, nº 1, al. a), do R.G.C.O., e 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do C.P. Penal, estes supletivamente aplicáveis, nulidade essa que, sendo de conhecimento oficioso arrasta também a inutilização dos termos posteriores do processo no que à ora arguida/recorrente concerne (cf. art.º 122º do C.P. Penal, supletivamente aplicável)”.

  10. Como já referimos o normativo vertido no artigo 58º, nº 1, alínea a) do RGCO refere que a decisão tem que identificar os arguidos. Mas será que, na decisão administrativa em apreço, não se identificou a arguida? No que a esta matéria diz respeito, afigura-se-nos que a mesma está identificada e bem identificada, pelo que, não se poderá concluir pela nulidade da mesma, por violação do disposto no mencionado normativo, como resulta da sentença.

  11. Na sentença ora colocada em crise, entende-se, ainda, que a decisão proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do ambiente e do Ordenamento do Território, percorrida na sua totalidade, em lado algum, contempla factos que permitam imputar a prática das mencionadas infrações à arguida, mais concretamente, os factos relativos ao elemento subjetivo.

  12. Se analisarmos, atentamente, a decisão administrativa, mais concretamente a fls. 291/verso, no segmento Culpa, pode ler-se o seguinte: “No que toca à culpa com que a arguida atuou, considera-se que esta não agiu com a diligência necessária para cumprir com as suas obrigações legais, não se descortinando qualquer facto que retire a censurabilidade às infrações por si praticadas (…)”. Apesar da referência ao elemento subjetivo das concretas contraordenações imputadas à arguida não prima pelo rigor formal, afigura-se-nos, ainda assim, que a descrição contida na decisão administrativa é suficiente para que esta pudesse exercer, como efetivamente exerceu, o seu direito de defesa, não se verificando alegada nulidade, por violação do artigo 58º, n.º1, alínea b) do RGCO.

  13. Veja-se a este respeito os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal...

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