Acórdão nº 1960/10.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório M...................................

, melhor identificada nos autos, veio deduzir oposição à execução fiscal nº .........................., instaurada originariamente contra a sociedade .......................... e Outros, para cobrança coerciva de IRC, no valor de €726.814,26, do ano de 1999.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 128 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 03 de Maio de 2018, julgou procedente a oposição, sentença da qual foi interposto recurso pela Fazenda Pública. Nas respetivas alegações (de fls. 173 e ss., numeração em formato digital – sitaf), a recorrente formula as conclusões seguintes: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou procedente a oposição à execução e extinta a execução, por considerar verificada a nulidade insanável do título executivo.

  1. O Ilustre Tribunal “a quo” cita alguma doutrina e jurisprudência, mas ancorou-se, essencialmente, no Acórdão do TCA Sul de 08.03.2005, P.00428/05, para considerar que a Oponente, ora Recorrida, foi chamada à execução fiscal mediante a citação enquanto responsável solidária pelas dívidas exequendas da sociedade e não figurando no título, o que constitui nulidade insanável.

  2. Ora, atendendo a factualidade dada como provada na decisão ora em crise – factualidade essa que a Fazenda Pública não coloca em questão –, não pode, no entanto, a Fazenda Pública conformar-se com subsunção e interpretação factual com a exegese jurídica percorrida, incorrendo, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, no erro de desconsiderar por completo, no seu cômputo, disposições legais do Código Civil, do Código das Sociedades Comerciais, da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e Processo Tributário, nesta matéria, conforme melhor veremos de seguida.

  3. Atenta ao caso sub judice, destaque-se o ponto 7 do sumário da lei de aprovação do Código das Sociedades Comerciais, “7. Para a aquisição da personalidade jurídica das sociedades passa a ser decisivo o registo comercial (artigo 5.º), não bastando a escritura pública, como até agora. Mas admite-se o registo prévio e provisório do contrato de sociedade (artigo 18.º, n.

    os 1 a 3), o que facilitará certamente a constituição desta. Mantém-se a necessidade de publicação do contrato no Diário da República, que passará, todavia, a ser promovida pelo conservador do registo comercial, suprimindo-se a exigência de publicação em jornal local.(…) O discutido e complexo problema das sociedades irregulares é objecto dos artigos 36.º a 52.º, que, respeitando a 1.ª Directiva Comunitária, resolvem a generalidade das dúvidas que têm preocupado a doutrina e a jurisprudência.(…)”, sublinhado nosso.

  4. Do conjunto de fases que devem obedecer à criação de uma sociedade, é patente, e conforme das disposições legais supra elencadas, que se destaca a celebração do contrato da sociedade, previsto no art.7.º n.º1 do CSC, e o registo do contrato na Conservatória do Registo Comercial, al.a) do n.º1 do art.3.º do CSC.

  5. Logo, hipoteticamente, até ao registo definitivo do contrato junto da respectiva Conservatória, a sociedade não se encontra constituída, com plenitude dos seus direitos e obrigações, ou seja, ainda não tem personalidade jurídica.

  6. Portanto, quando se efetua a referência a uma sociedade irregular, significa que são aquelas sociedades cuja constituição não cumpriu com os requisitos exigidos imperativamente pela lei, e maioritariamente, a falta do respectivo registo comercial.

  7. As sociedades irregulares não sendo uma plena sociedade comercial, então estariam fora do âmbito de um código que tem por objecto as sociedades comerciais.

    I. Contudo, por outro lado, entende-se a salvaguarda jurídica do legislador, e devidamente explicada no respectivo sumário de aprovação do CSC, em virtude dos efeitos jurídicos que as sociedades irregulares podem produzir antes da sua constituição, nomeadamente nas situações da celebração de negócios jurídicos, que são válidos, independentemente do registo do contrato da sociedade, e como tal da efetiva e valida constituição da sociedade.

  8. Pode-se dizer que ainda que a sociedade seja comercial, conforme art.1 n.º2 do CSC, porque tem por objecto a prática de actos de comércio e é considerado acto de comércio, nos termos do art.2.º do Código Comercial (CCom) todo aquele que se achar especialmente regulado no Código Comercial, e, não for de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar, pode ter natureza regular ou irregular.

  9. O conceito de personalidade jurídica é um conceito aberto, receptivo à evolução do Direito, e face aos interesses e necessidades, desde logo espelhadas no referido sumário do CSC, não podem ser esquecidos quanto interpretamos o sentido jurídico das normas.

    L. Numa interpretação literal declarativa, poderá entender-se que o registo é uma condição da sua existência, da sua validade e, a contrario, uma sociedade comercial irregular, porque não esta registada, não existirá, não se lhe podendo reconhecer personalidade.

  10. Se o CSC reconhece a susceptibilidade de direitos e deveres às sociedades irregulares, está a reconhecer personalidade activa e passiva, ou seja, de ser sujeito ativo e passivo de qualquer relação jurídica, sem a qual não há direito.

  11. Pelo que, deve-se acolher o entendimento preconizado no Direito Italiano, por Vivante, segundo o qual, uma sociedade comercial devemos atentar à existência do contrato de sociedade, e verificar se se encontram os 3 pressupostos da sua validade: o elemento pessoal com vontade própria e independente de cada sócio; elemento patrimonial; e o elemento teleológico que consiste a intenção e fim da sociedade.

  12. Reunidos estes pressupostos, estamos perante uma sociedade comercial e da criação de uma pessoa jurídica, em que apenas diverge de ser irregular por faltar o seu registo comercial.

  13. Importa atentar, e em face da questão fiscal em apreço, pese embora falta de personalidade jurídica das sociedades irregulares, veja-se que, à luz do Direito Fiscal, as sociedades irregulares têm personalidade e capacidade tributária.

  14. As sociedades irregulares não podem deixar de ser considerados como entes próprios, como entes produtivos com capacidade contributiva e daí que lhes seja atribuída capacidade e personalidade tributária passiva equivalente à das sociedades comerciais regularmente constituídas, atribuindo-se-lhes também, e em contrapartida, todo um conjunto de direitos como o de reclamar e impugnar autonomamente, por ser reconhecida a sua capacidade e personalidade judiciária.

  15. Nesse sentido, “3.O direito tributário apresenta, no entanto, especificidades em relação ao direito civil, pois exige a tributação de determinadas realidades económicas, em obediência aos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva. Impõe-se, por conseguinte, uma extensão da personalidade tributária para além da personalidade jurídica, tributando os rendimentos de determinadas entidades, deste modo assegurando a uniformidade no tratamento dos sujeitos passivos de imposto. Como refere Pedro Soares Martinez, “Onde quer que o Direito Fiscal depare com um ente individualizável, sob ponto de vista da sua actividade económica, aí ele reconhece matéria a personalizar.”. Esta realidade torna-se, sobretudo, evidente ao nível da tributação dos rendimentos das pessoas colectivas em que, para além da tributação do lucro das sociedades comerciais (e demais elencadas na al.a) do n.º1 do artigo 3.º do Código de IRC), alarga a incidência do imposto sobre os rendimentos provenientes d outras entidades, ainda que sem personalidade jurídica.4.Assim,e para efeitos de tributação em sede de IRC, consideram-se sujeitos passivos determinados entes de facto que, a não serem abrangidos pela incidência subjectiva do imposto, tornariam difícil a sua tributação. Evita-se, desta forma, que a efectiva tributação de determinadas entidades fique dependente da regularidade no processo de formação. O legislador procede, por conseguinte, a uma extensão da personalidade tributária a determinadas entidades desprovidas de personalidade jurídica, como é o caso (…) das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, antes do registo definitivo na conservatória competente (conforme alínea b n.º1 e n.º2 do artigo 2.º do CIRC.” in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, José Maria Pires e outros, 2015, Almedina, pág.125-126.

  16. As sociedades irregulares ao terem personalidade tributária são susceptíveis de ser sujeito de relações jurídico tributárias, e nessa medida, as sociedades irregulares tem capacidade tributária que decorre do art.16.º da LGT.

  17. A este respeito, importa realçar a importância de conceito de sujeito passivo que é unanimemente seguido, segundo o qual identifica-se o sujeito passivo em conformidade com a subjectividade jurídica, o que significa será considerado o que assume a posição jurídica de devedor na obrigação tributária.

  18. Para alguma doutrina, como António Braz Teixeira, em Princípios de Direito...

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